129 – A Viagem de Regresso
Se bem se recordam da crónica 2 – a viagem da vinda foi uma saga. Esta viagem da ida não o foi menos. Uma pessoa tem de preparar-se psicologicamente. Ter calma. Deixar o tempo passar. À medida em que as horas passam, as coisas vão progredindo. E acaba-se por chegar lá. Neste caso, chegar a casa, em Lisboa.
Agora o voo é às 10.30h, para Frankfurt. De seguida terei outro voo para Lisboa. Eis as etapas:
Primeira Etapa
Às 6.15h da manhã toca o despertador. Não fui a primeira, pois desde as 5 da manhã que se ouvem muitas vozes e conversas pelos corredores do hotel. Parte tudo hoje ou quê? Eu com uma t-shirt azul escura dobrada numa tira, a tapar os olhos, pois às 5 da manhã nasce o dia e ilumina o quarto todo. Esqueci-me de trazer o “tapa-olhos” (mas vim a descobrir depois que não, não me esqueci – ele passou estes 25 dias dentro de um bolso do nécessaire, sem eu saber).
Hoje é 3ª feira, dia 15 de Agosto. É feriado em Portugal e é suposto eu chegar cerca da meia noite a casa. Ganho sete horas de diferença, é bom.
Às 7.15h deixei o quarto do hotel e desci à receção para fazer o check out. Tive de esperar que fossem verificar o quarto, para me devolverem os 200 Yuans de caução. Depois não encontraram o comando de qualquer coisa, certamente da televisão. Mas eu deixei as gavetas abertas, com tudo à vista, nomeadamente o telefone, copos, vinte embalagens de escovas de dentes e outras tantas de pentes. Vinte embalagens de escovas de dentes e de pentes. Eu já nem tinha espaço nas gavetas. Não sei porquê, deixaram-me cinco todos os dias. Foi um pouco bizarro, não me perguntem porquê. Em todos os hotéis onde estive, deixaram-me só uma embalagem de cada. Se calhar pensaram que o meu cabelo comprido e encaracolado exige muitos pentes. As escovas de dentes não faço ideia. Eu ando com a minha e só usei essa, de melhor qualidade, comparada com aquelas de oferta, que logo à primeira lavagem se estragam. Se calhar por isso deixaram tantas.
Segunda Etapa
Eram 7.30h quando deixei o hotel e me dirigi para o metro. Vou de metro até ao aeroporto. Não posso arriscar a ficar presa no trânsito, além de que o metro é mais barato e tranquilo. Primeiro o metro, depois o comboio “Airport Express”, tal como na vinda. O “Airport Express” tem ligação direta com o metro, nem é preciso sair. Bastante bom, este sistema em Pequim.
Levei 45 minutos no metro e comboio, e eram 8.30h quando entrei no aeroporto. Faltam duas horas para o voo.
Levei 1,15h a passar todos os controlos no aeroporto. Faltavam 45 minutos para o avião partir quando finalmente me sentei junto à porta E08 para embarque. Excelente, correu tudo bem. Ainda comi uma sandes de atum, comprada na Starbucks (picante! Como é possível que até uma sandes de atum seja picante?), e um copo de leite quente, e tive de ir a bebê-lo para dentro do avião, pois o embarque começou cinco minutos depois de eu chegar, eram 9.50h, à hora prevista. Magnífico. Já nem tive tempo de converter os yuans que me restam em euros. Farei isso no próximo aeroporto, em Frankfurt. Pelo menos a partida correu magnificamente bem, não esperei muito tempo, eu própria não perdi tempo, não andei com pressas nem excessivos vagares. E o avião da Lufthansa, gigante, com dois andares, partiu a horas.
Terceira Etapa
Nove horas de voo até Frankfurt. Eu vou à janela e ao meu lado vai um casal de alemães, precisamente de Frankfurt. Andam pelos 60 anos, e ele é o conversador dos dois. Vai ao meu lado e perguntou-me se eu sou estudante. Bom, é sempre bom parecer uma estudante, quando esse tempo já lá vai há sei lá quantos anos. Explicou-me que vêm de férias, e fizeram uma viagem de comboio de 19 dias entre a Rússia, a Mongólia e a China. Inseridos num grupo. Na nossa conversa, nem sei como foi lá parar, contei-lhe que estive no Lago Balaton, na Hungria. E ele conhece o Lago Balaton. Ninguém conhece o lago Balaton, como é que um alemão conhece o Lago Balaton, na Hungria? Fiquei surpreendida e ele então explicou-me que já esteve várias vezes na Hungria, em trabalho, e que conhece o país relativamente bem.
Nove horas depois (a conversa entretanto acabou, claro) aterramos em Frankfurt. Despedi-me do casal e disse-lhes que quando eles estivessem a jantar, na sua casa, eu ainda ali estaria, no aeroporto de Frankfurt. Tenho cinco horas de espera até ao próximo voo, da TAP, para Lisboa. Eles riram-se.
Ainda por cima o voo da TAP partiu com 40 minutos de atraso. E ia gelado, e houve queixas. Alguém à minha frente, na Business Class, queixou-se. E eu tive de pedir um cobertor. Na Lufthansa, com os pinguins gelados da Alemanha, o avião vai quente. Na TAP, com os quentes latinos, o avião vai gelado.
Quarta Etapa
Três horas de voo depois, aterro em Lisboa. Seriam umas dez e meia da noite. Estive 24 minutos de olhos postos no tapete rolante, à espera da bagagem. Foram precisamente 24 minutos de ansiedade. Agora já não tenho urgência na mala, mas só de pensar que teria de ir tirar uma senha para apresentar a reclamação do seu desaparecimento – processo que levou quase duas horas da última vez que me perderam as bagagens, numa viagem anterior – comecei a vacilar. Estou tão cansada, quero ir dormir, amanhã de manhã vou trabalhar… Por favor, venham as bagagens…
Quando finalmente a minha mala apareceu, não consegui deixar de exclamar “Já estou safa!”, ao que uma senhora me respondeu: “Que sorte!”, e ela continuou à espera. Ela e mais outras tantas dezenas de passageiros. As pessoas, ao verem aparecer as suas próprias bagagens, riem-se de alegria e alívio. Este drama das bagagens é terrível. Ali ao lado estava uma senhora cujas malas, de outro voo, não apareciam, e então mandaram-na para o tapete 14 (longe dali, nem se vê, fica noutra sala) para tentar a sua sorte. É incómodo e angustiante andar nisto.
Quinta Etapa
À meia-noite, vinte e duas horas depois de ter deixado o hotel em Pequim, entrei em minha casa, em Lisboa. Passaram-se 22 horas, nada mau. A ida para Yunnan foi muito pior, durou 36h. Também teve um terceiro voo, ao passo que agora foram apenas dois, de Pequim, e não de Yunnan.
Cheguei a casa 1 kg mais magra. Também nada mau, com esta ginástica toda… Efetivamente comi que nem uma leoa, na China. Se calhar até emagreci este quilo durante estas 22h.
Amanhã às 9.30h estou no trabalho novamente. Nem quis saber das malas, ficou tudo por arrumar, dormi que nem uma pedra, e levantei-me para ir trabalhar. Como se ontem não tivesse estado em Pequim. Mais um dia normal de trabalho. Regresso à rotina.
Sexta Etapa
Nos próximos dias, já a trabalhar, vou andar algum tempo com os horários trocados. Passei alguns dias a acordar à 1 ou 2 da tarde (em Lisboa são 6 ou 7 da manhã, mas o meu organismo ainda não sabe isso…), e às cinco da tarde é hora de ir dormir. Na China são 11 da noite. Amanhã espera-me outro dia intenso, cheio de aventuras, pelo que às 11 da noite estou a cair de sono. Mas não. Estou em Lisboa, são 5 da tarde, e amanhã só me esperam as aventuras do trânsito lisboeta e também as aventuras do meu trabalho, que já não são poucas. Pelo que durante esta gradual troca de horários, arrumei as bagagens nos dias seguintes, às seis ou sete da manhã, hora de Lisboa, quando acordava, de livre vontade, sem despertadores, com os sonos trocados. Às 9 ou 10 da noite estou a dormir.
E como é hábito, sonhei durante alguns dias os mesmos sonhos repetitivos – sempre quando regresso de viagens longas, com realidades distintas, essa realidade acompanha-me mais alguns dias, em sonhos. Desta vez percorri longas ruas, com muitos pequeninos desenhos geométricos, muitas pequeninas coisas, indistintas, de cada lado da rua, e eu sempre a avançar por ali afora. Este sonho repetiu-se durante cinco ou seis dias. São os Hutongs de Pequim e as ruas de Shuhe, Dayan e outras que tais.