078 – Quase no Topo… e a Política do Filho Único

Aproveito estas belíssimas e introspetivas paisagens para abordar um tema: o controlo da natalidade na China. Analisemos hoje esta questão.

Em outubro de 2015, o governo chinês anunciou uma mudança na sua política no sentido de permitir que todos os casais tenham até dois filhos. O envelhecimento rápido da população e as necessidades económicas assim o impuseram. Até esta data, e desde 1979, só era permitido terem um filho.
Efetivamente em 1979 o Governo chinês impôs o controlo da natalidade através da “política do filho único”. Existiam exceções, nomeadamente os grupos étnicos minoritários. Estes podiam ter dois filhos; e alguns podiam ter três por casal. Na altura em que a lei foi aplicada, em 1979, as minorias representavam  67 milhões de pessoas, apenas 6,7 por cento da população total do país. Todavia, a sua taxa de crescimento era muito maior do que a da maioria Han. A taxa de crescimento médio anual entre os censos de 1964 e 1982 foi de 2,9% para todas as minorias étnicas tomadas em conjunto e 2,0% para os Hans. Se esta taxa de crescimento continuasse, teoricamente, dentro de 100 anos as minorias poderiam atingir 900 milhões, quase o tamanho total da população nessa altura. De qualquer forma, as minorias, embora isentas da política de um único filho, eram encorajadas a praticar o planeamento familiar. Se elas se comprometessem a não ter mais de uma criança, solicitando o “certificado de uma só criança”, à semelhança dos Hans, elas também receberiam vários incentivos, conforme determinado pelas regulamentações locais.¹

Por causa destas exceções, bem como incluindo aqueles que simplesmente pagavam uma multa – ou “taxa de manutenção social” – para ter mais filhos, a taxa geral de fertilidade da China continental (o número de nascimentos por mulher) foi próxima de 1,4 crianças por mulher a partir de 2011.² (2,1 partos por mulher é o nível de reposição de fertilidade, representando uma população estável, excluindo a migração).

Citando algumas partes de um excelente artigo do jornal Público:
Durante 35 anos o regime chinês levou a cabo aquilo que especialistas como Mei Fong, autora do livro One Child, classificou como “a mais radical experiência social do mundo”. Para impedir e penalizar uma segunda gravidez, as autoridades recorriam a um rol de abusos, que incluíam multas pesadas, despedimentos, demolições de casas, abortos e esterilizações forçadas. O controlo populacional extremo era o preço a pagar para colocar o país mais populoso do mundo na rota do desenvolvimento, diziam os defensores do “filho único”.
Registaram-se fenómenos como o infanticídio, o aborto, o abandono de crianças, e a partir de 2010, a descoberta de 13 milhões de crianças não registadas. Sendo excluídas do registo familiar (ver crónica 63 sobre o Hukou), elas não existem legalmente e, como tal não têm acesso à maioria dos serviços públicos, como educação ou cuidados de saúde.
O Governo chinês garante, contudo, que os 35 anos desta política terão evitado 400 milhões de nascimentos e, desta forma, possibilitado o crescimento económico inédito da última década. No entanto, este cálculo é disputado por grande parte da comunidade científica.
São muitos os que viram algumas vantagens numa política tão extrema como esta. A limitação a apenas um filho foi vista como uma forma de retirar das mulheres a pressão para serem mães a tempo inteiro, dando-lhes oportunidade para entrar no mercado de trabalho. Antes da introdução da política, apenas 30% dos estudantes universitários eram do sexo feminino; para a geração nascida no início dos anos 1990, a paridade é quase perfeita, de acordo com Ye Liu, especialista da Universidade de Bath (Reino Unido).
Mais recentemente, a liderança chinesa começou a perceber que tem pela frente um novo problema demográfico, oposto ao que existia quando a política do filho único começou a ser aplicada. A população deverá continuar a crescer até 2030, ano em que será atingido o pico de 1,4 mil milhões de pessoas. Mas o grande problema é o envelhecimento populacional. Em 2050, é possível que por cada 100 pessoas em idade ativa haja 45 com mais de 65 anos, muito próximo dos valores atuais do Japão, por exemplo.
A partir de 1 Janeiro de 2016 deu-se então a alteração: a “política do filho único” foi substituída pela “política de dois filhos”, que as autoridades dizem garantir uma recuperação dos níveis de natalidade, sem arriscar um “descontrolo”.
O controlo da natalidade mantém-se, portanto.
De qualquer forma, com a mudança de vida e de mentalidades, 75% das famílias já se mostra indisponível para ter dois filhos.³

Atualmente a taxa de fertilidade total da China é de 1,6, superior ao declínio lento de Portugal com 1,53, de Espanha 1,50, ou da Alemanha 1,45, mas é inferior à taxa dos EUA com 1,87 (recordemos que 2,1 partos por mulher é o nível de reposição de fertilidade, representando uma população estável, excluindo a migração).⁴

De acordo com Yu Jia, um professor assistente na Academia Chinesa de Ciências Sociais, uma solução para o problema do envelhecimento e crescimento da China será fornecer mais benefícios de cuidados infantis para aqueles que ainda se casam, como subsídios de nascimento, ou a construção de creches mais acessíveis. Mas mesmo assim, a China acabará por seguir o Japão e a Coreia do Sul em não quererem mais filhos.⁵

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Numa próxima crónica falarei de outro fenómeno provocado pela “política do filho único”: a preferência por filhos do sexo masculino, e as consequências sociais que isso está ter nos dias de hoje.

Um túmulo. Ali no meio do nada, tão alto.


¹Park, Chai Bin e Han, Jing-Qing (1990, May – Jun),  “A Minority Group and China’s One-Child Policy: The Case of the Koreans”. Studies in Family Planning, Vol. 21, No. 3 pp. 161-170 [versão online]. Published by: Population Council, DOI: 10.2307/1966715. Página consultada a 25 janeiro 2018,
<http://www.jstor.org/stable/1966715>

² “One-child policy” (s.d.). Wikipedia. Página consultada a 25 janeiro 2018,
<https://en.wikipedia.org/wiki/One-child_policy>

³ Ribeiro, João Ruela (2017, 30 Janeiro). “Depois de três décadas a impedir nascimentos, a China precisa de bebés”. Jornal Público. Página consultada a 25 janeiro 2018,
<https://www.publico.pt/2017/01/30/mundo/noticia/depois-de-tres-decadas-a-impedir-nascimentos-a-china-precisa-de-bebes-1760068>

⁴ “The World Fact Book” [ca 2017]. Central Intelligence Agency. Página consultada a 25 janeiro 2018,
<https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2127rank.html>

⁵ Wang, Yu (2017, 17 Outubro). “No One In China Wants To Get Married Anymore, And It’s Making Beijing Nervous”. Forbes. Página consultada a 25 janeiro 2018,
<https://www.forbes.com/sites/ywang/2017/10/17/no-one-in-china-wants-to-get-married-anymore-and-its-making-beijing-nervous/#481ce01caa0b>

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