132 – Chegada a Agra

Estou no 19º dia de viagem. Já deu para conhecer muitas coisas. E saber outras tantas. Quem tiver a paciência de ler todos os textos, já saberá mesmo alguma coisa da Índia. O que começou quase como uma brincadeira – o Nirodh e o seu vídeo divertido no YouTube – transformou-se afinal num assunto grave e sério. Após estas várias crónicas apercebemo-nos da sua real importância, e o porquê do governo indiano gastar fortunas durante décadas, bem como empenhar todos os esforços logísticos e administrativos, neste país gigante, para implementar o seu uso. Não é só o controlo da natalidade que está em jogo (e a SIDA, que por enquanto tem uma incidência percentual baixa). São as mentalidades. Os dotes. O infanticídio e feticídio femininos. E depois o drama dos casamentos: há que raptar noivas, há que importar noivas de outras terras – sem conhecerem a língua, a cultura, a alimentação, os hábitos.

As leis são implementadas, mas as tradições são mais fortes. Proibiram-se as castas, mas elas continuam. Proibiram-se os dotes em 1961, mas eles continuam. As leis definem direitos hereditários iguais para os filhos de ambos os sexos, mas na prática só os rapazes herdam. A população das cidades evoluiu, mas esta representa apenas 30% do total (ver crónica 37 com detalhes). São 1 bilião e duzentos milhões de pessoas. E desses 30% urbanos apenas uma minoria pertencerá à classe média ou alta, com alguma educação e com outro tipo de comportamentos. O motorista Kailash, por exemplo. Não liga a turbantes, não liga a castas, tem o seu emprego, a sua família, tem os filhos a estudar na escola e preocupa-se com as vagas nos empregos, para eles, contou-me. Tem uma vida como a nossa, ocidentais. Então e os outros 800 milhões de pessoas?
Agarram-se com unhas e dentes ao pouco que têm. As castas são uma defesa. São mais de duas mil: eu sou pobre, mas depois de mim ainda existem outros mais pobres. Eu sou de uma casta baixa, mas depois de mim ainda existem castas mais baixas. Dispensar o dote? O meu filho vai casar-se, os pais dela vão pagar as despesas e ainda têm de dar-me um dote. Claro que não abdico do dote. É a nossa chance de ter algo mais na vida, de comprar algumas coisas, e de o meu filho ficar melhor. O que eu não tenho, tiro aos outros.

O dote não foi pago?
“Mais de 5.000 mulheres são mortas todos os anos porque os seus sogros consideram os dotes inadequados. Uma pequena percentagem destes homicídios são trazidos à justiça”.¹

5.000 mulheres mortas todos os anos porque os sogros não estão satisfeitos com o dote recebido.

Este aglomerado de pessoas cortou o trânsito durante um quarto de hora. Eu fiquei dentro do jipe e o Kailash foi a pé um pouco mais à frente, fazer não sei o quê. Perdi-o de vista inclusivamente. Quando voltou informou-me que era uma greve dos funcionários desta empresa, que se vê na foto, por não lhes pagarem os salários.

Entrada no hotel em Agra sob fortes medidas de segurança. Dois seguranças revistaram-nos o carro e observaram com espelhos se trazíamos algo escondido na parte de baixo da viatura. Pois é, estamos em Agra, terra do Taj Mahal, os atentados terroristas aqui são um chamariz.


¹ UNICEF Information Newsline (2000) “Executive Director targets, violence against women”, CF/DOC/PR/2000/17. Página consultada a 8 de Dezembro de 2009,
<http://www.unicef.org/newsline/00pr17.htm>.

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