Dia 9 – De bicicleta: Galeria das Irmãs Aslamazyan & Museu de Arquitetura Nacional e Vida Urbana
Hoje é 3ª feira, 9 de julho de 2024. Levantei-me às 5h30, quando começou a amanhecer, mas já estava acordada. Durante a manhã comecei a notar muito pouca gente na rua. Será feriado hoje? Questionei o Chat GPT e este diz-me que sim, que dia 9 de julho é feriado nacional, dia da Constituição. Celebra-se a adoção da Constituição da Arménia em 1995.
Informa-me também que além do Dia da Constituição – hoje, 9 de julho – a Arménia também comemora o Dia da Unidade Estatal a 5 de julho, e que também é feriado.
Vim a saber que está errado, o Chat GPT está a dar-me informações erradas. Hoje não é feriado nenhum, supostamente. No dia 5 de julho é que foi feriado, e celebrou-se a adoção da Constituição da Arménia em 1995. Nesse dia, 6ª feira, foi o dia em que eu fui a Horom. Nos cenários bucólicos por onde andei, nem dei conta que era feriado – e apanhei com certeza menos trânsito por causa disso.
Hoje tenho planeado visitar a Galeria das Irmãs Mariam and Eranuhi Aslamazyan – duas artistas arménias pintoras, e a seguir o Museu de Arquitetura Nacional e Vida Urbana.
São 5h42.
Doravante passo a usar o pano que a Leila me ofereceu ontem.
Lavash para os pássaros.
Soldado russo. Recordo que a Rússia tem uma base militar aqui em Gyumri.
São 10h06 e arranco para o centro de Gyumri, são 5 km de distância.
Este edifício aparentemente resistiu ao terramoto de 1988. Segundo o que me explicaram, foi originalmente construído para alojar trabalhadores que vinham de fora de Gyumri; funcionava como um dormitório. No entanto, com o terramoto, as fábricas foram destruídas e os trabalhadores abandonaram a área. A população local, que ficou sem casa, tentou ocupar este edifício (e o próximo, visível na foto), mas as autoridades impediram-na. Quando perguntei “porquê?”, explicaram-me que os gestores tentaram vender o imóvel, mas não conseguiram chegar a acordo com as autoridades governamentais, e o processo fracassou. Como resultado, a população, desabrigada e sem acesso ao edifício, saqueou-o, levando portas, janelas e outros materiais, inclusive para usar como combustível durante o inverno.
São 10h43 e cheguei ao meu destino: a Galeria das Irmãs Mariam and Eranuhi Aslamazyan. O Vahagh Ghukasyan, que me recebeu no primeiro dia da residência artística, é diretor desta galeria desde 2015. Leio o seguinte na internet:
“Em 1987, a galeria das irmãs Aslamazian foi inaugurada. Está incluída na lista de monumentos imóveis da história e cultura de Gyumri. A galeria exibe a coleção de pinturas, esculturas e desenhos das irmãs. Mais de 620 obras originais adornam as paredes da galeria e encantam os visitantes.
Também é possível encontrar taças, pratos e castiçais decorados feitos por artistas femininas.”¹
O bilhete de entrada é 1000 drams (2,38€).
Logo à entrada está patente esta belíssisma e delicada exposição temporária, com curadoria de Sargis Hovhannisyan (que aparece na crónica 4): intitulada “Arte Fragmentária / Imagens e Sons”. A folha de sala indica nas primeiras linhas:
“Arte Fragmentária explora o fenómeno da fragmentação visual e sonora na arte. Convida à reflexão sobre a natureza ideológica da fragmentação e demonstra o seu papel na formação da perceção pública da realidade. (…) O objetivo deste projeto é enfatizar a subjetividade da realidade – um fenómeno em constante evolução, condicionado pelas nossas perceções e experiências individuais.”
Esta última frase encaixaria que nem uma luva na minha dissertação de mestrado, sobre artistas-viajantes, e poderia ter sido escrita pelo próprio Howard Hodgkin, um dos pintores que nela analiso.
Esta exposição é organizada pelo ICA Yerevan (Institute for Contemporary Art) e ArtNexus, com os trabalhos dos participantes do programa “Como sobreviver como um artista emergente 2.0”. O programa ArtNexus é financiado pela Agência Sueca de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional, e gerido pelo Comité Sueco de Bolsas para as Artes.
No entanto esta exposição perde-se completamente nestas pequenas fotos; é daquelas obras que têm que ser vistas ao vivo. Mas aqui ficam três delas, para ficarem com uma ideia:
Esta e a obra anterior são da artista arménia Manana Makarian.
Esta obra é da artista arménia Ashkhen Sevyan.
Também participaram outros três jovens artistas arménios: Milena Goginyan, Narek Buniatyan e Armine Avetisyan. Era suposto eu ter vindo à inauguração, no sábado, e tê-los conhecido pessoalmente. Mas eu não estava capaz de sair, conforme contei na crónica 6.
Entro agora na galeria dedicada à obra das irmãs Mariam and Eranuhi Aslamazyan. Posso dizer-vos que tirei 27 fotos aqui dentro (mais outras tantas da exposição temporária), porém vou poupar-vos, e remeto-vos para um link muitíssimo bom, do “Google Arts & Culture”, pelo que percebo com informação preparada pela “Yerevan Biennal Art Foundation”: link. Neste link é contada a vida das irmãs, e mostrada a sua obra com imagens de alta qualidade. Aqui fica uma foto de ambas:
Eranuhi à esquerda (1910-1998), Mariam à direita (1907-2006). Foto tirada em 1939, andavam ambas pelos trinta anos de idade.
A introdução do “Google Arts & Culture” indica:
“Mariam e Eranuhi Aslamazyan foram duas notáveis e adoradas artistas arménias da era soviética que quebraram as convenções no mundo das artes visuais soviéticas, dominado pelos homens. Com a sua abordagem modernista, estilo eclético e carreiras internacionais vibrantes, as irmãs desafiaram a sociedade patriarcal da Arménia Soviética.”²
Detalhe da pintura “Para a Frente de Defesa” de Eranuhi.
Autorretrato de Eranuhi.
Autorretrato de Mariam.
“Povoação arménia”, de Eranuhi.
Esta é a loja do museu (nada escapa às fotografias…).
E parto daqui muito satisfeita com esta visita.
Aqui são as traseiras da galeria, onde a minha bicicleta ficou estacionada. (Ou será que aqui é que é a frente?…)
São agora 11h55 – estive 1h10 na galeria – prossigo o meu caminho em direção ao Museu de Arquitetura Nacional e Vida Urbana, que fica a 1,2 km.
São 12h20 e cheguei ao museu. Levei 25 minutos a fazer um caminho de 7, porque andei perdida. A aplicação “Maps.me” mostrava-me a entrada do museu na rua ao lado. Andei para trás e para a frente à procura da entrada, até que perguntei a um homem e ele indicou-me a rua certa.
O Museu de Arquitetura Nacional e Vida Urbana é dedicado à preservação e exposição da arquitetura tradicional e do estilo de vida urbano da cidade de Gyumri durante o final do século XIX e início do século XX. Localizado numa casa histórica, o museu oferece uma visão detalhada da vida cotidiana e das tradições culturais da época. Mobiliário e decoração, objetos do dia-a-dia; algumas salas são dedicadas a exposições de arte, incluindo pinturas e fotografias que retratam a vida urbana e a arquitetura de Gyumri.
O bilhete de entrada é 1500 drams (3,57€).
Este museu sobre a vida em Gyumri é muito interessante. Antigamente Gyumri chamava-se “Alexandropol” (1840-1924, durante o Império Russo), depois chamou-se Leninakan (1924-1991, no período soviético). Com a declaração de independência da Arménia, em 1991, passou a chamar-se Gyumri. O assentamento onde hoje está Gyumri era chamado antigamente de Kumayri. Gyumri é uma das cidades mais antigas de que se tem conhecimento: acredita-se que tenha sido fundada pelos gregos em 401 a.C., mas não teve existência contínua. Gyumri é hoje a segunda cidade da Arménia em termos de indústria e população, e é o principal centro têxtil da república. Existem também indústrias de engenharia, incluindo o fabrico de bicicletas e instrumentos científicos, e indústrias alimentares e outras indústrias ligeiras, e a cidade é um importante centro de construção de máquinas. Existe um instituto de formação de professores.³
Igreja Surp Astvatsatsin (Virgem Maria), também conhecida como Yot Verk (Igreja das Sete Chagas), construída entre 1874-1886.
Durante a era soviética, quando as igrejas eram fechadas, a igreja Surp Astvatsatsin abriu as suas portas para muitas religiões, servindo seguidores da Igreja Apostólica Arménia, bem como Católicos, Ortodoxos Gregos e russos, e a fé Assíria.⁴
Estes e outros detalhes muito interessantes podem ser vistos no seguinte link.
São 13h15 e vou almoçar aqui.
E esperei… e esperei… até que me levantei e fui lá dentro perguntar se isto é um restaurante e se estão a servir refeições. O rapaz que estava ao balcão respondeu-me que sim, e finalmente lá veio um empregado com o menu.
Escolhi massa, desta vez. Já estou com falta de esparguete – o que seria da minha vida sem esparguete e as outras massas. Escolhi uma “Pasta do Mar”, com frutos do mar (1760 drams / 4,19€ já com o serviço de 10% incluído).
Estava muito bom, mas eu preciso de quatro doses destas. Desapareceu tudo num instante e esperei pelo empregado para pedir outra dose igual, ou então um hambúrguer no pão. Preciso da lista novamente.
E esperei… e esperei…
O empregado não me atende. Fui lá dentro e pedi o menu, pela segunda vez. Entretanto sentaram-se três rapazes ao meu lado, e o empregado imediatamente apareceu e atendeu-os. Eu na mesa ao lado, a olhar, à espera. Tanto tempo levou, que eu optei por uma sobremesa. Chamei-o e perguntei-lhe se se esqueceu de mim. E ele perguntou-me se eu queria a conta – nem perguntou pela sobremesa.
Só depois reparei que as duas divisões deste bar-restaurante estavam exclusivamente ocupadas com homens. Não havia uma única mulher. O empregado estava em pé parado, totalmente embevecido com os três rapazes ao meu lado, colocou-lhes um individual de pano em cada um, e eu nem a isso tive direito. Fiquei aborrecida com o atendimento e já não pedi a sobremesa, deixei vir a conta. Entretanto paguei, levantei-me e fui a caminhar pelo resto da rua com a bicicleta pela mão, e reparei que em todas as esplanadas havia mulheres, quer arménias, quer com certeza turistas. Aparentemente fui parar a um bar-restaurante só frequentado por homens, e simplesmente fui corrida dali. A partir de agora aprendi, terei atenção ao tipo de clientela, e não entrar num restaurante onde não haja um público misto, mas nunca esperei existir uma discriminação destas, no centro de uma cidade, numa rua pedonal, cheia de restaurantes e turistas. Este tipo de comportamento precisa de ser excluído, afastado para ruas secundárias, nunca num centro turístico, onde as próprias mulheres arménias devem circular livremente e ser tratadas corretamente.
Infelizmente eu já tinha comido tudo quando esta criatura apareceu. Numa rua cheia de cães, de onde vem esta alma tão encardida?
Precisa o gato de comer, e preciso eu.
A minha sobremesa foram dois gelados destes, 150 drams cada (0,36€). São cones minúsculos.
São 14h27 e regresso ao estúdio.
Fiquei maldisposta com a descriminação no restaurante, e depois o caminho de regresso foi desagradável também – se não é feriado, parece. Há muito menos gente, está tudo parado, as lojas fechadas, passa-se alguma coisa.
Passei a tarde a estudar percursos, mapas, distâncias e localidades para visitar perto da Gyumri, na bicicleta. Estas coisas levam tempo. Fiz algum trabalho preparatório em Lisboa, mas só aqui – com as aplicações no telemóvel a funcionar, com a minha localização neste momento – é que consigo planear muitas das coisas.
À noite, como é hábito, a partir das 21h, começaram os relâmpagos e trovoadas. Iluminam-me o estúdio constantemente.
¹ Directory of cultural objects – Republic of Armenia (s.d.) “Gallery of Mariam and Eranuhi Aslamazyan Sisters”. Página consultada a 13 de agosto de 2024,
https://aslamazyan-sisters.mus.am/en/
²“The Aslamazyan Sisters” (s.d.), Google Arts & Culture / Yerevan Biennal Art Foundation. Página consultada a 13 de agosto de 2024,
https://artsandculture.google.com/story/the-aslamazyan-sisters-yerevan-biennial-art-foundation/SQUhiiOqp-Is3g?hl=it
³ The Editors of Encyclopaedia Britannica (s.d.), “Gyumri”. Encyclopaedia Britannica. Página consultada a 13 de agosto de 2024,
https://www.britannica.com/place/Gyumri
⁴ “Church of Seven Wounds” (s.d.). Storymaps Arcgis. Página consultada a 13 de agosto de 2024,
https://storymaps.arcgis.com/stories/fb3609eb894148dd9db4337d3683d47d