167 – Descida & Tragédia do Gás de Bhopal
Vou descer as montanhas, e vou descer também no tema desta crónica: a tragédia do gás de Bhopal, ocorrida em 1984 no estado de Madhya Pradesh, no centro da Índia. Lia eu o jornal no outro dia, à hora de almoço, e recordei este tema. Falamos de empresas, falamos de negócios, falemos então das catástrofes que por vezes provocam.
Fica a notícia do jornal Expresso, escrita pelo jornalista e escritor indiano Suketu Mehta, que vive atualmente em Nova Iorque:
Na escola infantil de Bombaim onde o meu filho andava, as crianças nunca tinham de limpar nada quando se vinham embora: isso era trabalho dos serventes. Por isso, quando nos mudámos para Brooklyn gostei que os professores obrigassem as crianças a arrumar tudo ao fim do dia. “Hora da limpeza, hora da limpeza!”, cantava o meu filho de seis anos enquanto juntava alegremente as suas coisas. É uma bela tradição americana: limpar sempre a porcaria que se faz.
Passam agora 25 anos sobre a tragédia do gás de Bhopal, um mega-acidente industrial na Índia que começou numa noite, quando uma fábrica de pesticidas pertencente à gigante química americana Union Carbide deixou escapar uma nuvem de gás tóxico. Antes do sol nascer, quase 4.000 pessoas morreram. Mais de meio milhão adoeceram, muitos com os pulmões e os olhos afetados.
Desde então, mais 15.000 pessoas morreram devido aos efeitos secundários e diz-se que há mais 10 a 30 mortes mensais devido à exposição às centenas de toneladas de resíduos tóxicos abandonados na antiga fábrica. Mas, surpreendentemente, o local ainda não foi limpo, porque a Dow Chemical, que posteriormente comprou a Union Carbide, se recusa a assumir qualquer responsabilidade. O lençol freático está contaminado; as crianças e os sobreviventes sofrem de anomalias genéticas; e as vítimas há muito que esgotaram as suas miseráveis indemnizações e andam a pedir esmola.
Estive em Bhopal e vi a devastação pós-apocalíptica. Vi os doentes. Vi as fábricas. O isocianato de metilo é um produto químico altamente mortífero, utilizado para matar insetos. A noite em que 40 toneladas deste produto se libertaram da fábrica é, para os sobreviventes, um ponto de viragem no tempo, marcando o antes e o depois nas suas vidas. Continuam a falar sobre o “gás” como se fosse um organismo que conhecem bem – como matou búfalos e porcos mas poupou as aves de capoeira; como se deslocou para Jahangirabad e Hamidia Road, ignorando outras partes da cidade; como se agarrou à terra húmida em alguns locais mas pairou a meia altura noutros.¹
(Continua).
Borboleta “bluebottle” (ensinou-me o Senthal…)
¹ Mehta, Suketa (2009), “19 mil mortos – 25 anos depois, a contaminação continua”. Expresso, 12 de Dezembro, p. 22 do Primeiro Caderno.