Dia 2 – De bicicleta no centro de Gyumri

Acordei à minha hora mais ou menos habitual, 7 da manhã, mas aqui em Gyumri já são 10 horas.
Tenho duas prioridades, neste momento:
Primeira, mudar o selim da bicicleta: eu trouxe comigo o meu selim de gel, da marca italiana Selle Royal. Andar um mês de bicicleta – não faço ideia quantos quilómetros irei fazer, mas nem que sejam dez quilómetros apenas – o selim destas bicicletas desportivas, por mais bonito que seja, é extremamente duro e desconfortável. Eu trouxe uma ferramenta para mudar, mas descobri que não é a correta. Perguntei ontem ao Vahagh se podia mudar-me o selim, e hoje o Vahagh trouxe a sua caixa de ferramentas e fez-me o favor de mudar-mo, eram 11 da manhã. Agradeci bastante a sua atenção, dado que neste momento eu ainda não conheço nada em Gyumri.

E decidi ir já ao centro de Gyumri, de bicicleta, tratar da segunda prioridade: preciso de comprar material de pintura. Foi o Vahagh, uma vez mais, que me ajudou, apontando-me no mapa, no telemóvel, onde fica a loja, a cerca de 5 quilómetros.
Preciso de dois líquidos que não me convinha trazer na bagagem: um óleo de linho, ou outro semelhante, e queria ainda terebentina sem odor. Não me apeteceu vir com estes dois frascos na mala: se porventura se partissem, seria um problema, junto à roupa. Trouxe tudo o resto comigo, nomeadamente outro médio que acelera a secagem do óleo, dado que não tenho aqui muito tempo, durante a residência, para esperar que as pinturas sequem. Foi o melhor que fiz, trazer tudo comigo, papel inclusive, pois a loja de Belas-Artes de Gyumri é pequena, e como tal, não tem todo o material. Não têm terebentina sem odor, também, pelo que comprei um diluente com odor, nem percebi que diluente é, num frasco de plástico. A terebentina rebenta com o plástico, tem que ser vidro.

Fui informada entretanto que há outra artista em residência, no apartamento ao meu lado – Tatiana Efrussi, que nasceu na Rússia e está radicada em Paris; no entanto a Tatiana encontra-se de momento noutra cidade ao lado, Vanadzor, com a mãe. Vai regressar amanhã, e irá embora para Yerevan no dia seguinte. Perguntei aos responsáveis da residência como funcionam os transportes, dado que eu também gostaria de deslocar-me, e em transportes públicos, por questões financeiras e ambientais, mas eles não conseguiram ajudar-me e disseram-me que era complicado até para os próprios arménios. Perguntei então à Tatiana através do WhatsApp como é que chegou a Vanadzor. E assim, através de grande troca de mensagens, a Tatiana ajudou-me, e deu-me os primeiros ensinamentos sobre transportes públicos na Arménia, que ainda estão numa fase muito incipiente de desenvolvimento: só existem os táxis partilhados e as marshrutkas, que apresentei na crónica anterior; e ninguém fala inglês. Os sites nem sempre estão atualizados, e a Tatiana contou-me que o seu minibus para Vanadzor afinal não existia desde a pandemia da Covid, e elas (a Tatiana e a mãe) tiveram de encontrar uma alternativa à última da hora: foram para a estação de autocarros no centro de Gyumri, e aí encontraram um táxi partilhado que as levou.
A Arménia é um país pequeno, tem 30 mil km². Portugal, por exemplo, que também já é pequeno, tem 92 mil. Sendo um país tão pequeno, faço questão de conhecer outras zonas da Arménia.

Esta é a app “Maps.me”, fantástica e maravilhosa, como sempre. Já corri a Europa, África e Ásia, com ela. Grátis.
Eu estou no Mush 2 District, e vou para o centro de Gyumri. A distância é 5,4 km de bicicleta. Eu também poderia escolher um caminho para carros ou peões. Esta aplicação também diz qual o perfil de elevação, ou seja, se vou ter subidas e descidas, mas neste print-screen não se vê.

Premium 530 drams (1,26€)
Regular 490 drams (1,17€)
Euro Diesel 540 drams (1,29€)
Diesel 530 drams (1,26€)
Óleo 1000 drams (2,38€)
Recordo que nesta viagem estou a usar o seguinte câmbio: 1€ = 420 drams.

Um rapaz dos seus 20 anos ia com a mãe, na rua, e tirou-me esta foto. No início não me ligaram, passaram por mim e não me responderam, mas depois perceberam que eu queria uma foto, e voltaram para trás. Eu estava parada com a câmera na mão.

Houve um acidente, os carros bateram.

À direita está a Academia Nacional de Belas-Artes da Arménia – campus de Gyumri. A sede principal fica em Yerevan. O Vahagh, da foto acima (Vahagh Ghukasyan) além de artista, é professor e diretor nesta instituição. Eu ainda tentei combinar consigo uma visita à Academia, mas entretanto entrou o período de férias, e já não foi possível.

Placa que indica que este edifício da Academia Nacional de Belas-Artes foi renovado com os fundos do Hayastan All Armenian Fund.

Teatro Dramático Estatal Vardan Achemyan, inaugurado em 1928.

São 13h50, vou almoçar aqui. Ainda não comi nada hoje, estou em jejum. Estou cheia de comida no estúdio, inclusive cereais de pequeno-almoço, que trouxe de Portugal, mas não me apeteceu nada.

Pedi ao rapaz que me atendeu, um prato de carne de vaca. Não há – só vendem porco ou frango. Ok, carne de porco. Então ele recomendou-me a especialidade da casa, o prato chamado “Sayat-Nova”, o nome do restaurante. 3000 drams (7,14€) mais 10% de serviço (300 drams, 0,71€). Está a meio da terceira fila e diz “arroz, carne, molho). Vamos lá experimentar o Sayat-Nova.

Este rapaz que está a atender na esplanada disse-me, após eu dizer que sou de Portugal, que a seleção portuguesa ganhou ontem à Eslovénia, por penaltis. Falou-me em inglês, com poucas palavras.
Entretanto precisei de ir à casa de banho e fiquei receosa de deixar a bicicleta cá fora. Esqueci-me do cadeado no estúdio – eu trouxe um cadeado, de Portugal. O rapaz disse-me que não há problema, que ninguém mexe na bicicleta. Eu não confio lá muito, em Portugal desapareceria logo, pelo que a deixei quase dentro do restaurante, onde os empregados a viam bem. E despachei-me a correr, com receio. Esta é uma coisa que irei aprender aqui na Arménia: ao que parece ninguém rouba bicicletas, ou peças, como o selim ou as rodas. Os arménios acham muito estranha a minha preocupação com a bicicleta – a minha quase obsessão, que nem posso perdê-la de vista. E ponho sempre um cadeado, se preciso de afastar-me um pouco.

Comi tudo, estava saboroso.

Fica aqui o contacto da loja, para o caso de alguém precisar. É a única loja de Belas-Artes que existe em Gyumri, pelo que, supostamente, neste momento não estou a beneficiar ou prejudicar nenhuma concorrência.

Made in Russia!

Gyumri já esteve na lista da Forbes dos “17 lugares mais bonitos para viajar na primavera”, conforme se pode ver neste link.

Os cães na Arménia. Há cães por todo o lado – muito mais do que gatos. É semelhante ao que vi na Bulgária, e que comentei na crónica 26 dessa viagem. Andam com uma placa na orelha, como identificação, e como sinal de que foram esterilizados. Este desgraçado é o A2178. Os humanos gostam muito de ter cães, mas são irresponsáveis e alguns com baixo nível de inteligência: não sabem calcular o trabalho e a despesa que um animal dá. Depois abandonam-nos. E, tal como eu disse nas crónicas da Bulgária, o mesmo acontece em Portugal.

Passei aqui duas ou três vezes, para trás e para a frente, e acabei por chamar a atenção dos homens que ali estavam sentados, ao lado. Mas porque não estão os animais à sombra? Com este calor, fechados, apertados, a torrar debaixo do sol ardente das 3 da tarde. Que tal por o carrinho à sombra?… E efetivamente eles foram por o carrinho à sombra. Eu tentei primeiro, mas não consegui, aquilo devia estar travado. Os pombos não eram deles, eram de uma mulher que entretanto chegou, mas eles deslocaram o carro para a sombra.

Igreja do Santo Salvador, construída entre 1858 e 1872. Ficou destruída com o devastador terramoto de 1988, e passou por um processo de renovação completo desde 2002.

O céu está a ficar muito negro, vem aí uma grande chuvada e eu tenho que acelerar no regresso a Mush. O caminho é igual ao da vinda.

Já no meu estúdio, em Mush 2, no 5º andar; cheguei às 16h30 já debaixo dos primeiros pingos de chuva. Parei pelo caminho para comprar água.

As bicicletas das crianças, nas escadas do prédio.

Os iogurtes e o leite são meus: 260 drams cada iogurte (0,62€) e o leite foi a minha maior despesa nesta viagem: 850 drams o litro (2€). Eu bebo mais de um litro de leite por dia: nos cereais de manhã, e depois um copo grande à noite, morno, com mel a canela. Tive que encomendar leite aqui no supermercado, pois não estão habituados a este nível de consumo e o stock esgotou logo. Já na residência artística da Bulgária paguei uma fortuna pelo leite, e aqui na Arménia aconteceu o mesmo. Mas estes países não têm vaquinhas, não têm produção de leite constante? Por outro lado é bom, os animais não são explorados pelo leite. Quanto menos leite, melhor. Eu é que ainda não consegui livrar-me dele, já tentei substituir por bebidas de amêndoa ou soja, mas a coisa não resultou.

O queijo e o ovo cozido que eu trouxe de Portugal. Largar o queijo dos Açores também me é difícil! Mas não é hoje que vou comê-los, eu não janto, deixei de jantar há alguns anos, não tenho fome.
Desta vez os damascos foram a 250 drams o quilo (0,60€), comprados na rua. Ontem foram a 300.

Já tenho tudo pronto para começar a pintar.

Hoje adormeci tarde, cerca da uma da manhã. Para mim ainda são 10 da noite, ainda estou com os horários de Portugal, onde são três horas a menos.

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