021 – E Assim Termina Mais um Dia
Neste primeiro dia de bicicleta fiz 39 km altamente satisfatórios. E a guia apercebeu-se que teria de ajustar o programa inicialmente previsto dado que eu paro muitas vezes. Eu já lhe tinha dito que não tencionava fazer mais do que 80 ou 90 km por dia. Efetivamente, durante esta viagem o maior percurso de bicicleta que fiz num só dia foi de 109 km, em que 20 foram a subir, o resto foi a direito ou a descer. Eu não venho para fazer corridas. Eu venho para conhecer as terras e as pessoas, parar, tirar fotos, cumprimentar. E não gosto de subir montanhas a pedalar, prefiro descê-las. Ela não tinha acreditado em mim, pelos vistos, quando lhe disse isto por email, ainda em Portugal. Portanto, toca a reajustar o programa. Amanhã tínhamos um lago para fazer em dois dias, 205 km maioritariamente de subidas pelas montanhas. Até me ri. A ideia é tão absurda que me faz rir. Se eu estivesse na Áustria, com dezenas e dezenas de quilómetros a direito sem ver vivalma, tudo bem. Agora aqui, em Yunnan? Com todas estas diversões pelo caminho? Três mil paragens para tirar fotos? A subir?… Nem pensar. Portanto, o programa dos dois dias seguintes foi alterado. Já não vou fazer 205 km a subir montanhas até ao Lago Luguhu. Vou ter um programa fenomenal, a direito, noutro lago mais perto, lindíssimo, e cheio de casas e gente com quem me meter.
Não há como viajar sozinha, com toda esta liberdade de escolha. Nem os hotéis estavam marcados. A guia ia marcando dia após dia, através da internet, consoante avançávamos e eu escolhia o caminho. Pelo menos duas vezes chegámos sem hotéis marcados sequer. Ela ia perguntando se havia lugar para nós. Três quartos. Havia sempre. Uma vez não houve, de facto, mas andámos 50 metros e ficámos no hotel seguinte, onde já havia. Seria um pouco complicado andar por aqui sem um guia, considero. Coisas tão simples como hotéis ou restaurantes – não está nada em inglês. Quantas vezes passei por uma casa, que afinal era um restaurante. Nunca eu imaginaria. Era a guia e o motorista que sabiam – e tinham as letras em chinês para identificá-los, mas às vezes nem isso. E ninguém fala inglês, nos restaurantes e nos hotéis. Percebendo isto, comecei a preparar-me para Pequim, onde irei estar sozinha, já sem guia nem motorista. Em Pequim supostamente será diferente, já devem existir mais coisas em inglês, já devem estar mais habituados a turistas ocidentais. Mas não tanto. Os menus continuaram a estar em chinês, e nos restaurantes ninguém fala inglês. Levei um papel onde tinha escrito em caracteres chineses “Não picante”, “Guiozas cozidas a vapor” e “Noodles com vegetais e ovo”. Pelo menos comida não picante e estes dois pratos assegurei-me que iria ter. Mostrava o papel – que acabei por fotografar e mostrava então a foto no telemóvel, era mais prático – e nos restaurantes riam-se com a engenhosidade da ideia.
Mais uma deliciosa refeição. Desta vez, à direita: ovo com fiambre e pimentos cozinhado a vapor; batatas fritas feitas em forma de tarte (é verdade, batatas fritas) que já estavam quase no fim porque o peixe demorou tanto que tivemos de ir comendo o resto; arroz, claro; e mais uns legumes à esquerda, carregados de malaguetas, que não lhe toquei. Foi o motorista Jai Song e a guia quem os comeram. A comida em Yunnan é extremamente picante. É um sarilho obter comida não picante. Quanto ao peixe, não faço ideia que peixe é aquele, mas é do rio dado que estamos bem longe do mar. Tudo maravilhoso.
Chegámos já tarde à Casa de Hóspedes onde vou ficar duas noites. É uma casa tradicional chinesa, com um pátio central, e amanhã de manhã vou tirar-lhe algumas fotografias. O meu quarto dá para esse pátio central, e como fechadura tenho aqueles dois ramos de árvores, os quais se espetam em baixo, em dois buracos na madeira.