112 – E Então Provei o Mangostão

O mangostão merece uma crónica só para ele. Ou pelo menos o destaque no título. Porque efetivamente provei mais coisas, nomeadamente as deliciosas “Papas”, ou pizzas doces ou salgadas, na cidade de Xi Zhou, onde estive ontem. Nesta excursão de autocarro vou voltar a Xi Zhou, mas apenas por trinta minutos. Também vou voltar ao Parque Hi Sea. Foram visitas rápidas, com horário marcado. A minha salvação – repito – foi mesmo a companhia destas quatro raparigas, que me deram a conhecer tudo o que não provei ontem. Só por isso já valeu a pena repetir os locais. Foram mesmo elas que salvaram este dia de ser um desastre total, e ainda lhe deram grande importância. Elas compraram o mangostão e deram-mo a provar. Estranharam muito o meu receio em comer fruta descascada. Não percebem sequer. Perguntaram se tenho um problema na língua. Ri-me. O médico que me aconselhou, na Consulta do Viajante, é que devia estar aqui para explicar-lhes. O médico é que disse que eu não posso comer alimentos crus, ou fruta descascada. E mesmo que eu não acreditasse nele, tive a prova de que é verdade, após as constantes gastroenterites que tive em todas as viagens. Nesta à China não tive nenhuma, pela primeira vez. Pois claro… serviram-me de lição, as anteriores. Só me falta fazer a continência e marchar, em obediência ao médico. (Para os cuidados com a alimentação, ver crónica 8). Portanto expliquei-lhes que um organismo ocidental não está habituado aos microrganismos asiáticos (explicar isto em inglês já é um sarilho), e que consequentemente um europeu reage negativamente, com gastroenterites ou diarreia.

Aqui foi a maior seca de todas. Estivemos hora e meia à espera da Cerimónia do Chá, um espetáculo de música e dança onde são provados os três chás. Nessa hora e meia é suposto fazer compras. Mais precisamente artigos em prata. Pelo que nos despejaram num armazém cheio de artigos em prata, supostamente com preços muito baratos (mas não achei assim tão baratos). As quatro raparigas aborreceram-se nitidamente, e eu então ia morrendo. Fui-me embora, no meio de uma multidão enorme. Se eu me perco do meu grupo estou feita. Mas deixei uma hora e um ponto de encontro – à porta do armazém – antes de irmos assistir ao espetáculo do chá, ali ao lado. Também não consegui andar muito – cheguei ao porto, onde estão os barcos para os turistas – e voltei para trás. No meio de uma multidão de centenas e centenas de pessoas. Sentei-me num muro, no meio de outras tantas pessoas, e esperei. As quatro raparigas ficaram dentro do armazém.

A moeda antiga.

Entrada para a sala de espetáculo onde se fará a Cerimónia do Chá, com música e dança. Efetivamente esta crónica também merecia destacá-la no título.
Só a tradução do inglês é outro sarilho. “Three-Course Tea Performance”. Vou arriscar com a “Cerimónia do Chá e dos Três Pratos”. Trata-se de uma tradição Bai e constitui uma forma única de preparar e servir o chá com comida, a par de música e dança. A cerimónia do Chá e dos Três Pratos é uma forma de receber convidados com votos de felicidades. A primeira chávena é de “chá amargo”, a segunda é “chá doce”, a terceira é “chá refrescante”, o que implica a filosofia de “no sweet without sweat” na vida humana, ou adaptado em português: não há doce sem suor.
O primeiro chá é amargo, e indica que é preciso superar as dificuldades na vida antes do sucesso.
O segundo chá é doce, saboreia-se o sucesso após se vencer os obstáculos na vida.
O terceiro e último chá, refrescante, é indicado para refletir pacificamente sobre o passado, depois de se experimentar os altos e baixos da vida.

Em Dali, entre a população Bai, o Chá e os três Pratos constituem uma longa tradição cultural. Nas dinastias Tang (618-907 DC) e Song (960-1269 DC), o Chá e os Três Pratos tiveram um papel essencial na etiqueta da corte, onde os reis recebiam os representantes estrangeiros, e continuou até hoje, constituindo a mais alta forma de receção do povo Bai ao acolher VIP’s em casa, locais e estrangeiros.

Na dinastia Tang foi publicado um livro chamado “Os Sulistas” onde se descreve como eram cozinhadas pimenta, gengibre e lichias para preparar uma bebida. Este livro mostra que a minoria Bai, em Dali, fervia folhas de chá com outros ingredientes, em vez de deitar água a ferver em cima das folhas. Esta técnica foi adotada mais tarde na Dinastia Ming (1368-1644). Com a influência do Budismo na China, foram construídos templos e plantadas árvores de chá. Mais tarde o chá começou a ser servido com comida vegetariana nas refeições budistas e nas meditações. Gradualmente, os antigos templos escondidos nas longínquas montanhas tornaram-se lugares famosos pelo seu chá. O chá foi então largamente adotado pela aristocracia rural, e tornou-se popular entre a população em geral.

Com a sua longa história e significado cultural e simbólico, o Chá e os Três Pratos continuam a ser populares entre a minoria Bai, atualmente. Estes continuam a praticar a antiga tradição nas refeições festivas, banquetes de aniversários, casamentos e reuniões. Os convidados saboreiam o sabor original do amargo, doce e refrescante, apreciando a preparação do chá e a sua cerimónia, enquanto fazem uma reflexão sobre as suas vidas.

Neste espetáculo – seríamos algumas centenas de pessoas – sentámo-nos em bancos de madeira corridos. Serviram-nos três chávenas de chá: a primeira era límpida e cristalina, a segunda já tinha especiarias (canela, pelo que percebi, entre outras) e a terceira teria mel. Ao mesmo tempo foram dançando e cantando, sempre a darem explicações ao microfone, em chinês, do que estava a ser representado. Conversa essa que para um ocidental, que não percebe chinês, se torna muito maçadora. Mal conseguia ouvir a música, no meio do alto som do microfone. Mas compreendo que toda esta explicação que escrevi agora, seria com certeza o que estavam a explicar ao público chinês. O espetáculo durou uns vinte minutos.

Dados retirados de (e mais informação disponível em):
http://www.ocha-festival.jp/archive/english/conference/ICOS2001/files/PROC/I-078.pdf

Finalmente o passeio de barco. Foi o principal motivo da minha vinda nesta excursão. Mas foi muito pequeno, uns 40 minutos apenas. A Cerimónia do Chá também poderia ser muito interessante se não tivesse sido tudo em chinês. Durante 20 minutos não percebi patavina do que disseram ou fizeram, e este texto acima elaborei-o já depois de chegar a Portugal.

Foto já tirada na povoação de Xi Zhou. Não sei o nome deste fruto. Virei a prová-lo já no quarto do meu hotel, mas não tem nada de especial. Pelo menos o que eu provei.

As fabulosas “papas”, ou pizzas. Umas são doces, com rosas e feijão castanho, outras são salgadas, com carne picada. As raparigas compraram uma doce e deram-me uma fatia, para eu provar. Que delícia. Fui logo comprar uma inteira. Ofereci-lhes de volta, elas não quiseram, pelo que a comi toda. Estas “papas” são feitas no carvão.

Tal como descrevi na crónica 8, o fruto escuro, redondo, com folhas verdes, é o Mangostão. Nem queria acreditar quando o provei.  Hoje vejo na Wikipedia que o mangostão é considerado pelos habitantes desta zona como a fruta mais saborosa do mundo: “a rainha das frutas tropicais”, verdadeiro “manjar dos deuses”. Pois concordo plenamente. Depois de se provar um, tem de se comer mais uma dúzia deles e nunca mais se esquecerá.
Atrás, o fruto com picos, é o Rambustão, outra delícia. E finalmente, ao canto está o outro fruto que não faço ideia como se chama. Se alguém souber, que entre em contacto comigo e me diga.

O interior do Mangostão. Creio que foi a Zhu Bige quem comprou um pequeno saco de mangostões (é assim o plural… vejo no dicionário) e insistiu em dar-me a provar um. Abriu o fruto facilmente, com os dedos, sem tocar no interior, e deu-mo. Nem consigo descrever a delícia que este pequeno fruto redondo constitui. Pelo que quando cheguei a Dali, ao final da tarde, tratei de comprar também estes, para completar o meu jantar – que foi a pizza em Xi Zhou.

<< >>