075 – É Nisto que dão as Tardes Livres

Às 16.15h estava de volta à Casa de Hóspedes, sem água. Fui reabastecer. Sentei-me no pátio, a descansar um pouco, e a pensar no que poderia fazer. Vi a minha roupa a secar – esta manhã voltei a mandar lavar algumas t-shirts, e novamente a minha sweatshirt, a única camisola de manga comprida que trouxe, desconhecendo que iria apanhar frio nesta viagem, e que portanto tem tido um uso intensivo de manhã e à noite, quando faz mais fresco. É um serviço prestado pela Casa de Hóspedes, e é acessível: cada t-shirt é 6 Yuans (ao câmbio que estou a usar é 0,85 cêntimos, e a sweatshirt é 8 Yuans (1,15€).

Adormeci. Ainda dormitei uma meia hora aqui sentada, com esta montanha soberba à minha frente. E depois estive entretida a ver as fotos na câmera. Passaram-se umas duas horas até que a dona da Casa de Hóspedes – a Lili (que andava por ali e se vê ao fundo, sentada, na primeira foto desta crónica) me disse que sabe qual é o caminho para o topo da montanha. Não posso crer. Ela sabe o caminho e eu aqui a perder tempo. Começa aqui mesmo, ao lado da Casa de Hóspedes: há um pequeno canal de água que cai a toda a velocidade, ao lado da casa, e existem umas escadas de pedra muito íngremes. Começa aqui. Posso seguir o caminho e hei de ir ter ao topo de uma montanha, seja ela qual for.
Terceiro take, portanto. Aqui vou eu. Porém já é tarde, seis e meia, já não consigo ir e voltar, mas pelo menos vou fazer uma parte. O canto dos pássaros acompanha-me. São imensos, numa grande chilreada. Um dos que mais vi parece uma andorinha, branca e preta, mas não é – é outro pássaro que não sei identificar, e vi-o bastantes vezes ao logo desta viagem.

Ora aqui estou eu de volta. Mal qual caminho, qual quê. Chega a um ponto que só mesmo quem conhece, quem mora ali, é que sabe. O caminho desaparece e eu tenho de seguir a inventar. Vai anoitecer em breve, pelo que voltei para trás. E agora descobrir o caminho de volta. Perdi-me. Já inventei uma boa parte, já nem me lembro por onde subi. Bom, vou descer, a algum lado hei de chegar, a alguma casa hei de ir parar e logo me dizem o caminho certo. Estas coisas parecem fáceis, mas não são. Só mesmo os locais é que conhecem bem as montanhas. Sabem as direções e os caminhos. Eu estou no meio de vegetação e árvores, tanto posso ir uns metros à esquerda, como uns metros à direita – mas esses metros podem ser fulcrais para o sucesso da caminhada.
E de facto cheguei à Casa de Hóspedes. Ou pelo menos vejo-a ali a vinte metros de mim. Mas existe um fosso entre mim e a Casa de Hóspedes que não dá para saltar, é muito grande. Fiquei nas traseiras, no meio do mato, portanto. Sem caminho. Se alguém estivesse nos quartos e olhasse lá para fora, via-me. Eu camuflada no meio da vegetação, às vezes maior do que eu. Só se me vêem os olhos. Ainda as pessoas pensam que estou ali a espiar os quartos, ora bolas.
Não consigo sair daqui. Tenho de trepar uma parede de terra, o que é arriscado, ainda me magoo e rasgo os calções; e pelo meio da vegetação cerrada já não dá, só com uma catana.

Não tive alternativa senão telefonar à guia. Alguém tem de vir puxar-me deste buraco onde estou. Não consigo sair daqui. Tenho a Casa de Hóspedes à minha frente, a vinte metros, isto é absurdo.
Claro que eles apanharam um susto. (Mas onde é que ela está? Como é que a gente a encontra no meio da vegetação?) Eu expliquei que a dona da Casa de Hóspedes sabe onde eu estou – vão falar com ela, ela indicou-me o caminho ao lado da Casa, eu estou aí a uns dez metros desse caminho, se vierem espreitar, vêem-me.
E lá veio a comitiva – a Lili (a dona da Casa de Hóspedes), o motorista Nong Bu e a guia, todos à minha procura. Vi-os, gritei-lhes e fiz-lhes adeus: “Olá, estou aqui!”. A guia soltou uma gargalhada e deixou-os virem buscar-me. Tirou esta foto. O Nong Bu e a Lili chegaram ao ponto onde eu estava encurralada, e ambos agarraram-me num braço – cada qual no seu – e içaram-me.

Claro que quis repetir a proeza da carne grelhada. Se calhar nunca mais vou ter carne grelhada no resto da viagem, tenho de aproveitar aqui. Desta vez foram bifes de frango (grelhados novamente numa frigideira, sem nada mais do que sal) e o maravilhoso puré de batata feio no momento.

E depois de jantar temos um serão musical. Eu ainda nem troquei de roupa, nem tomei banho, nem nada. Mas aquela malta está cheia de pica e quer festa. A rapariga é a principal impulsionadora. Certo, meus amigos, temos música, dança e festa. Por esta altura eu já estou é preocupada com o anti-mosquitos. Pus de manhã, são quase dez da noite e ainda não renovei. Relembro que cinquenta por cento dos casos de malária na China têm origem aqui em Yunnan, precisamente. Mas este anti-mosquitos que trouxe de Portugal é uma coisa fenomenal. Tem 50% de deet e não há mosquito que se aproxime de mim. Nem mesmo doze horas depois. Pelo que arrisquei. Vamos p’rá festa.
E o melhor de tudo foi dançar o “Despacito”. Aqui estou eu no meio da China, no meios das montanhas, a dançar o grande sucesso internacional  da música latino-americana. Na sala onde estamos existe um placard eletrónico da minha altura, interativo (vê-se nesta foto), e pelos vistos com músicas armazenadas. Ela foi selecionando uma porção de hits musicais, incluindo este “Despacito”. Depois voltámos à música tradicional chinesa, com o Nong Bu a tocar o seu Huqin, com música bem animada, e nós as duas a tentarmos alinhar com a sua coreografia dos passos. Nada fácil!

Este grande dia – com um espantoso e temerário trekking pela Garganta do Salto do Tigre – termina assim, a celebrar. E também porque já agendei com uma local, uma pessoa que mora ali, levar-me amanhã de manhã ao topo das montanhas. Foi a Lili, a dona da Casa de Hóspedes, sabendo deste meu desejo, quem entrou em contacto com algumas pessoas da vila, questionando-as sobre quem estaria disponível para guiar-me até lá acima.
Despedi-me deles, fui finalmente tomar um duche e caí como chumbo na cama.

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