Dia 5 – De bicicleta até Horom

Acordei às 3h45 muito congestionada, com expetoração, a transpirar, e com sede. Amornei água para beber. As 4h30 há algum movimento de carros e pessoas na rua. Uma mulher passou com uma lanterna acesa e dois cães a persegui-la. Ela ia no meio da estrada e virou-se para trás para enfrentá-los. (Nenhum gatuno consegue andar à noite a rondar os carros e os prédios, porque os pacatos cães que vemos a dormir, durante o dia, à porta do supermercado, transformam-se em leões rosnantes à noite e perseguem as pessoas). Uma carrinha parou à minha porta e um homem passou dos bancos de trás para o da frente, ao lado do condutor. Há movimento em Mush, com as luzes dos carros a andarem para trás e para a frente.

Hoje o destino é a Cidadela de Horom, um importante sítio arqueológico na Arménia, datado entre os séculos XIV e VII a.C., totalmente em ruínas, no meio do campo. Agrada-me a ideia, e vou fazer 25 km para conhecê-lo. Tenho ali uma grande subida, no final.
São agora 7h04.

Estão 12 graus (53 Fahrenheit) e eu visto uma camisola térmica, de manga comprida, por cima de uma t-shirt de algodão grosso. Tomei um grama de Ben-u-Ron, e nas retas levo a mão à frente do nariz, para impedir que o ar frio me entre a toda a velocidade para os pulmões. As poucas pessoas que se veem na rua, ou os condutores dos carros, olham-me curiosos. Será que ela está a sangrar do nariz? Porque leva a mão no nariz, enquanto pedala?… Alguma coisa cheira mal?… E fui-me assoando pelo caminho, no ar. Eu não tenho tempo, nem lenços, para parar constantemente a bicicleta, e assoar-me. Fiz uma coisa que nunca tinha feito em toda a minha vida: assoei-me em andamento. Nem vejo o ranho, ele desaparece a toda a velocidade no ar.

Passei novamente na mesma rua onde encontrei a cadelinha, ontem. Passei a toda a velocidade, com receio que ela lá estivesse, mas não a vi.

Estes ferros são muito característicos da Arménia, e fazem parte da infraestrutura de distribuição de gás natural.

O aeroporto de Shirak, ao longe.

Cemitério. Considerei-o o mais desengraçado de todos os que vi na Arménia. Num cenário bucólico tão bonito, este cemitério parece industrial.

Nesta minha passagem pela povoação de Aygabats, a Gohar convidou-me para tomar café. Anda em grande azáfama na limpeza dos tapetes, almofadas e colchas, explicou-me, agora no verão, como preparação para o inverno. Tem 43 anos e dois filhos, ambos jovens adultos, na casa dos vinte anos: um rapaz, que estava a dormir numa cama, à entrada da casa, tapado com um cobertor (mais tarde acordou com a agitação desta visita inesperada) e uma rapariga, que aparece numa foto abaixo. O marido está neste momento na Rússia.

A Gohar mostrou-me esta placa, na parte exterior da sua casa, e tentou explicar-me com o tradutor Google o seu significado, mas este não traduz nada entendível. Só sei que tem um nome de uma pessoa: Sahakyan Torgom.

Chegou a hora de prosseguir o meu caminho. Despedi-me da Gohar, que tão gentilmente me recebeu. Ainda estive mais de meia hora em sua casa – fomos conversando através do tradutor Google. Trocámos de números de telefone para mantermos o contacto via WhatsApp, e convidei-a a visitar o meu estúdio em Mush. Esta é a sua foto no Whatsapp, com a filha:

São 10h46 e cheguei ao meu destino: a Cidadela de Horom. A tradução desta placa, com o símbolo da União Europeia, encontra-se abaixo:

“Mantenha o ambiente e o nosso país limpo”. (A câmera do tradutor Google não tem disponível a tradução de arménio para português, tenho de traduzir sempre para inglês).

Eu sabia que ia adorar isto. Quando vi as críticas na internet, ainda em Lisboa, e vi os comentários das pessoas a dizerem que é apenas um monte de pedras no meio do nada (e a darem pontuação negativa) – eu sabia que tinha de vir. Passei hora e meia, aqui. A caminhar, a pedalar, a tirar fotos, ou simplesmente sentada, a olhar, a respirar este ar quente, solarengo e silencioso.
Estas são as ruínas, têm mais de dois mil anos. As escavações neste local revelaram uma série de fortificações, incluindo muralhas, torres e portões. Além disso, foram descobertos vários artefactos, como ferramentas de pedra e metal, cerâmica, e outros objetos de uso quotidiano, que proporcionam uma compreensão sobre a vida das pessoas que habitaram a Arménia, nestas civilizações antigas.

Talvez uma imagem com a vista aérea, que encontrei no site da TripAdvisor, dê uma melhor ideia:

Esta senhora tem o meu telefone vermelho nas mãos; está a tentar traduzir para português uma explicação sobre restaurantes. Eu estava com esperança de almoçar em algum restaurante, em Horom, e ela explicou-me que não há restaurantes, só há um supermercado. Antes disto, eu coloquei esta questão a um rapaz que me pareceu ser seu filho, com cerca de 20 anos, que estava a trabalhar na terra aqui ao lado. Pois o rapaz ignorou-me completamente. Nem que sim, nem que não. Eu a perguntar “restaurant?”, e ele continuou a trabalhar a terra como se eu não tivesse dito nada. São idades muito críticas, nos rapazes, são muito envergonhados com as mulheres. Fotografar um rapaz entre os 15 e os 25 anos é um sarilho. Seja em que país for – em Portugal também, e recordo-me de episódios idênticos nas ilhas dos Açores, por exemplo. Quando cheguei aqui a Horom, vinham dois rapazes dentro de um carro na estrada principal, e que viraram para Horom, tal como eu. Pois eu tive que travar a bicicleta, porque eles ficaram tão embasbacados a olhar, que fizeram uma curva larguíssima, estava a ver que ainda iam contra o muro, especados a olhar para mim. Tive que travar, a segui-los, senão batia na traseira do carro deles, até que eles reagiram e lá aceleraram e seguiram o seu caminho pelas ruelas de Horom.

Comprei uma garrafa de água e chamei um Yandex Taxi, através da aplicação no telemóvel. Nesta aplicação, a minha localização é identificada, e eu escrevo o nome da rua para onde quero ir. A aplicação dá-me imediatamente o preço e o percurso, e se eu aceitar, ela chama os taxistas que estão aqui por perto. Um deles aceitará o pedido e virá buscar-me.

Os Mercedes têm pouco espaço no porta-bagagens, todo o espaço é maioritariamente dedicado aos passageiros. Mas o Karen desenrascou a coisa assim, o porta-bagagens foi aberto e a bicicleta de fora, sem corda nem nada, porque ele não tinha. Fomos pela autoestrada, não pelos caminhos rurais por onde eu vim.

Entretanto eu pedi ao taxista Karen para parar numa loja onde houvesse cadeados para bicicletas, pois o meu avariou-se – e esqueci-me dele na Fortaleza Negra. Ficou lá esquecido, com a chave na fechadura, que não consegui tirar. Com a pressa de subir ao palco enquanto ninguém estava presente, esqueci-me do cadeado. Mas de qualquer forma avariou-se. Então o taxista Karen largou-me aqui – e a loja não tinha cadeados, descobri em trinta segundos – e não me levou até ao fim do destino, apesar de eu lhe pedir para esperar. Não sei que pressa lhe deu, e cobrou-me 3300 drams (7,86€), quando a app Yandex Taxi marcava 2200. Bom, vou pressupor que foi um extra por me ter trazido a bicicleta. Mas são quase duas da tarde, estou com fome, e faltam 5 km para o meu destino. E ainda quero comprar o cadeado primeiro, na loja de bicicletas que fica a 1,2 km de Mush, ensinou-me o Vahagh. Então chamei outro táxi através da app Yandex Taxi, que me levaria à loja por 600 drams (1,43€). Escrevi em arménio: “tenho uma bicicleta para transportar”. Mas apareceu este taxista, que não consegue levar a bicicleta. Aborreci-me, montei na bicicleta e fiz os restantes 5 km muito contrariada, com fome, até Mush. Desisti do cadeado, por hoje.
Portanto hoje acabei por fazer 31 km na bicicleta: 25 até à Cidadela, depois 1,3 km até à povoação de Horom, e agora mais 5 km.

A costeleta (de vaca – 1050 drams / 2,5€) vem sempre embrulhada em lavash – que eu não como, não aprecio comer farináceos às refeições. Levou 20 minutos a assar, e eu esperei sentada nas escadas à entrada da churrasqueira.

Para a próxima têm que ser duas costeletas, já que na churrasqueira não vendem acompanhamento – arroz, batatas fritas, ou seja o que for. O segundo pequeno-almoço em casa da Gohar deu jeito, sempre me fez aguentar melhor até agora.
Tenho comida no frigorífico: dois queijos diferentes (que trouxe de Portugal), iogurtes, figos secos e nozes, dois chocolates diferentes, esta tarde comprei dois tomates e um melão; e porém não comi mais nada, fiquei satisfeita com aquele prato. Mais logo devo beber leite.

A artista que estava no apartamento ao meu lado, a Tatiana, deixou-me as chaves do seu apartamento debaixo do tapete, conforme combinado com os responsáveis da residência. Deixou-me legumes no frigorífico, nomeadamente este tomate (achei uma boa ideia e comprei mais dois), e o resto de um frasco com um molho arménio. A Tatiana disse-me que era um molho muito bom, não picante. Tenho que comprar esparguete e experimentarei o molho, também é uma boa ideia. Em Mush não há restaurantes, tenho que desenrascar-me.

E à noite fui buscar um bolo à padaria.

Instalei hoje outro teclado no meu iPhone: o russo. Há muitos russos a trabalhar na Arménia – nos supermercados, restaurantes, etc. No supermercado, o rapaz que me atende é russo – chama-se Karen, já sei – não sabe arménio e eu preciso de entender-me com ele. Já no restaurante ontem, em Gyumri, o rapaz que me atendeu também era russo e pediu-me para traduzir para russo. Então agora tenho instalado no meu telemóvel os alfabetos arménio e russo, além dos que já tinha antes (inglês e espanhol). Tenho 5 línguas instaladas no meu iPhone.

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