20 – 11º dia, Passeio matinal de bicicleta
Hoje é 5ª feira, 20 de julho de 2023. Às 19h inaugura a exposição, e eu tenho de estar lá às 17h, para pendurar as pinturas e verificar que está tudo bem.
Esta bicicleta calhou bem nos últimos dias. As pinturas, por esta altura, já têm que estar todas feitas e preparadas para a exposição. Eu não podia estar ainda a pintar. Seria preciso que secassem, sobretudo estando eu pintar a óleo, e além do mais eu tinha que deixar tudo pronto ontem, na galeria, com o Dani.
Mais dias eu tivesse nesta residência, mais pinturas eu teria feito, desta vez relacionadas com os passeios de bicicleta, provavelmente. Ou talvez com melgas. Nenhuma das minhas 8 pinturas, patentes nesta exposição, estão relacionadas com os passeios de bicicleta, porque nessa altura, enquanto as pintava, eu ainda não andava de bicicleta. Tive apenas um passeio de duas horas pelo centro de Lom, na crónica 9. Eu via o Danúbio, gatos e melancias, dia após dia, e foi isso que pintei. Normalmente não pinto pessoas. Porventura pinto as situações em que estas estão envolvidas, nomeadamente a comer melancia. Que eu me lembre, ao longo destes anos, pintei pessoas duas vezes, em duas pinturas. E curiosamente estão as duas no meu website, e têm animais também. São os meus autorretratos, pintados ainda pelos vinte anos de idade. Ainda teria alguma ilusão sobre mim e sobre a humanidade em geral. Estamos numa fase incipiente do desenvolvimento humano, não me apetece pintar pessoas. Temos de imaginar como seremos daqui a dez milhões de anos. Os primeiros sinais de “ser humano” – de “homo sapiens” – surgiram há dois milhões de anos apenas. Os dinossauros existiram há duzentos milhões de anos. Como será a humanidade daqui a duzentos milhões de anos? De certeza que ainda existiremos, eu diria que é impossível extinguir o ser humano. Sobrevive em todo o lado, até na lua, se for preciso. De momento ainda somos criaturas básicas, comilonas, agressivas, possessivas, com ódios e guerras, com crenças loucas em religiões loucas, à procura de um sentido para isto tudo. Hoje olhamos para os homens das cavernas, há quarenta mil anos atrás, e dizemos: “tão inteligentes, a pintarem em cavernas escuras e com falta de oxigénio, e desenhos tão bonitos, tão perfeitos…”. Daqui a dez milhões de anos dirão o mesmo de nós. De mim. “Tão inteligente, a pintar melancias…”
Choveu torrencialmente esta noite. Eu durmo com a janela aberta – com rede, pelo que acordei com o dilúvio, os relâmpagos e as trovoadas.
Hoje sigo uma sugestão da Rya: um cemitério arménio muito antigo, e difícil de encontrar. A Rya diz-me que eu poderei passar ao lado dele, sem o ver. Ela não sabe ao certo onde ele está, só sabe que é nesta zona. O Boyan confirma-me, tem ideia que sim, mas também não sabe ao certo. Bom, vou passear, logo se verá.
Este percurso é o indicado pela aplicação Maps.me para bicicletas. O percurso para peões é diferente (na imagem abaixo), e como não me apetece andar por estradas, escolhi o de peões.
Esta senhora explicou-me tudo, mas eu não percebi nada porque ela falou em búlgaro. Fez-me uma descrição gestual também, que entendi como tendo vindo um rio de água por aqui abaixo, desde lá de cima. Parece que trouxe este lixo. Mas esta foi a minha interpretação dos seus gestos. Na volta ela quis dizer-me algo muito diferente.
Centenas de amoras maduras caídas no chão. Sei por experiência própria que apanhar amoras nas árvores me deixa toda suja, e são nódoas muito difíceis de tirar, da roupa, pelo que nem me aventurei desta vez. A barrigada de amoras terá que ficar para outra altura.
Vendo-me parada em frente à sua casa, este homem gentilmente veio cumprimentar-me. Só fala búlgaro. Descansei uns 4 ou 5 minutos, fiz-lhe sinal de que ia continuar a subir, na bicicleta, despedi-me com um aceno e prossegui caminho.
Só em Lom é que as motas de água dormem na rua. Se calhar não será por muito mais tempo.
Perdi-me, já não percebo por onde é que o GPS está a enviar-me. Aponta-me para um beco sem saída. Voltei para trás. Perguntei a um homem que passou, um mecânico, onde fica o cemitério arménio. Escrevi no Google Translator. Ele fez então vinte metros a pé, comigo a caminhar ao seu lado, com a bicicleta pela mão, e apontou-me este portão. Passei ao lado dele e nem o vi.
São agora 8h38.
Disseram-me a Rya e o Boyan que afinal este é um cemitério turco. Não é o cemitério arménio, muito mais antigo.
Estas sepulturas turcas têm uma placa na cabeça, e outra nos pés.
Quase 98% da população da Turquia é muçulmana, vejo na internet. A Turquia faz fronteira com a Bulgária, é normal que existam muitos turcos a viver na Bulgária, e vice-versa.
Parecem-me muito acorrentados. Nem na morte libertam as pessoas.
Este rapaz morreu com 31 anos, cedo demais.
Repare-se que há sempre uma placa na cabeça, e outra nos pés.
Prossigo viagem. Agora vou conhecer o cemitério principal de Lom. E afinal o beco sem saída – tem esta saída. Perguntei a outro homem, outro mecânico (a oficina era ali mesmo e os dois estavam a trabalhar), se este caminho era fazível de bicicleta. Perguntei no Google Translator. O primeiro mecânico, que me apontou o cemitério turco, soltou uma exclamação de espanto, já intrigado por eu agora querer ir para outro cemitério. Eu mostrei no mapa, no telemóvel, o percurso que a aplicação Maps.me estava a mandar-me fazer. Ele disse-me que era muito longe. Imagine-se, 1,8 km de distância. Mal sabe ele que eu faço centenas de quilómetros na bicicleta.
O percurso é igual, seja para peões ou para bicicletas. Eu encontro-me onde está a seta cinzenta (falava com os mecânicos, por esta altura), e dirijo-me para onde está a bandeira axadrezada. Ali é o cemitério central de Lom, ensinou-me ontem o Boyan. São agora 9h26. Ainda descansei 50 minutos no cemitério turco.