120 – O Maior Canhão do Mundo

Fiquemos agora com uma notícia do Wall Street Journal:
INDERGARH, India – General Electric Co. e outras companhias venderam tantas máquinas de ultrasom na Índia que os testes estão agora disponíveis em pequenas cidades como esta. Não existe água potável, a eletricidade é rara e as estradas transformam-se em lama após as chuvadas de Março. Um scanner custa normalmente 8 dólares, ou uma semana de salário.¹

E mais outra da BBC News:
Há um problema que a prosperidade atual da Índia está a agravar. Eu vi isto com os meus próprios olhos, num hospital do Punjab, onde filmámos uma jovem mãe a dar à luz, com a ajuda de um bisturi de cirurgião, a sua segunda filha. A cesariana foi um sucesso completo, e a chegada segura de tão bonita fonte de vida deveria ter sido recebida com alegria descomplicada. Mas a mãe tinha falhado uma vez mais em fornecer ao marido um filho e herdeiro, pelo que se tornou numa ocasião singularmente triste. Entregue a pequena menina, que ainda nem 10 minutos tinha, as mulheres da família mostravam desaprovação e tinham um ar tenso, ansiosas talvez sobre a forma como iriam dar a notícia aos homens da família, que nem sequer foram ao hospital. Na sala da maternidade uns minutos mais tarde, uma das senhoras perguntou-me – a irmã da mãe, penso – se nós gostaríamos de dar um nome à bebé. Nós não quisemos, claro. Então colocaram-nos um ainda mais extraordinário pedido: se queríamos ficar com a bebé, não apenas agarrar, mas ficar com ela?
Noutros tempos, ela poderia ser morta. Para esta próspera família do Punjab, nós apresentávamos uma forma menos selvagem de se verem livres da criança.
Na Índia moderna, a seleção do sexo, a prática comum de interromper a gravidez de fetos femininos antes do nascimento, vai a par de um cálculo bem diferente e perturbante: a riqueza crescente traz consigo o acesso crescente aos ultrasons e sonogramas pré-natais.
As novas tecnologias que estão agora mais disponíveis na Índia, e na base do seu crescimento económico, estão também a alimentar o feticídio.

De acordo com um estudo da UNICEF, está a nascer atualmente uma maior percentagem de rapazes do que há dez anos atrás em 80% dos distritos indianos. Só no mês passado no estado de Orissa, os crânios de 40 fetos femininos e recém-nascidas foram descobertos num poço abandonado. Ainda mais alarmante é o facto de a selecção por sexo ser maior nas zonas mais ricas do país: Punjab, Haryana, Gujarat. No Punjab do norte, por exemplo, existem apenas 798 raparigas abaixo dos seis anos de idade, por cada 1.000 rapazes. A média nacional é de 927.
Apesar de ser um ato ilegal na Índia um médico revelar o sexo da criança antes de nascer, a lei raramente é aplicada. Nos últimos 20 anos, estima-se que cerca de 10 milhões de fetos femininos tenham sido abortados.
As raparigas não são desejadas pelo facto de serem encaradas como um fardo financeiro. As terras que os pais possuem passam para os sogros, e os dotes, que são eles próprios ilegais, desviam o dinheiro das famílias.
“Para quê pagar 50.000 rupias aos nossos sogros, se podemos pagar 500 rupias por um aborto? Nem sequer é preciso sair de casa.”
Muitos médicos sem escrúpulos transportam equipamentos portáteis de ultrassons nos porta-bagagens dos seus carros. A crescente liberdade de consumo é uma das diferenças da nova Índia. Tragicamente está a ser aplicada, quase com eficiência industrial, na redução do ratio de nascimentos femininos.²

Jal Mahal, que significa “Palácio da Água”. Foi construído em 1799 como palácio de verão da família real. Atualmente está abandonado, e existem projetos em vista para transformá-lo, bem como ao Palácio do Vento (crónica 114), num hotel.


¹ The Wall Street Journal (2007), “India’s Skewed Sex Ratio Puts GE Sales in Spotlight”, 18 de Abril. Página consultada a 29 de Novembro de 2009,
<http://online.wsj.com/article/SB117683530238872926-search.html?KEYWORDS=feticide&COLLECTION=wsjie/6month>.

² Bryant, Nick (2007), “Girls at risk amid India’s prosperity”, BBC News, 18 de Agosto. Página consultada a 29 de Novembro de 2009, <http://news.bbc.co.uk/2/hi/6934540.stm>.

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