130 – Epílogo
Sinceramente nem sei bem o que dizer. Mais do que já disse, ao longo destas 130 crónicas. Que foi uma viagem maravilhosa? Sim. Creio que não há dúvidas sobre isso. Que está no top das minhas melhores viagens? Sim, também é verdade e não há dúvidas sobre isso.
Que quero lá voltar, e conhecer o noroeste da China, já que agora conheci um pouco do sul e do nordeste? Sim, hei de ir àquela região norte, mesmo fora da China, como é o caso da Mongólia.
Sobre isto não há dúvidas.
Sobre a China propriamente dita.
Eu criei uma nova perspetiva da China. Percebi que nós somos mais fechados em relação aos chineses, do que os chineses são em relação a nós, ocidentais. Descobrir isto foi algo muito curioso. E sem dúvida que se deve à nossa experiência ocidental. As lojas chinesas, os vistos dourados chineses, os BMW’s dos chineses. Fechámo-nos. Os chineses estão a invadir-nos – dizem as pessoas. A própria comunidade chinesa em Portugal fecha-se muito, também. São raros os casos de misturas. Mas na China, eu a andar de bicicleta por aquelas terras, ninguém me disse que eu estava a invadi-los. Pelo contrário, receberam-me nas suas casas, convidaram-me para sentar-me às suas mesas. A experiência que têm é totalmente oposta à nossa, no mundo ocidental. Estão mais isolados, o governo chinês protege-se muito, fecha a sua economia, e não deixa passar a informação.
Sobre a sua cultura e modo de vida, há muitos fantasmas do passado que é preciso esclarecer, enfrentar e superar. E aprender com os erros. Eu sou otimista por natureza, tenho tendência para vislumbrar o lado bom das coisas, pelo que vou optar por ser otimista também em relação ao notório desenvolvimento da China, e à bondade inata que vi nos chineses – na população em geral. A falta de liberdade de expressão é uma drama ainda a resolver, mas vêem-se sinais de melhoria nítidos. Não disse o historiador Frank Dikottër (crónica 123) que “O acesso a esses arquivos teria sido inimaginável mesmo há 10 anos, mas uma revolução silenciosa tem ocorrido nos últimos anos, uma vez que vastos documentos foram gradualmente desclassificados.”?
Não me deixaram andar livremente por todo o lado, a fazer perguntas que antes seriam consideradas indiscretas? Sim, deixaram-me em paz. Espiolhei tudo. Bisbilhotei tudo. Falei com toda a gente. Não andaram guardas nenhuns atrás de mim. Meti-me por onde quis, na bicicleta. E escrevi agora tudo o que me apeteceu – por enquanto continuo viva… Há melhorias, portanto. Mas sim, se escrevesse isto na China, seria convidada a sair, certamente. Ou pior.
A educação da população no sentido de torná-la mais participativa na vida do país, da sociedade e da economia em geral, também é importante. As pessoas não percebem que têm direito a escolher. Coisas tão simples como se os Hukous (crónica 63) devem existir ou não. Aceitam passivamente que estas decisões sejam tomadas, e resignam-se. Ainda não perceberam que podem dizer “não”. Não queremos.
Enfim. Veremos como estará a China – e o mundo – daqui a uns cem anos. (Não veremos porque já estaremos mortos, mas alguém verá por nós).