Dia 6 – Dia inteiro de estúdio
Despertar às 6. Hoje é sábado, 6 de julho de 2024.
Ontem às 10 da noite o Sargis veio trazer-me este pequeno aquecedor elétrico. Acabou por nunca vir um técnico reparar o aquecimento do estúdio, e deixaram-me a possibilidade de mudar-me para o apartamento do lado, onde estava a Tatiana, cujo aquecimento funciona. Mas o meu apartamento é maior e tenho vista sobre a rua, o que é muito importante no meu trabalho. No apartamento do lado não se vê a rua, vê-se a parede do meu próprio edifício contíguo. Isto faz-me lembrar o “Voyage autour de ma chambre“, o livro escrito em 1790 por Xavier de Maistre, enquanto estava sob prisão domiciliária em Turim, Itália, após um duelo. Esteve 42 dias preso, e escreveu 42 capítulos. Durante a sua reclusão, de Maistre decidiu embarcar numa “viagem” peculiar: uma expedição à volta do seu próprio quarto. Com isso, o autor transformou os 42 dias de confinamento numa exploração detalhada e imaginativa do seu pequeno espaço pessoal, onde a cama, a cadeira, os móveis e até as roupas se tornaram objetos de reflexão filosófica e de entretenimento. Talvez um dia eu venha a fazer o mesmo, nunca se sabe o que nos espera na vida, mas para já, eu quero ver a rua, as pessoas, os cães, os carros (estes eu até dispensava, mas pronto) e quero passear de bicicleta.
Este pequeno aquecedor elétrico é pujante; eu estou agora na fase de ficar completamente transpirada durante a noite, com a roupa toda molhada. Ao levantar-me tenho imediatamente que mudar de roupa, senão fico gelada com a roupa molhada colada ao corpo. O aquecedor dá muito jeito para eu secar a roupa e o corpo, e manter-me quente durante o dia. As cadeiras onde eu estou sentada ficam molhadas; o meu sistema imunitário está a bombar a toda a força. Não é viável eu tomar banho de hora a hora, e mudar de roupa de hora a hora também – nem tenho aqui roupa suficiente para tantas mudas.
Estou com expetoração; porém tomei ontem de manhã o último Ben-u-Ron 1 grama, que me aliviou bastante; hoje já não tomei. Eu trouxe uma caixa de Portugal: antes de vir para a Arménia fui à consulta do viajante, como é hábito, e vim com uma panóplia de medicação standard. Também fiz um seguro de saúde válido aqui na Arménia, com cobertura total, que me dá acesso ao hospital internacional, se for necessário, em Yerevan, a capital. Pelo que o Portal das Comunidades Portuguesas diz, existem “clínicas e hospitais privados em Yerevan, alguns dos quais internacionais, que são contudo bastante dispendiosos”. Mas eu nunca precisei de lá ir, felizmente. Isto é uma mera constipação e já estou na fase de melhorar, o pior já passou.
E assim trabalhei toda a manhã com o aquecedor a disparar ar quente na minha direção. À tarde já não foi necessário, a temperatura sobe bastante e o sol entra pelo estúdio.
Hoje apetece-me introduzir o castanho da terra, depois do maravilhoso dia que tive ontem.
Muito me diverti esta manhã, com o constante fluxo de calor na minha direção, a pintar com a tinta castanha. Os meus dias estão ali: os caminhos, os ziguezagues, a linha do comboio que eu e a cadelinha tivemos que atravessar. Irão estar também as enormes trovoadas sobre Mush. Pintei que nem uma criança.
Às 11h45 tive que interromper. Trocar de roupa e ir buscar as duas costeletas encomendadas através do WhatsApp com a Nelly, da churrascaria.
Aproveitei a saída para ir ao supermercado comprar água (8 litros, 530 drams, 1,26€) e mel. O Karen, o rapaz que me atende no supermercado, perguntou-me se eu queria mel natural ou artificial. É curiosa, esta distinção, não estou habituada a ela em Portugal. Mas percebi claramente quando ele me mostrou os dois frascos: um pequeno, de plástico (230 drams, 0,55€) – que aparecerá nas fotos mais à frente; e outro frasco, já noutra zona do supermercado, isolada atrás de um vidro, com produtos naturais, e creio que tinha 1 kg, com o mel branco, em pasta; nem cheguei a saber o preço, porque era uma embalagem muito grande e eu não quis. Arrependi-me mais tarde, devia ter comprado o natural, e o que sobrasse ficaria no estúdio.
Desta vez tenho duas costeletas de porco. O tomate tem sal e é delicioso. Tenho quase 3 quilos de açúcar no armário e um frasco com sal fino, que já estavam no apartamento quando eu cheguei. Também comi figos secos e um chocolate.
Fazem 27 graus, mas muito vento, do Nordeste, 24 km/hora. A meteorologia dá rajadas de 44 km/hora. Fiquei a sentir-me muito frágil, e o vento fez-me mal. O ar condicionado do supermercado faz-me logo muito mal também. Eis que piorei, com esta saída, e tive que voltar a tomar 1 grama de Ben-u-Ron, depois de almoço.
Inaugura uma exposição hoje, com curadoria do Sargis – Sargis Hovhannisyan – num museu no centro de Gyumri, com alguns artistas arménios, que eu queria tanto ir. Mas não estou capaz; com grande pena minha terei que faltar à inauguração. Irei visitar a exposição durante a próxima semana. Também queria ir à loja das bicicletas comprar um cadeado, mas não é hoje garantidamente.
Trouxe outra mesa do apartamento ao lado. E espalhei cadeiras pela casa, para ir descansando em vários pontos. Neste momento estou com três mesas e oito cadeiras. O estúdio é enorme, não me dava jeito sentar-me apenas numa ponta. Agora posso descansar pelo caminho. Para lavar os dentes, inclusive, pus uma cadeira à porta da casa-de-banho. E outra ao lado do fogão, enquanto espero que a água ou o leite aqueçam. A minha vida no estúdio está a melhorar, portanto.
Esta é a Bola de Berlim cá da Arménia, espalmada. Tem creme branco dentro.
E comi damascos também.
Faz uma ventania enorme. As pessoas andam todas com os cabelos no ar, eu inclusive. O apartamento está muito quente, com o sol a bater toda a tarde, e o aquecedor ligado de vez em quando. Estou num autêntico ambiente de estufa, contente.
Muitos relâmpagos às 21 horas, ao longe. Uma hora depois chegaram aqui: relâmpagos, trovoadas, chuva, vento fortíssimo; pareciam pequenos tornados na rua com tudo a voar, sacos plásticos, pó. As minhas janelas foram muito abanadas. Foi um pouco assustador, no último andar.