015 – O Primeiro Dia de Bicicleta

Até que enfim, já estou a ressacar com a falta da bicicleta. Os dois primeiros dias em Lijiang foram feitos a pé, e hoje, o terceiro dia, finalmente vou pegar na bicicleta. No primeiro dia fiz 10 km a pé, ontem também fiz outros 10. E hoje vou fazer 39 km de bicicleta. Mais: choveu torrencialmente durante toda a noite, e hoje de manhã pela primeira vez nestes três dias não chove. Até parece mentira. No meu primeiro dia de bicicleta parou de chover. Obrigada! (Vêem aquela imagem da Amália de braços abertos, no ar, a agradecer? Assim sou eu: “Obrigada!… Obrigada!…”) Não caibo em mim de contentamento, agarrada à bicicleta.

Com o carro vou seguir dois esquemas: ou vai atrás de mim – dá-me 15 ou 20 minutos de avanço e depois é que arranca, ou então vai à frente e espera até que eu apareça. No caso de haver cruzamentos ou bifurcações, o carro espera por mim nesse local, para então indicar-me o caminho certo. Funcionou sempre bem, com exceção de uma vez em que nos perdemos, ainda hoje não percebi como. Mas nessas circunstâncias eu passo o telemóvel a algum local (recordo que eu comprei um cartão chinês logo no primeiro dia), o qual fala com o motorista ou com a guia, e acabam por encontrar-me. Fiz isto umas cinco ou seis vezes – as restantes vezes por opção minha, dado que quis seguir outros caminhos que não os do carro. Nunca tive qualquer receio e efetivamente era uma situação que me divertia imenso: estar perdida na China, sem mapas nem GPS, apenas com uma bicicleta nas mãos. E um telemóvel, claro. Em primeiro lugar as pessoas ficavam muito espantadas a olhar para mim e para o telemóvel que eu lhes estendia. Depois pensavam que era para ver alguma coisa no telemóvel – alguma foto, alguma coisa escrita – e punham-se a olhar para o telemóvel, aproximando-se dele. Eu tinha de dar-lhes a entender que era para encostarem-no ao ouvido e falarem. Reparem: ninguém fala inglês. Mas sempre me fiz entender através de gestos ou expressões. Estão a ver aquelas cenas dos apanhados, em que as pessoas ficam muito espantadas, mas vão fazendo as coisas? Assim era. Vocês têm de pôr-se no lugar destas pessoas, para compreenderem a situação insólita que deveria ser para elas. Primeiro vêem chegar uma ovelha ambulante, encaracolada, numa bicicleta. Essa é a primeira fase do espanto. Tenho de dar-lhes uns segundos para se habituarem à ideia. E depois essa ovelha passa-vos o telemóvel. (Que é isto? Ela quer que eu veja o telemóvel dela?) Então com muito espanto encostavam o ouvido ao meu telemóvel e esperavam para ver o que saía dali. O motorista ou a guia lá falavam com essas pessoas, em chinês, e via-se logo a sua mudança de atitude. Percebiam o que se passava e tentavam de imediato ajudar, indicando a direção certa. A guia falava depois comigo ao telemóvel, traduzindo-me o que as pessoas tinham acabado de dizer. Era um esquema bastante bom, diga-se, e resultou sempre. Podem perguntar-me: e porque não ativavas um GPS no telemóvel? Porque estou no meio do campo e fugi às estradas por onde o carro vai. Para ativar o GPS, mais vale seguir o carro. Não é isso que eu quero. Além do mais calculo que não conseguiria ativar GPS nenhum no meio dos campos, diga-se de passagem. Nem com a meteorologia o telemóvel atina. Insiste em dizer-me que estou noutras terras com uma temperatura qualquer insólita. Raramente funcionaram, estas questões de localização, no meu smartphone, na China. Até um simples conta-quilómetros, o qual tentei instalar a app: depois de um dia inteiro a pedalar entre duas povoações, dizia que eu tinha feito dois quilómetros. Perdia a rede, era muito incerto. Além de outras questões como a língua. Estou numa terrinha qualquer. Com sorte vejo o nome em chinês em algum lado e poderia tentar localizar-me. Como é que eu escrevo esse nome em chinês no telemóvel?
Deixei de prestar-lhe atenção, portanto; servia para falar e pronto.

A senhora que vai ao hotel preparar o pequeno almoço desta vez já sabe que eu quero algo mais saudável. Hoje tenho arroz cozido – sem sal, apenas cozido em água sem qualquer tempero (ela deu-me sal para temperar a gosto). Não ficou lá grande pitéu, mas pronto, ao menos é saudável e vim a descobrir que é algo muito comum na região, ao pequeno almoço. Como se pode ver nas fotos seguintes, o casal que comeu sentado à minha frente (não faço ideia quem são, se trabalham ali ou se são visitas – mas tudo o que se mexe eu fotografo, pelo que eles foram fotografados também) esse casal também comeu o mesmo que eu. E eles comeram também os legumes muito picantes que o rapaz me deu no primeiro dia. Pude observar também como comem os ovos: os estrelados comem com pauzinhos, o ovo cozido comem à mão. Na minha ignorância, e na minha tentativa de fazer tudo como eles fazem, comi o meu ovo cozido com pauzinhos. Descasquei-o à mão, claro, e depois vá de agarrar no ovo com os pauzinhos. Efetivamente reparei que eles me observavam. Mas enfim, eles observam-me sempre, curiosos, faça eu o que fizer. Depois é que percebi que o ovo cozido é comido à mão. Observei-os posteriormente. Mas tenho a dizer que saí vitoriosa da operação, pois comi o meu com pauzinhos. Partiu-se, caiu no prato, e eu fui apanhando os bocadinhos e comendo.

Belo pequeno almoço, este. Ficamos logo almoçados. Mas dali só comi um ovinho cozido. Vêm as malaguetas cortadas em pedaços, lá dentro, não vêm?… Eu transformar-me-ia num dragão a deitar labaredas, se comesse aquilo. A comida em Yunnan é extremamente picante.

Cheguei à terceira vila antiga de Lijiang: Baisha. Aqui fui ver os famosos Frescos do Mural de Lijiang, os quais são conservados no complexo arquitetónico do Liuli Hall e do Dabaoji Palace. Ambos foram construídos durante a Dinastia Ming: o Liuli Hall em 1417, e o Dabaoji Palace em 1582. Por seu turno, os frescos foram sendo pintados ao longo de 300 anos, a partir da Dinastia Ming, e incluíam mais de 200 peças, formando o Mural de Lijiang. Hoje sobram 55 peças em boas condições. O Mural é uma representação artística desse período de rápido desenvolvimento económico, aculturação mútua de várias culturas, e crescimento de várias religiões. Reflete essa cooperação, comunicação e progresso. Os autores destas pinturas vinham de diferentes nações, e incluíam os da religião Naxi Dongba, Taoístas, Tibetanos, Han e outros tantos desconhecidos do público. Mostram Budas e também a vida do dia a dia, como burocratas, criminosos, turistas e carrascos. Mostram gente a pescar, a andar a cavalo, a tecer, a dançar, a fundir o ferro. São portanto um importante recurso para estudo do povo Naxi.
Para terem uma noção do que são os “Baisha Frescoes” basta fazer pesquisa na internet com estas duas palavras, e aparecerão logo uma série de imagens.

Este retângulo cinzento à frente é o meu bilhete para entrar no complexo arquitetónico. Infelizmente ficou com um brilho ofuscante, mas eu não quis perder esta foto. Então foi o melhor que consegui fazer, apagar o bilhete. (Que me perdoem os profissionais da fotografia, mas esta não é de todo a minha especialidade).

A escrita do povo Naxi.

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