024 – Templo Jagdish

Nesta foto vêem-se as cúpulas do Templo Jagdish ao fundo da rua. Este templo, construído em 1651, é o maior em Udaipur e é dedicado ao deus Vishnu, o mais importante no hinduísmo. É também um ótimo exemplo da arquitetura indo-ariana. Mais adiante, numa das próximas crónicas, abordarei este tema da cultura indo-ariana.

Visitei depois esta escola de arte, onde se vendiam inúmeras pinturas artesanais em papel e seda.

Aproveitemos o passeio pelo templo Jagdish – hindu, portanto (quando é muçulmano, é mesquita) para falar um pouco mais sobre a religião na Índia.
Segue a transcrição de um artigo publicado a 20 de Janeiro de 2009 no jornal “Global Notícias”, por sua vez retirado da revista “Notícias Sábado” do “Jornal de Notícias”.
Leiam p.f., que é importante para a compreensão da história do país e do seu contexto atual.

A ferida islâmica da Índia
Contra a vontade de Gandhi, a 14 de Agosto de 1947 a Índia e o Paquistão ficaram separados.

Apesar dos esforços dos dirigentes indianos para que o seu país seja uma pátria para os muçulmanos como o é para a maioria hindu e também para os sikhs e os cristãos, os seguidores do profeta Maomé continuam a sentir-se discriminados e a viver pior do que a maioria da população.

O Taj Mahal foi um dos dois hotéis de luxo atacados em Novembro de 2008 por um grupo de terroristas islâmicos que mataram 172 pessoas em Bombaim, incluindo quase três dezenas de estrangeiros. O edifício construído em 1903 foi assim chamado em homenagem ao mausoléu com o mesmo nome mandado edificar no século XVII pelo imperador Shah Jahan para a sua terceira mulher, Mumtaz Mahal, morta ao dar à luz o 14º filho. Património da UNESCO, o Taj Mahal é o mais conhecido vestígio do domínio muçulmano no subcontinente indiano e também o expoente da arte indo-islâmica. No seu ódio à Índia, os terroristas mostraram pouco respeito pela história.

Shah Jahan era representante da dinastia mogol que governou a Índia desde o início do século XVI, vinda da Ásia Central. Mas se a imponência das cúpulas de mármore branco do túmulo gigante ficaram para a posteridade, é Akbar, que reinou um século antes, que continua a ser o mais famoso dos imperadores mogóis. Esse neto de Babur, o fundador da dinastia, destacou-se como conquistador, mas também pela sua tolerância e abertura religiosa. Na sua corte em Fatehpur Sikri, perto dessa Agra onde mais tarde seria construído o Taj Mahal, cruzavam-se religiosos muçulmanos e hindus com jesuítas portugueses vindos de Goa. Akbar queria ser o imperador de todos os indianos e chegou até a casar com uma hindu.

O domínio muçulmano na Índia só chegaria ao fim em meados do século XIX, quando um soldado da companhia das Índias Orientais matou o seu tenente britânico, lançando as bases para uma revolta dos cipaios [polícias autóctones] que, para os indianos, ficou conhecida como a primeira guerra da independência, mas na historiografia inglesa é denominada de Grande Motim. E nem o facto de o soldado ser hindu impediu a potência colonial de virar a sua raiva contra os mogóis, no poder em Deli, pondo fim ao seu domínio formal.

A sociedade muçulmana na Índia entrava então em colapso. Um momento de que ainda hoje tenta recuperar. Sem acesso ao ensino, que passou a ser obrigatoriamente feito em inglês, e com os britânicos a bloquearem-lhe os lugares de destaque na administração pública, as elites muçulmanas acabaram por ter de se submeter à Coroa. Acabaram por encher as fileiras dos movimentos nacionalistas, como o Partido do Congresso, fundado em 1885, ou mais tarde a Liga Muçulmana, criada pelo príncipe Aga Khan, enquanto muitos se adaptavam ao estilo de vida ocidental dos britânicos.
Foi o caso de Mohammed Ali Jinnah, um ex-advogado em Inglaterra que integrou o Partido do Congresso do Mahatma Gandhi antes de se juntar à Liga Muçulmana. Mais tarde tornou-se no porta-voz da causa de uma pátria para os muçulmanos da Índia com o nome de Paquistão, palavra inventada por um estudante indiano em Londres juntando as primeiras letras das várias províncias que iriam compor o novo país, a começar por P de Punjabe. Os dotes negociais de Ali Jinnah conseguiram convencer o último vice-rei da Índia, lorde Mountbatten, a aceitar a divisão do Raj, a Jóia da Coroa britânica, por linhas religiosas. E a 14 de Agosto de 1947, contra a vontade de Gandhi, nascem a Índia e o Paquistão. A indefinição do marajá hindu de Caxemira, que não decide em qual dos países vai integrar o seu reino de maioria muçulmana, provoca a primeira guerra entre os dois países logo no ano seguinte. Um conflito que se repetiria em 1965 também por causa de Caxemira e de novo em 1970, quando a Índia intervém no Paquistão Oriental, que acabou por se separar, formando o atual Bangladesh.

Hoje em dia, os três países nascidos da divisão do Raj acolhem um número muito semelhante de muçulmanos, apesar de na Índia, um gigante com 1100 milhões de habitantes, estes constituírem apenas 13% da população. Apesar dos esforços dos dirigentes indianos para que o seu país seja uma pátria para os muçulmanos como o é para a maioria hindu e também para os sikhs e os cristãos, os seguidores do profeta Maomé continuam a sentir-se discriminados e a viver pior do que a maioria da população, mesmo nestes tempos de prosperidade económica. É que se já deram três presidentes à Índia, o último dos quais o cientista nuclear Abdul Salam, fornecem a Bollywood os mais aclamados atores e à seleção nacional de críquete alguns dos melhores jogadores, os muçulmanos não têm mesmo assim boas notícias para se animarem. Têm uma taxa de desemprego maior do que a da média da sociedade indiana e o seu nível de literacia é inferior aos 65% da média nacional. Trinta e um por cento vivem abaixo do limiar da pobreza, ligeiramente mais do que os hindus de castas baixas, os mais pobres do país.
Estas desigualdades explicam o sentimento de injustiça que a comunidade muçulmana na Índia sente. E se as autoridades de Nova Deli se orgulham de até agora não ter aparecido nenhum indiano na AlQaeda ou detido em Guantánamo, a proliferação de atentados no país nos últimos anos leva a desconfiar que os extremistas possam vir de dentro. Houve já atentados reinvidicados por um grupo de “Mujaedines do Decão”.

No caso dos ataques de dia 26 de Novembro de 2008, quando um comando de terroristas espalhou o horror por vários locais turísticos de Bombaim, com tiros e granadas, um dos terroristas, detido pela polícia indiana, confessou ter recebido treino do grupo Laskar-e-Taiba no Paquistão. (…) Seja como for, estes ataques ameaçam a estabilidade entre a Índia e o Paquistão, duas potências nucleares. E prometem não ajudar a ultrapassar a desconfiança que muitos hindus têm em relação aos muçulmanos do seu país, cuja presença na Índia é mais antiga que o império mogol. Os terroristas só vieram dar mais argumentos aos mais extremistas entre os nacionalistas hindus, que não se cansam de dizer que a Índia é a pátria dos hindus.

Fonte:
Tecedeiro, Helena (2009), “A ferida islâmica da Índia”. Global Notícias, 20 de Janeiro, pp. 10 e 11.

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