Dia 10 – De bicicleta até ao Mosteiro de Marmashen

Hoje é 4ª feira, 10 de julho de 2024.
Despertei com o alarme do telemóvel às seis. Dormi quase nove horas novamente. Já estou a transpirar um pouco menos, mas preciso de mudar de roupa imediatamente ao acordar. Esta constipação deu-me para dormir e transpirar.
O aquecedor está sempre ligado de manhã até eu sair de casa.
Às sete da manhã estão 16° (61 Fahrenheit), uma das manhãs mais quentes deste mês.

São 6h22.

São 7h37 e arranco para o meu próximo destino: o Mosteiro de Marmashen, a 9,3 km de distância. Vou sempre a subir (pouca subida) e depois tenho uma descida de 118 metros para lá chegar.

Soldados arménios; estão à espera de um transporte que os irá apanhar aqui. A farda dos russos é mais clara.
O prédio da direita é o meu, e as janelas de cima, também do lado direito, são as do meu estúdio. Deixei lavash na da ponta, para os pássaros, eles estão a aprender o caminho.

Prédios destruídos pelo terramoto de 1988, que também é conhecido por “Terramoto de Spitak” – uma cidade aqui ao lado:

Encontro o seguinte resumo, publicado em 2018, no site do “Observatório Transeuropa dos Balcãs e do Cáucaso”:
“No dia 7 de dezembro de 1988, as regiões do norte da Arménia foram devastadas por um forte terramoto. Mais de um milhão de pessoas viviam na área afetada. 21 cidades e 342 aldeias sofreram graves danos, 514 mil pessoas ficaram desalojadas, 20 mil ficaram feridas e 25 mil perderam a vida. Houve muitas vítimas em Gyumri, a segunda maior cidade da Arménia. 30 anos depois, os vestígios deste terremoto ainda são visíveis em Gyumri. Ainda existem quartéis construídos para emergências que se tornaram, para muitos, definitivos. 2.000 famílias ainda moram lá.
Segundo dados oficiais do terramoto de 1988, no âmbito dos vários programas de habitação pública, 21.187 apartamentos foram distribuídos em Gyumri até 2016, enquanto 20.612 foram demolidos e declarados inutilizáveis ​​após o acontecimento. Assim, seriam disponibilizados mais 575 do que os destruídos pelo terremoto. O problema é que nos anos de espera as famílias cresceram, mas têm direito exclusivamente a apartamentos com as mesmas características dos destruídos. Por exemplo, se um apartamento de um quarto foi destruído, a pessoa tem direito a receber um com as mesmas características, independentemente do número de pessoas que, 30 anos depois, compõem o núcleo familiar.”¹

Por esta altura eu ainda não sei – estou a fotografar a povoação de Marmashen – mas a senhora que vem ali ao longe chama-se Garunik. Ainda estou muito longe do mosteiro, aqui é a povoação, e o mosteiro de Marmashen fica a cinco quilómetros, num local isolado.

Cá está a Garunik. Tem 60 anos de idade.

A Garunik mostra-me fotos da sua família, e conta-me que tem uma filha de 35 anos a trabalhar no ministério em Yerevan. Falámos através do tradutor Google, claro. São conversas quase silenciosas, as nossas – as minhas, com os arménios – dado que escrevemos para nos entendermos. O que seria da nossa vida sem estas tecnologias maravilhosas.

A Garunik veio fazer o que vi muitos arménios fazerem: vem abrir os canais de água para a rega, de manhã. Depois terá que voltar para fechá-los.

A polícia sempre a patrulhar as ruas, constantemente.

Agora conheci a Tigranui, de 62 anos. Tem o meu telemóvel vermelho nas mãos – porque está a escrever algo no alfabeto arménio, para traduzir para mim.

Também a abrir canais de água para a rega.

E agora é a Tigranui que nos tira uma selfie, com o seu próprio telemóvel.

Agora conheci o Martin, de 45 anos. Também de volta dos canais da rega.

Não faço ideia quem é este ciclista, e tirei-lhe a foto muito à pressa, nem tive tempo de regular os parâmetros da câmera, ficou com excesso de luz, mas mantive-a, claro.

Os canais de água. Não posso acelerar na bicicleta, porque me arrisco a meter o pneu da frente nestes buracos – seria queda imediata. Este está bem visível, mas existem outros disfarçados, no meio da vegetação, só dou conta quando estou em cima deles.

Como choveu esta noite (para não variar) está tudo molhado. Fiquei com os ténis e as meias molhados, mas com o calor secaram rapidamente.

São 9h40 e cheguei ao meu destino: o Mosteiro de Marmashen.

A Siranush, que tem 44 anos, tem esta pequena bancada para vender o seu artesanato. Ela chegou agora também, ainda vai arrumá-la lá fora.

O Samuel, de 70 anos, que vende as velas dentro do mosteiro.

A placa indica que este mosteiro foi construído entre os anos 986 e 1029. Tem mil anos! Esta placa indica também que existe uma inscrição na parede norte, datada de 1225, informando que o mosteiro foi reparado e restaurado nessa data. O mosteiro floresceu até ao século XIV, quando ocorreram as invasões mongóis.
Esta placa tem a seguinte assinatura:
“(Com a generosidade e assistência da Biblioteca Arménia e Museu da América, em Watertown, Massachusetts)”.

O Samuel tem um painel solar.

O Rio Akhurian, que tem a sua origem nas montanhas aqui perto. A sua nascente é alimentada por vários pequenos riachos que fluem das encostas montanhosas. O rio estende-se por aproximadamente 186 km, e marca grande parte da fronteira entre a Arménia e a Turquia antes de desaguar no Rio Arax, que por sua vez, segue até ao Mar Cáspio. Este rio desempenha um papel simbólico e político, pois define parte da fronteira entre a Arménia e a Turquia, duas nações com uma história complexa, especialmente no contexto do genocídio arménio e das disputas territoriais. (Lá chegaremos, nestas crónicas).

Mapa dos rios na Arménia.
Imagem retirada de Wikipédia.

E agora conheci o Samvel e a Seda.

Perguntei-lhes descaradamente se não têm nada para comer. E o Samvel saca desta caixa de bolos de chocolate, para grande alegria minha. São agora 10h47, eu acordei há cinco horas atrás, já tenho fome. Se houvesse um café em Marmashen, seria ótimo, mas qual quê. Tenho que pedalar de volta até Mush e comer carne grelhada, a única coisa que existe.

A Seda tem 18 anos, terminou os estudos no ensino secundário, e não quer seguir para a universidade, disse. O Samvel tem 23 e está no 3º ano da universidade, em Contabilidade. Explicou-me que já devia ter terminado o curso, mas que se atrasou por causa do exército, que é obrigatório dois anos. Viemos a descobrir, por conversas, que o Samvel conhece o Razmik, da crónica 8.
Comi duas fatias de bolo, e sobrou uma terceira, que ambos me queriam dar, mas já é bolo a mais, não consigo comer tantos bolos, pelo que agradeci. Não há fome que não dê em fartura. Eles iam para o ginásio treinar, contaram-me.

São 11h15. Estive sentada algum tempo naquele muro que está ao meu lado, nesta foto. Gosto de estar algum tempo nos locais que visito. Não tenho pressa, sobretudo agora que comi duas fatias de bolo de chocolate!
A Siranush entretanto já tinha montado a sua bancada no exterior. Logo de manhã, ainda no interior do mosteiro, convenceu-me a comprar-lhe um íman para o frigorífico, com a imagem do mosteiro. Mas tem o alfabeto arménio, só eu é que vou perceber de onde veio, quando estiver colado em minha casa. Foi negociado: eram 1000 drams, mas eu disse que não queria gastar dinheiro, então ela baixou para 800, para convencer-me (1,90€).
Pois irei esquecer-me do íman colado ao frigorífico do estúdio, em Mush. Regressei a Lisboa e esqueci-me do íman lá.
Ao conversar com a Siranush, descobri que é médica veterinária: estudou na American University of Armenia (AUA), em Yerevan, uma das principais instituições de ensino superior na Arménia, conhecida pela sua educação de alta qualidade e por ser uma ponte entre o sistema educacional dos Estados Unidos e a região do Cáucaso. Esta universidade oferece uma educação de estilo ocidental, e o inglês é a principal língua de instrução. A Siranush falou comigo em inglês, todo o tempo. Não houve Tradutor Google, connosco. Como se não bastasse, também estudou Agricultura na Universidade Nacional Agrária, em Yerevan. Perguntei-lhe porque não está ela num centro veterinário a exercer a sua profissão – ou pelo menos uma delas. Porque gosta mais dos mosteiros, respondeu-me. Porque é artista, faz o seu artesanato, e quer estar nos mosteiros a vendê-lo. Pelo que percebi, vai mudando de mosteiros, não está apenas neste. A Siranush tem as chaves deste mosteiro de Marmashen, foi ela quem abriu a porta de manhã e disse que eu podia entrar, e também tem a chave da cabine que se vê numa das primeiras fotos acima, onde está a cancela para os carros não passarem.

São 11h30 e vou-me embora. Passei quase duas horas no mosteiro, foi uma manhã bem agradável. E esta alma penada, que ninguém lhe dá comida, e eu não tenho nada comigo.

Tudo o que desci, agora tenho que subir. Fui a pé com a bicicleta pela mão.

Devo ter metido pela entrada errada, porque aqui não há caminho para a estrada.

Entrei na povoação de Marmashen.

O Karen, de 56 anos – dono do belo Jaguar que fotografei acima. Vai agora a passar no carro, e saiu para vir cumprimentar-me e saber se ando perdida.

Este taxista e a sua mulher convidaram-me para um café. Aceitei.

A Nsxyn, de 60 anos. (Desconfio que este nome não está bem escrito).

E o Smbad, de 63 anos.

De calções azuis é o Ronik; de camisa preta é a Sona; de camisa verde é a Angelina.

A Sona tem o meu telemóvel vermelho nas mãos, estamos a conversar através do tradutor Google, pois claro. Mas a Sona fala um pouco de inglês comigo, aqui será algo mais elaborado.

E então as crianças convidaram-me a segui-las, na bicicleta. Não disseram para onde vamos, mas fui atrás delas.

Vim parar à casa da Sona. Este é o Samvel, o seu avô.

Só quer brincadeira, este cão. A mãe da Sona deu-me um toalhete húmido para eu me limpar.

A mãe da Sona, que inicialmente ficou muito surpreendida com esta estranha e inesperada visita trazida pela sua filha.

Todos aqueles troféus pertencem à Sona – são provas de dança ganhas por si.

Na ponta da mesa está a avó da Sona. A outra senhora é uma vizinha.

Este menino acabei por não ficar com o seu nome. Creio que é um vizinho da Sona.
Ao centro da mesa estão figos em geleia, são bons. Este café que está na ponta é meu.
Pedi-lhes o número de telemóvel para lhes enviar as fotos por WhatsApp, Telegram ou Viber (neste momento tenho tudo instalado no meu telemóvel, por causa dos arménios!), mas elas disseram-me que não têm nenhuma destas aplicações. O mesmo se passou com o casal do taxista Smbad, nas fotos acima.

A mãe da Sona recolheu alguns ovos e gentilmente quis-mos dar, mas eu tive que recusar, porque na bicicleta é arriscado.

São 14h11 (ainda passei duas horas em Marmashen!, a primeira foto foi tirada às 12h15) agradeci a comida e o café e prossigo o meu caminho de regresso a Mush. Faltam 5,8 km.

Entretanto nesta carrinha o condutor acena-me. Eu nem parei a bicicleta, ia com certa velocidade nesta reta e continuei o meu caminho. Então ele arranca na carrinha e espera-me encostado na berma, mais à frente. Acena-me novamente. Eu passei a toda a velocidade. (Mas quem é este?…) Foi à terceira: ele veio atrás de mim e manteve-se ao meu lado, em andamento: lá o reconheci – é o pai da Sona, que não se deixou fotografar quando eu lá estive – e vem deixar-me um número de telemóvel com Whatsapp, para eu enviar as fotos. Aquele telemóvel vermelho é o meu, e ele está a escrever o seu número.

São 14h36 e eu entro em Mush.

Cá estão novamente a Rima e a Aida, da crónica 3!!

Encomendei duas costeletas de porco e esperei 40 minutos, sentada no jardim em frente.

A Nara e os seus dois filhos, e a mãe. Também esperaram um pouco, na churrasqueira. Fiquei com o seu contacto Whatsapp para enviar as fotos. E não tive internet, neste momento. Estranho. Foi a Nara quem ligou o seu telemóvel como hotspot para me dar internet e trocarmos a primeira mensagem por Whatsapp, verificando se estava tudo bem. Mas porque é que eu não tenho internet no meu telemóvel?

A partir do momento em que vi como matam os peixes deste aquário, jamais ponderei em comer peixe. É a batê-lo no chão.

É melhor nem pensar como é que estes bichos morreram. Eu sou flexitariana, ou seja, como carne e peixe, mas com o seu consumo bastante reduzido. A minha alimentação aqui na Arménia está extremamente carnívora, muito fora do normal.

Foi hoje que decidi fazer uma salada de feijão frade com atum, ovo, e algum legume, mas na Arménia não existe feijão frade. Desenrasquei comprando isto. (O azeite e o óleo já estavam na residência). E estou sem internet no telemóvel, teve que ser a funcionária do supermercado a ligar novamente o seu telemóvel como hotspot, para eu ter internet. Mas o que se passa com a minha internet?

O primeiro item são as salsichas (351 drams, 0,84€); o segundo é o esparguete (500 drams, 1,19€); o terceiro são os ovos (60 drams cada ovo, total 240 drams, 0,57€) e finalmente um garrafão de 6 litros de água, 420 drams (1€).

São agora 17h30 e saio de urgência para uma loja da Team Telecom – porque estou sem internet no telemóvel. Mas o que se passa? Sem internet eu não faço nada na Arménia, não consigo mover-me nem traduzir nada. E o wifi do estúdio não está a funcionar – reportei aos responsáveis da residência logo desde o primeiro dia, mas continua sem funcionar. Como tenho internet ilimitada no telemóvel, a coisa tem passado. Então tive que ir para o apartamento do lado – onde estava a Tatiana – para ligar-me ao wifi deste (neste apartamento tudo funciona, é uma alegria, só no meu é que não), e enviar uma mensagem aos responsáveis da residência. Enviei também um sms ao Vahagh. Foi este quem me respondeu primeiro, e disse para eu ir a uma loja da Team Telecom, e deu-me duas moradas, de duas lojas. Uma delas fica ao lado da loja das bicicletas, a 2 km do meu estúdio.
Chamei um Yandex Taxi. Esta pressa toda porque a loja fecha às 18h. Ou melhor, eu não chamei nada porque não tenho internet: fui para a paragem do autocarro e pedi a um rapaz dos seus 15 ou 16 anos, que lá estava, para me chamar um táxi. Ele não se atrapalhou, imediatamente chamou-mo, com o seu próprio telemóvel. Simpático.
Esta é a app do Yandex Taxi: indica o percurso (que eu poderia reduzir de tamanho para visualizar todo) que levará 7 minutos; indica o preço da viagem: 400 drams (0,95€), e indica que o táxi levará cerca de 4 minutos a chegar. Foi uma simulação que fiz ainda no apartamento da Tatiana.

Então informaram-me que está a haver um problema generalizado com a internet, e que em breve estará resolvido, devo aguardar.
E foi uma rapariga que vinha a entrar na loja, amiga ou conhecida destas duas funcionárias, pelo que percebi, que me chamou um Yandex Taxi de regresso ao estúdio. A minha vida morre na Arménia, sem internet.

No meio desta agitação toda, o taxista que apareceu na loja da Telecom foi o Rubo, que se vê nesta foto. Está a abrir o porta-bagagens, a meu pedido, para vermos se dá para transportar a minha bicicleta. Dá. Porque eu preciso de fazer uns percursos distantes, e uma parte terá que ser feita com a bicicleta no carro. O Rubo disponibilizou-se.
Bom, já não perdi tudo, neste final de tarde, com esta azáfama da internet: conheci um taxista com um carro grande que pode transportar a minha bicicleta.

Às 19h eu já tenho internet novamente.
Às 21 horas chove torrencialmente, com muitos relâmpagos e trovoadas, como é hábito. São tempestades enormes, nestas montanhas de Gyumri.


¹ Avetisyan, A. (17 dezembro 2018) “Terremoto in Armenia: i dimenticati”. Osservatorio Balcani e Caucaso Transeuropa. Página consultada a 14 de agosto de 2024,
https://www.balcanicaucaso.org/Media/Gallerie/Terremoto-in-Armenia-i-dimenticati

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