13 – 8º dia, um sobressalto
São 6h03. Este eu ainda não conhecia e está muito bem instalado na cozinha.
Cá está o marido da dona do hotel. Se calhar também é o dono. Somos três às 6 da manhã: eu, o pescador e o dono do hotel. A Maya, que trabalha aqui e mostrei-a na crónica 11, de vez em quando também aparece cá em cima. Creio que ela anda mais pelo andar de baixo, que também tem uma esplanada.
As pinturas da Mariana, que entretanto se juntou à residência. Já tenho companhia nas pinturas, portanto. Estão ali escondidas, no banco, por causa do sol do final da tarde.
O pescador deixou um saco à beira rio e foi-se embora. Hoje tem outros afazeres, está visto.
Os materiais da Mariana.
Praticamente todas as manhãs eu apanhava o lixo espalhado pelo chão – os gatos iam ao caixote do lixo, na cozinha, e espalhavam-no pelo corredor do quintal. Este fiambre estava no chão, dentro da embalagem. Bom, eu não vou pôr o fiambre com lambidelas de gato dentro do frigorífico. Onde estaria ele, para agora estar no chão? Terá ficado esquecido em cima da mesa? Ou foi mesmo para o lixo? Completei a tarefa: tirei-o da embalagem e deixei o gato comê-lo.
Ainda estão verdes. Provei uma maçã.
A Nia, concentrada no seu trabalho.
RUNA, “Derrame tóxico no rio Danúbio”, 2023. Acrílico e óleo sobre papel, 49 x 30 cm (19,3 x 11,8 polegadas)
Já houve dois derrames tóxicos, muito graves, no Danúbio: um em 2000, de cianeto, na Roménia; e outro em 2010, na Hungria, uma “lama vermelha”, com metais pesados. Ambos com consequências catastróficas, basta pesquisar na internet.
O traço entre as duas manchas pretas é azul. Na foto anterior creio que dá para perceber. Ainda vivemos nisto, máquinas fotográficas que não apanham as cores corretas. Talvez daqui a um milhão de anos isto esteja resolvido. Em alguns anos evoluíram de preto e branco para cores, num milhão de anos a captação correta das cores há de estar resolvida também. Há um determinado azul que nenhuma câmera fotográfica consegue apanhar. Transforma a cor noutro azul. Eu uso-o nas minhas pinturas, e não há uma única foto que seja correta – tiradas com várias câmeras, e sob diferentes condições (interior, exterior, com luzes, sem luzes, sol, nublado… Assim vivemos, nesta era incipiente do desenvolvimento).
As salsichas vegetarianas que trouxe de Portugal, enlatadas. Uma porcaria, não gostei nada. Nem o gato as quis. São melhores as dos frascos de vidro. Mais o frango que sobrou de ontem. E desta vez comprei a banana, já não há bananas no frigorífico comum.
Isto sim, do frigorífico comum.
Os barcos hasteiam as bandeiras dos respetivos países. Esta é da Roménia. E é da empresa Rute Norte. (Pronto, ficaram a saber que eu tenho uma dúzia de barcos na Roménia).
Este é o tornado! É o que empurra as plataformas de carga, ou sei lá como se chamam os barcos. É pequenino mas pujante!!
E agora começa a festa. Eu passei o dia todo naquele terraço, lá em cima, a pintar (e almocei ali também). São 4 e meia da tarde e eu dou por encerrado o dia de trabalho; é hora de ir à praia. E passei o dia todo a ouvir um gato bebé aos gritos dentro desta casa aparentemente abandonada. Para cúmulo, deve ser a gata mãe que está à porta, pelos vistos não consegue resgatá-lo (na foto abaixo). Os gatos bebés andavam no telhado, algum deve ter caído lá para dentro.
E agora?
Às 4 e meia da tarde fui perguntar à Maya, que trabalha aqui no hotel, como é que posso lá entrar. Foi a filha quem falou comigo, de 21 anos, e disse-me, em inglês, que ali não mora ninguém, que a casa está abandonada; o dono morreu e é o irmão que cá vem de vez em quando, e que mora longe.
Bom, e agora? Temos que tirar o gato dali, não vamos deixá-lo morrer.
Enviei uma mensagem para o grupo no Whatsapp da residência artística. “Temos que arrombar a merda do portão?… Não me vou embora de Lom sem tirar o gato dali”.
Fui um pouco malcriada, não fui? Mas depois de dez horas a ouvir o bicho a gritar, e perceber a indiferença de todos os que passavam, e agora a suposta impossibilidade de entrar numa casa abandonada, comecei a ficar irritada.
Vou aguardar pela resposta, vamos ver o que decidimos todos. Vou à praia entretanto.
Recordo que aquele lindíssimo muro foi construído com fundos de coesão da União Europeia, conforme mostrei na crónica 4, para evitar o deslizamento de terras. Está aqui um belo trabalho. Eu já não estou bem disposta, ainda me metem muros soviéticos à frente…
Nem estive uma hora na praia. Eram 17h45 quando decidi regressar ao hotel. Começou a invadir-me um mal estar crescente. Está um animal aos gritos, há mais de dez horas, aflito. Estão 40°C / 104°F de temperatura. E aqui estou eu, estendida na praia, como toda a gente, como se nada estivesse a acontecer. O animal vai morrer desidratado ali dentro, aos gritos, mas eu tenho que estar na praia.
Respirei fundo. Mexe-te, Rute.