Dia 30 – De bicicleta até Hovuni
Hoje é terça-feira, 30 de julho de 2024.
Amanhã é o meu último dia nesta residência artística e na Arménia. Já não posso pintar porque as tintas não secarão a tempo – as pinturas irão comigo na bagagem. E não quero ficar novamente fechada no estúdio, sem ter nada para fazer; ontem só me restou olhar para a rua, enquanto esperava pelos visitantes da exposição, que só chegaram da parte da tarde. Não. Hoje isso não se irá repetir. Não sei se alguma vez voltarei a estar na Arménia, cada dia tem de ser aproveitado ao máximo. Cada dia da Arménia, e cada dia da minha vida, esteja em que país estiver. Hoje vou dar um passeio de bicicleta até à hora de almoço. O meu destino hoje é: Hovuni. É uma povoação que está no mapa, a dez quilómetros daqui. Vou conhecer Hovuni.
Vamos todos até Hovuni, meus amigos.
Naturalmente que Hovuni não consta neste mapa, é pequenina demais – fui eu que acrescentei.
São 6h18.
Dormi umas 7h30, acordei com o despertador às seis.
Hoje não tenho tempo a perder: tenho que estar de volta ao estúdio à hora de almoço, porque ainda virão visitas à minha exposição, e como tal, é o taxista Bagrad que me põe já em Hovuni: são dez quilómetros sempre a subir, cerca de 180 metros de desnível. No regresso virei a descer, será rápido.
São agora 7h30.
São 7h48, a viagem durou 12 minutos e custou 1300 drams (3,10€).
Aqui é a província de Shirak, e do lado direito tem o nome da povoação em três alfabetos: arménio, russo e ocidental.
O meu objetivo imediato é visitar o cemitério. Esta pequena povoação tem um cemitério só para si. Mush 2, por exemplo, não tem.
Também calhava bem subir aquele pico que se vê ali à direita. Será que dá para ir ali acima, ao biquinho?
Como me são familiares, estas incógnitas. Iniciei o caminho em direção às montanhas. Não faço ideia onde chegarei; vou sondar, para já. A bicicleta ficou presa lá em baixo, com o cadeado, às grades do cemitério, não vá algum morto querer dar uma voltinha. Ou algum hovunense vivo. O Chat GPT diz-me que “hovunense” é o gentílico de Hovuni. Muito gostava eu de saber onde é que ele vai buscar estas coisas.
A coisa está a correr bem, o caminho é fácil. Este é o primeiro pico, ainda tenho que fazer um segundo, mais alto.
Agora sim, no piquinho mais alto. São 9h34.
Que maravilha de escolha, eu fiz hoje, para terminar a minha viagem na Arménia. Eu não fazia ideia o que era Hovuni. Como podem calcular, não há única imagem na internet desta povoação. Se fizerem busca por “Hovuni Arménia”, só aparecem OVNI’s. A partir de agora os hovunenses já têm estas fotos no meu website, já não vão ficar totalmente desconhecidos. Se calhar os camiões de guerra estavam aqui bem escondidos… até ao dia de hoje.
Desci um pouco e estive quase uma hora aqui sentada. Lá em cima está fresco demais, e ouvem-se tiros – há um campo de tiro à direita da povoação. Só os ouvi quando cheguei lá acima. Neste momento estou do lado esquerdo da montanha, e aqui o silêncio é total. Só se ouvem pássaros e insetos.
Finalmente tive o meu momento zen; quente, ao sol, como um lagarto numa rocha, em silêncio, rodeada de verde. Recebi todo o calor e energia do sol, bebi-a sofregamente. Para os arménios este é o melhor mês do ano, com mais calor e bom clima. Mas para uma portuguesa tem sido inóspito, com chuvadas, ventanias, frio, nevoeiro.
Será que alguém anda à minha procura? Ninguém anda à minha procura. Onde é que está a Rute? Está numa montanha da Arménia.
São agora 10h32. Vou dar uma volta pela aldeia.
Aquele rapaz veio dar-me estes damascos. Apanhou-os na árvore. Não quis ficar na fotografia, fugiu. Eu comi-os aqui mesmo, em pé. São bons, são doces. Conforme referi logo na crónica 1, os damascos são o fruto nacional da Arménia, e estamos precisamente na temporada deles.
Está ali uma senhora e uma criança, vou lá ver o que andam a fazer.
A senhora chama-se Hranush (lê-se “Granush”). E o Avo perguntou-me se eu queria tomar café. Aceitei.
A senhora é a Lena.
Agradeci o gentil café, fiquei com o contacto desta família no Viber, e esta noite enviar-lhes-ei as fotos e o meu website.
Esta terra faz lembrar a Suíça.
A Paramzem ia a caminhar na rua, e decidiu voltar para casa para me dar damascos. Eu segui-a, com a bicicleta pela mão. Por esta altura eu ainda não faço ideia o que se passa, mas a Paramzem fez-me sinal para eu segui-la, e eu sou obediente.
A Paramzem abana a árvore e caem uma porção de damascos. E agora explicar-lhe que não quero andar carregada na bicicleta?… E não consigo comer mais damascos.
Entretanto chega a vizinha Susan, e temos que tirar outra foto, pois claro.
Agora a Susan vai fazer qualquer coisa e eu sigo-a. São 11h46.
À sua frente está o pico da montanha onde eu estive.
A câmera focou a planta e as grades, em vez dos animais, mas eu mantive a foto.
Da esquerda para a direita: a Susan, eu, a Qnarik (nora de Susan), o Manvel e o rapaz também é Manvel, filho da Qnarik.
Além do Manvel, só fiquei com o nome do Qyaram, à esquerda, pois ele deu-me o contacto do Viber da sua mulher, Armine, para eu enviar as fotos.
E agora o Manvel vai mostrar-me uma porção de coisas, ora a pé, ora de bicicleta. Fala imenso, vai sempre a falar e a explicar-me tudo. Eu sem perceber nada, mas não faz mal.
O Manvel dá-me cerejas amarelas para eu comer. São boas. Deu-me imensa fruta para eu comer, até eu já não poder mais e ter que deitar para o chão.
A Qnarik está a fazer lavash!
Eu estava a comer o lavash à dentada, muito estaladiço, parece torradas, muito saboroso. A Paramzen ensinou-me a preparar o queijo – dentro daquela caxa está um queijo tradicional arménio. Fez um rolo com várias folhas de lavash, e o queijo no meio, e deu-me. Fui a comer o rolo na bicicleta, atrás do Manvel, que quer mostar-me algo.
Não sei que pássaros são estes. Não são pretos – não são corvos. Ou há corvos castanhos?
O Manvel andou algum tempo à procura de rãs, mas só há girinos.
Depois fomos embora e ele esqueceu-se das meias. Eu tive que parar a bicicleta e tocar nas minhas próprias meias para ele perceber que faltavam as dele. Voltou atrás para buscá-las. Falou imenso todo o caminho. Runa! – chamava-me constantemente. No meio daquele palavreado arménio, o meu nome é a única coisa que eu entendo. Depois percebeu que eu só entendia os nomes dos animais quando ele fazia os sons deles. Coaxou como uma rã. Grasnou como um pato.
Esta é a terceira tentativa que eu faço para nos tirar uma foto aos dois, com a câmera no chão, no modo de auto-disparo. Cada tentativa dispara 5 fotos. Na primeira tentativa, cortou-me a cabeça em todas. Mantive uma delas – é uma das fotos acima, que já mostrei. Na segunda tentativa cortou-me os pés e eu apaguei todas. (Isto porque o tripé estava a escorregar, na terra). Esta é a terceira tentativa. A máquina vai disparando as 5 fotos, e o Manvel diverte-se. Eu espero, a rir-me, pacientemente; ainda não vai ser desta.
Aqui ficámos os dois na expetativa de ver se máquina disparava a tempo de apanhar o sapato no ar. O Manvel está a olhar para a câmera, à espera que ela dispare. Só dispara de 5 em 5 segundos. E quando disparou, nós rimo-nos.
Foi à quarta tentativa! No novo grupo de 5 fotos, finalmente ficámos com esta.
Depois o Manvel mostrou-me umas centenas de cromos com jogadores de futebol. Eu disse-lhe que quero ver o Ronaldo, mas esse ele não tem. Depois mostrou-me os brinquedos, um carro grande e outros.
São agora 13h11 e eu tenho de regressar a Mush 2, para receber as minhas ilustres visitas: a Nelly e a Gohar. Elas sabem que eu só estarei no estúdio da parte da tarde, combinámos previamente.
São 9,8 km até Mush, sempre a descer. É num instante.
Passei 5h20 em Hovuni. Foi uma manhã absolutamente maravilhosa, a melhor despedida que eu podia ter tido, destes passeios de bicicleta pela Arménia.
Aqui é um campo militar, às portas de Hovuni. Não faço ideia quem é a figura da direita. Fui ver a fotografia do atual presidente da Arménia, bem como a do anterior, e não são eles.
Ainda esperei que viessem militares atrás de mim, por causa desta fotografia.
Calhou bem, isto. Comprei uma costeleta de porco para hoje, e três pernas de frango para amanhã. Tudo, 2100 dramas (5€).
E a minha luva já teve melhores dias. O que interessa é a parte de baixo, para o guiador não me magoar – e essa parte está boa, felizmente. De facto ainda procurei luvas numa loja de desporto em Yerevan, por onde passei, por acaso, e perguntei-lhes se tinham luvas cor-de-rosa. Só quero luvas cor-de-rosa. O senhor que me atendeu disse que era improvável eu encontrar isso na Arménia.
São 14h15 e eu chego a Mush 2. Eu avisei a Nelly que ia chegar precisamente a esta hora – 14h15, e ela já está aqui algures à minha espera.
São agora 17h19 e eu vou almoçar.
Relembro que tive a visita da Nelly, e posteriormente, da Gohar, que vieram visitar a exposição. As suas fotos estão na crónica anterior. Eu não tinha fome nenhuma, ao chegar, depois de tanta comida que me deram, em Hovuni. Comi lá uma barrigada de damascos, cerejas, groselhas, e lavash com queijo. Só comecei a sentir fome a esta hora, já as minhas visitas se tinham ido embora.
Os bombons foi a Leila me ofereceu ontem. A Leila também me trouxe uma bebida vermelha, numa garrafa de plástico de 500 ml, que tem álcool, disse-me, e que é para oferecer à minha mãe. Não é para mim, é para a minha mãe! Mas eu provei-a, é boa.
E o chocolate, que eu comi agora à sobremesa, foi a Gohar que mo trouxe.
E, claro, os baclavas – os bolos tradicionais que a Milena trouxe para lancharmos, na visita da crónica 23.
Eu não esperava nada, estas prendas foram uma surpresa, as suas visitas já foram encantadoras por si próprias.
São 4 raparigas a jogar futebol, contra 2 rapazes. A Nare e a Angelina estão a cercar o rapaz; estiveram ambas aqui no meu estúdio, ontem. Na baliza está a Fenya, que fotografei na crónica 13. Sentada não consigo perceber se é a Anahit. Os dois rapazes não sei quem são.