126 – Cemitério Revolucionário de Babaoshan
Ao meio dia saí do Jardim Zoológico, esgalgada com fome, e é mesmo na estação de metro do Zoo que vou almoçar. Uma vez mais mostrei a foto no meu telemóvel com o “Não picante”, escrito em chinês. As raparigas que atendiam leram e apontaram para o “Delizioso”, no canto superior direito, e foi isso que mandei vir. Serviram-me uns noodles deliciosos, de facto. Comi tudo e nem uma gotinha ficou na tigela. Até no cabelo fiquei com uma esparguete pendurada, que tirei com os pauzinhos e deitei fora – já há muito tempo que deixei de atrapalhar-me com estas coisas das tigelas, dos pauzinhos e do beber com sofreguidão. É assim, assim será. Nesta altura do campeonato – o 24º dia de viagem – já estou nessa, já não questiono, já não me atrapalho.
Mas eu não estou bem. Ontem comprei um pêssego numa mercearia. Lavei-o no quarto do hotel, com água da garrafa. Comi-o com casca. Pouco tempo depois, estava eu sentada na cama, a navegar na internet, no telemóvel, quando sinto uma grande e súbita debilidade. Não consegui continuar sentada, e optei por deitar-me. Perdi as forças imediatamente. Foi rápido e poderoso. E tive a primeira (e felizmente última) crise de diarreia, na China. Aquele pêssego, provavelmente mal lavado, só com uma mão, com água a sair da garrafa, deitou-me imediatamente abaixo. E imediatamente tomei um Ultra-Levur, o primeiro de três, de 8 em 8 horas. Ando a Ultra-Levurs, portanto, durante o dia de hoje. E felizmente correu bem, ficou controlado, não precisei mais de ir à casa de banho durante o dia. Foi uma bela ameaça. Rapidamente controlada, dado que levo a parafrenália toda de medicamentos atrás. Mas foi espantoso o efeito tão rápido de um alimento mal lavado e cru. Perdi imediatamente as forças, fiquei prostrada na cama. Más recordações tenho de um dia assim na Índia, em que o médico teve de ir ao quarto do hotel pois eu nem conseguia pôr-me de pé.
Bom, mas já passou. O destino agora? É o Cemitério Revolucionário de Babaoshan. Meto-me no metro novamente, passo os controlos dos raios-x (tenho de tirar a câmera do ombro e a bolsa da cintura, e depositá-las num tapete rolante), tiro um bilhete nas máquinas automáticas (têm instruções em inglês, só me escapou o facto de não aceitarem notas de 20 yuans, só aceitam de 10 – e um rapaz ajudou-me apontando para a nota de 10 desenhada na máquina, para eu perceber porque me estava ela a rejeitar a nota), mudei da linha 4 para a linha 1 (o metro em Pequim não suscita qualquer dúvida, é bastante simples, tal como qualquer outro metro do mundo) e umas 15 estações de metro depois, chego ao Cemitério. Em todos os países que visito, procuro conhecer este aspeto da sua cultura, conforme já referi na crónica 18. Para alguns detalhes sobre os aspetos funerários, basta consultar a crónica 18.
Agora é preciso descobrir onde fica o cemitério. Não o vejo em lado nenhum. Não há placas nenhumas. À saída do metro abordei uma mulher e provavelmente a filha (já grande) mas elas mostraram-se indecisas e apontaram-me lá para longe. Estas estão a despachar-me, é melhor perguntar a outra pessoa. Em cima desta ponte abordei um homem inglês (julgava eu) dos seus 50 anos, alto e magro, que ia acompanhado por uma mulher chinesa. Acabámos por trocar algumas palavras e ele contou-me que é do Canadá e vive há trinta anos em Pequim. Dá aulas de inglês. A mulher chinesa nem sabia que havia ali um cemitério, mas ele sabia, e apontou-me na direção oposta às que as duas mulheres me tinham apontado antes. Eu já desconfio de tudo, mas vou acreditar neste canadiano, parece tão decidido e sabe perfeitamente do que eu falo: “É o cemitério onde estão as celebridades?” – perguntou-me. “Sim”, respondi.
Esta é a entrada, mas foi um sarilho descobrir isto. Estive noutro portão, andei perdida no meio de uns edifícios governamentais, acho eu, com guardas na receção, que não souberam ajudar-me, e depois foram uns rapazes na rua que usaram uma vez mais o tradutor do seu telemóvel para traduzir o que eu queria. “Babaoshan cemitery”, disse eu, para o seu telemóvel. Eles leram o que o telemóvel indicou e perguntaram-me se eu queria ir para a estação de metro de Babaoshan. Não, acabei de vir de lá. Procuro o cemitério. E eles finalmente perceberam e apontaram-me na direção destes portões. Ainda andei perdida noutro portão, até finalmente chegar a este. Mas que estranho. Isto não é um cemitério de celebridades para se visitar? Há muitos cemitérios de celebridades pelo mundo fora, e estão todos bem assinalados para os turistas visitarem. Na Dinamarca visitei o túmulo do filósofo Kierkegaard, ou do escritor Hans Christian Andersen. Na Áustria visitei os túmulos de Beethoven, Mozart, e outros. Agora venho visitar as celebridades chinesas, nomeadamente o escritor Lao She. Mas aparentemente sou um bicho raro. E agora pedem-me uma autorização para entrar. Uma autorização? Tenho o passaporte. Não, não serve. Tenho de ter um documento autorizando a visita a um cemitério de celebridades. Uma pessoa tem que viver muitas experiências na vida, efetivamente. Agora é esta. O que recearão? Que eu mate as celebridades já mortas?… Que eu ponha uma bomba no cemitério?…
Mas eu estou tão determinada a visitar o cemitério, que virei as costas ao funcionário fardado (militar) que me abordou e pediu os documentos, e continuei a andar em frente. Se quiser que venha atrás de mim. Ele até foi gentil comigo, estava a tentar perceber o que eu queria, mas o desconhecimento da língua torna-se impeditivo. E ainda nem avistei cemitério nenhum, mas caminho em direção a outro portão, talvez esteja depois dele. E o militar – lá lhe passou qualquer coisa pela mente – veio mesmo atrás de mim e mandou um funcionário à paisana abrir-me o segundo portão. Finalmente vejo campas. Estava difícil. Entrei pela lateral, pelos vistos. Só depois de visitar o cemitério é que descobri a entrada principal, na avenida principal, e saí por ela. Ninguém me pediu documentos à saída, felizmente. E não havia mapa nenhum do cemitério, nem placas a indicar em inglês o nome das celebridades, pelo que nem o túmulo do Lao She eu encontrei, claro. Nem o dele, nem o de ninguém. Passei por eles todos, andei a deambular pelo meio das campas. Sentei-me a descansar (com todas as câmeras apontadas para mim, de certeza – mas que ovelha encaracolada é esta, a visitar um cemitério chinês?… O que quer ela?…) tentei obter informação na internet, mas nada. Entretanto passa um esquilo com uma coleira. Estou com alucinações, querem ver? Passou um esquilo com uma coleira ao pescoço?…