203 – Chegou a Hora de Partir

Foi uma questão que coloquei à agência de viagens, ainda estava eu em Portugal a planear a viagem: então eu saio do barco-casa de manhã, tenho o voo apenas ao final da tarde, vou andar a passear entretanto, muito provavelmente a transpirar, espera-me uma viagem de 24h fechada em aviões e aeroportos, e não mudo de roupa nem tomo banho?… Eles disseram-me para não me preocupar, que isso se arranjaria facilmente.
Certo.
E aqui vou eu com a roupa com que andei todo o dia, a andar de bicicleta inclusive. O que vale é que eu sou uma rapariga perfumada por natureza (riam-se, riam-se) e de facto não me causou grande transtorno. Nem a mim nem aos restantes passageiros que foram fechados comigo no avião. Afinal de contas tomei banho de manhã. Mas enfim. Quando cheguei a Portugal ia desesperada por um banho.

Esta foi a quarta foto tirada pelo motorista Thaha. Todas mal. Coitado do motorista Thaha, não tem talentos fotográficos, contrariamente ao Kailash que manuseava bem à vontade a câmera fotográfica. Devia estar nervoso, o Thaha, desejoso de ir-se embora. Mas mantive-a, é a única recordação do meu regresso em calções.
Este regresso foi atribulado, muito diferente da ida em que tudo foi linear. Para a Índia fui com a British Airways, para Lisboa voltei num voo da companhia indiana Kingfisher, até Bombaim, onde iria apanhar outro da British Airways para Londres. O voo da Kingfisher para Bombaim atrasou-se muito. A minha ligação para Londres ficou posta em causa, portanto. Querem ver que ainda vou passar uma noite forçada em Bombaim? A verdade seja dita: fui muito bem atendida pelos funcionários do balcão, os quais trataram de meter-me noutro voo às 19.30h. Paguei um bilhete de avião novo, e ficaram de reembolsar-me do antigo. Não sei porquê, não podiam fazer a troca direta. E foi depois uma peripécia autêntica conseguir o reembolso do bilhete do avião, só eu sei o que passei, já em Portugal. Meus amigos, o compromisso era reembolsarem-me e disseram que o faziam. Agora vão fazê-lo. Felizmente tive a ajuda inestimável da agência de viagens indiana, a qual se desdobrou em esforços para coordenar todos os três envolvidos: a Kingfisher, a British Airways (cada um remetia para o outro…) e a empresa online que me vendeu o bilhete. Enfim. Custou, mas foi: reembolsaram-me ao fim de dois meses. Era assunto para outras crónicas, estas andanças.

Um dos funcionários do aeroporto veio ter comigo, com muito maus modos, proibindo-me de tirar fotos ao avião. Falta-me a paciência para estes funcionários prepotentes de meia tigela. Eu já venho aborrecida com os atrasos dos voos e todas as jigajogas associadas; em todos os aeroportos da Índia e do mundo os turistas tiram fotos a entrar e a sair dos aviões, mas para este desgraçado (não é o que se vê na foto, é outro mais velho, carrancudo) será uma coisa muito melindrosa, não vá a foto servir para planear a colocação de uma bomba naquele avião em particular. Olha vontade não me falta, de facto. Pouca formação deste funcionário do aeroporto, portanto. Mais nenhum (neste aeroporto e nos outros da Índia por onde passei) quis saber das fotos e dos flashes. Mas enfim, deixa-me estar calada e ser obediente senão este ainda me tira a máquina e eu nunca mais chego a Portugal.

Isto de andar a viajar em aviões e aeroportos faz por si só umas crónicas, como dá para perceber pelo tamanho desta. Pois o aeroporto de Mumbai (Bombaim ou Mumbai é a mesma coisa) é algo completamente caótico. Nunca eu tinha estado num aeroporto assim. Basta dizer isto: aterrámos às 21.30h, e levei duas horas e meia – duas horas e meia, repito – para conseguir chegar ao gate 6, onde iria embarcar para Londres. Recordemos que Bombaim é a cidade mais populosa da Índia – e do mundo. No census de 2001 (disponível na crónica 42) a população era de doze milhões. Atualmente as estimativas apontam para catorze milhões. Dentro do autocarro estivemos uns quarenta minutos, se bem me recordo, parados em filas de trânsito (o autocarro que nos levava do avião para outro gate). Depois de sair do autocarro, fui andando com as bagagens por um mar de gente, parecia o metro na hora de ponta – todos apertados uns contra os outros. Isto ainda fora do aeroporto. Aqui não se anda: vai-se indo atrás dos outros, esperando que nos saiam da frente ao entrar para as respetivas portas. Era meia-noite quando finalmente cheguei ao gate 6. Eu ia calma e tranquila, e espanto-me sempre com o meu ar nas fotos, nos aeroportos, parece eu que estou contentíssima. Reparem que já mudei de roupa. Fui à casa de banho com a mala grande e troquei de roupa, agora estou de saia.
O meu voo era às duas e meia da manhã, tardíssimo (foi a minha sorte…) Ora eu habituada a deitar-me às 11 e a acordar às 5 ou 6 da manhã, ainda por cima não dormi nada na véspera com as picadas dos mosquitos – adormeci. Efetivamente acordei quando chamaram para o meu voo, no início. Mas seriam umas duzentas pessoas pelo menos, e estavam a chamar por ordem de lugares. Eu a cabecear de sono. Bom, só sei que quando acordei novamente já só estavam quatro pessoas na fila e tudo à volta deserto. Mais um pouco e acordaria com os altifalantes a chamar a passageira Rute Norte. Agarrei na mochila, dirigi-me ao balcão, entrei no avião, sentei-me, e aí vou eu para Londres.
Adeus Índia. E quero dormir.

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