114 – Salva por Outro Grupo de Raparigas
Não fiz qualquer planeamento, nesta viagem, para chegar de metro ao hotel. O plano, conforme referi na crónica anterior, era apanhar o comboio “Airport Express” até Dongzhimen. Aqui apanharia um táxi até ao hotel. Mas ao ver as enormes filas de trânsito, da janela do comboio, decidi rapidamente mudar de planos. Vou apanhar o metro em Dongzhimen, e vou sair em Qianmen. Esta é a estação de metro do meu hotel. Tenho de apanhar a linha 2 em direção a Jishuitan, e cerca de 14 minutos depois estarei em Qianmen. A partir daí terei de desenrascar-me para chegar ao hotel, o qual não faço ideia onde é. Só sei que está a uns 700 ou 800 metros da estação de metro.
Fui tirando os bilhetes nas bilheteiras onde os funcionários atendem. Não usei as máquinas automáticas. Mostrei o papel com o nome da estação e foi rápido (primeiro Dongzhimen e depois Qianmen).
Saí na estação de Qianmen. Aqui estou eu, em Qianmen. Não faço ideia onde estou. Não faço ideia se o hotel é em frente, se é para trás, para a esquerda ou para a direita. Pelo menos vejo um museu, já não é mau de todo. Estarei no centro. O museu já está fechado, a esta hora. São 6 e meia da tarde. Claro que estou no centro – eu escolho sempre hotéis no centro.
Fiz uma pausa, pensei. Tirei uma foto ao museu.
Devia ter planeado isto melhor. Ter um mapa comigo indicando o caminho desde o metro até ao hotel. As pessoas sabem lá onde é a rua. Ainda por cima é uma ruela sem trânsito. Também escolhida propositadamente – uma rua estreita, típica, sem trânsito, calma, exatamente no centro. O pior é chegar lá, Rute.
Uns rapazes ocidentais, de rasta, agitados e alegres, abordaram-me. Foram simpáticos e perguntaram-me se eu queria ajuda. Não é preciso, estou bem, respondi-lhes.
Enfim, estou sozinha, numa cidade estranha, não é altura para aceitar ajuda de rapazes agitados e alegres. Queiram desculpar a descriminação, mas se nunca me aconteceu nada em todas as viagens que fiz sozinha, pelo mundo fora, um dos grandes motivos será com certeza os cuidados que tenho. Terei muito gosto em conhecê-los noutra altura e se calhar partilhar interesses comuns. Mas agora não. Não é oportuno. Os giros e alegres rapazes foram-se embora, portanto.
E esperei. E pensei.
Talvez apanhar um táxi para fazer os 800 metros. Mas qual é o táxi que quer fazer 800 metros? Ainda por cima – estou a descobrir – em Pequim não se atravessam as ruas. Em Pequim passa-se por baixo, em passagens subterrâneas, com escadas. O acesso às estradas está vedado com aquelas grades brancas que se vêem na foto. Eu com as bagagens não tenho vontade de andar a experimentar caminhos, a subir e descer escadas, à procura de táxis.
Em último caso regresso de metro a Dongzhimen e apanho aí um táxi. Mas isto seria humilhante, não quero. Então estou a 800 metros do hotel e vou voltar de metro para trás? Nem por sombras, Rute. Mexe-te, desenvencilha-te.
Terão passado talvez dez minutos. Eu ali parada, com a mochila e a mala grande, a pensar. No fundo estas situações dão-me uma pica desgraçada, a verdade seja dita. Tens de desenrascar-te, Rute, e não vais tomar o caminho mais fácil. Não vais voltar de metro a Dongzhimen, tem paciência.
Mal sabia eu que atrás de mim, a duzentos metros, está a Praça Tiananmen. Vou percorrê-la sei lá quantas vezes, para trás e para a frente, vou passar três mil vezes em frente a esta estação de metro de Qianmen – que é só a principal e mais central de Pequim – mas eu ainda não sei nada disso. Estou em pé, a pensar, com as bagagens ao pé de mim, a ver as pessoas a passar, apressadas, em plena hora de ponta, numa sexta-feira.
Recordo que o Google Maps não funciona – na China o Google está interdito. E eu nem me dignei a instalar outra app qualquer. Não estava mesmo à espera desta situação. Só mais tarde me lembrei que tenho o Waze, mas este só dá percursos para carros, e assim teria de dar uma volta enorme, de cerca de 2 km, e uma vez mais não me deixaria no hotel, pois este fica numa rua estreita apenas para pedestres – o chamado “Hutong”, precisamente uma rua estreita, típica da China, e mais propriamente de Pequim. Fiz questão de escolher um hotel típico, numa rua típica, exatamente no centro. Quero estar num Hutong. Então agora desenrasca-te, Rute.
Eis que aparecem estas quatro raparigas. Mostrei-lhes o papel com a morada do hotel e elas imediatamente prontificaram-se a ajudar-me. É a minha sina, ser salva por grupos de quatro raparigas. São estudantes universitárias de Hong Kong e falam um inglês perfeito. Ao meu lado, de t-shirt amarela, está a Jessica Lo, quem liderou as tropas e pôs tudo em andamento. A primeira opção foi chamar um táxi. Elas usaram uma app em chinês (provavelmente a que resultou da fusão entre a Uber e a Didi, vim a descobrir mais tarde), mas como era de esperar, os táxis recusaram. Nenhum taxista quer fazer 800 metros.
Segunda opção: ver no mapa, na internet, onde fica a rua do meu hotel. Elas têm uma app em chinês, para pedestres. Eu entretanto, já depois de regressar a Portugal, tratei de instalar uma também. E elas foram comigo, e ajudaram-me a levar as bagagens inclusivamente. A Jessica agarrou na mala grande (com rodinhas), contra minha vontade, pois não queria abusar da sua benevolência e paciência, e fomos por ali afora. Sempre em caminhos pedestres, no meio de grande multidão, até chegarmos ao meu hotel. Pelo caminho fomos conversando. Elas contaram-me que estiveram a fazer um estágio de um mês em Pequim, que umas estudam Business Management, e outras Information Management. Vão-se embora depois de amanhã, domingo. Explicaram-me que em Hong Kong falam cantonês, mas também aprendem mandarim e inglês. Eu respondi-lhes que elas estão capazes de arranjar emprego em qualquer parte do mundo, com essas três línguas. Elas riram-se.
E eis que começa a chover torrencialmente. Ao final da tarde é fatal. Apressámos o passo. Percorremos a principal rua turística de Pequim, tipo Rua Augusta em Lisboa (mas com o triplo do tamanho) (aliás, tudo em Pequim tem o triplo do tamanho) e entregaram-me sã e salva. O meu hotel fica numa transversal dessa Rua Augusta pequinense. E ainda esperaram que eu mostrasse os papéis e confirmasse que estava tudo ok. Reserva confirmada, quarto confirmado.
Obrigada, minhas amigas. Deixei-lhes o meu contacto e convidei-as também a visitarem-me, quando forem a Portugal.
Hoje trocamos de vez em quando umas mensagens através do WeChat, e claro que estão a receber estas crónicas.
Chove torrencialmente e cheguei ao restaurante de chapéu de chuva emprestado pelo hotel. Começa a saga das refeições, agora. Conforme contei na crónica 21, eu tenho comigo um papelinho que tem escrito em caracteres chineses “Não picante”, e “Noodles com vegetais e ovo”. Pelo menos comida não picante e estes noodles assegurei-me que vou ter. Também diz “Guiozas cozidas a vapor”, mas ganhei um enjoo às guiozas, que nem quero ouvir falar em tal. Quem diria. Vim para a China sedenta de guiozas, e parto da China enjoada com tantas guiozas.
Mas enfim, fiz uso do papel – que acabei por fotografar e mostrarei então a foto no telemóvel, é mais prático – e a senhora que me atendeu riu-se, e trouxe-me os noodles com vegetais e ovo, não picantes.
Esta senhora ao meu lado jantava com a filha. Deve ser a filha. Meteram-se comigo, sorriram-me. E a senhora perguntou-me qualquer coisa, mas eu não percebo, sorri também, encolhi os ombros.
Uma rua transversal ao meu hotel, onde fica o restaurante.
A rua pedonal, no centro turístico de Pequim. O hotel fica a cinquenta metros à esquerda. Optei por ficar aqui por uma questão de conforto. Há melhores hotéis, mais sofisticados, mas já estão mais longe daqui. Prefiro sempre estar no centro, em hotéis mais caseiros, pequenos, antigos e tradicionais. Fiquei satisfeita, no geral.