124 – Nas Ruas de Jaipur

Muniamma e Krishnan eram dois trabalhadores agrícolas que viviam e trabalhavam em Kolasinahalli. O presidente e o vice-presidente do panchayat (câmara) registaram um caso de infanticídio feminino contra eles, quando a sua terceira filha morreu poucas horas depois de ter nascido. Um exame post-mortem do corpo, o qual foi exumado, revelou que tinha sido dado um sedativo ao bebé, um método benigno, mas detetável, de assassínio.
Evitar a deteção, portanto, tornou-se tão importante como o próprio ato de matar, particularmente quando a cremação suscitava suspeitas, sendo o enterro a prática comum.
Infelizmente, o ubíquo scanner que é responsável pelo massacre em massa de fetos femininos no Punjab e em Haryana, também encontrou caminho nesta zona. Um scanner para determinar o sexo pode custar qualquer coisa de 300 rupias para cima. O pacote completo, incluindo o aborto do feto, custa cerca de 7.000 rupias. Mas muitas das mulheres com quem falei admitiram francamente que não se podiam dar ao “luxo”. Era mais rápido matar a criança depois de nascer.
Em Krishnagiri, tentei falar com uma médica. A maior parte das mulheres disseram-me que ela fazia abortos seletivos por sexo. Uma das mulheres que conheci mostrou-me mesmo o resultado do seu scanner, com um pequeno F garatujado no canto. Ela não podia pagar o aborto. Felizmente, a enfermeira da vila persuadiu-a a ficar com a sua terceira filha, a qual tem hoje quatro meses de idade.
Esta ginecologista dirigia uma próspera clínica e estava politicamente bem relacionada. Obviamente não quis falar. Sobretudo quando já estava a enfrentar um processo levado a tribunal por um homem que perdera a sua mulher durante um destes procedimentos ilegais. No momento em que o meu colega jornalista e eu apresentámos os nossos cartões, ela pôs o marido ao telefone e começou a ameaçar-nos antes mesmo de conseguirmos colocar qualquer questão!

O infanticídio feminino é prevalecente em determinadas áreas do país, apesar de ser talvez mais bem documentado em Tamil Nadu. Em partes do Gujarat, soube-se que mães afogaram as suas meninas recém-nascidas em leite. No Rajastão existem vilas inteiras onde não nasceu nenhuma rapariga em décadas. Quanto ao feticídio feminino, está tão espalhado que em algumas vilas do interior do Punjab e de Haryana, dizem que o scanner portátil é mais fácil de encontrar do que água potável! Em Andhra Pradesh, mulheres tribais têm vendido as suas bebés a agentes pouco escrupulosos. A lista é interminável.

Mas quando se começa a cair numa depressão, chegam as boas notícias.
Em 1993, conheci Chinnathayye, uma mulher simples, que salvou as bebés gémeas da sua filha Janaki de 15 anos, depois de ter ouvido as assistentes sociais do ICCW (Indian Council for Child Welfare). A viúva, sem nenhum dinheiro, enfrentou forte oposição por parte dos sogros da filha, que se recusavam a receber a Janaki de volta se ela ficasse com as bebés. Contudo ela não se deixou persuadir. Depois do parto de Janaki no hospital, Chinnathayye trouxe as bebés para a sua cabana, de autocarro, transportando-as num saco de pano do supermercado. Criou-as até os sogros da filha cederem e aceitarem-na de volta. [Ver foto no link abaixo, da bibliografia].
Em Salem, Sheela Rani Chungat, da IAS (Indian Administrative Service) levou-me a casa de Vijaya, que trabalhava numa loja de animais de estimação, e a qual ficou com a sua quarta filha após ter assistido a uma peça de rua sobre os demónios do infanticídio. Em Dharmapuri, na pensão onde ficámos, muitas mulheres vieram orgulhosamente mostrar as bebés que tinham mantido depois de terem visto as peças organizadas pelo projeto Danida.
Também conheci Sarojini, uma enfermeira que salvou centenas de crianças nas vilas onde trabalhou durante 15 anos. Levou vários anos até conquistar a confiança das pessoas. Mas mesmo hoje, todavia, ela tem de caminhar sobre vidro enquanto tenta salvar bebés do sexo feminino.
Os dilemas continuam… Pode uma mulher que não tem poder sobre a sua barriga ser alcunhada de assassina? Tem uma mulher o direito de vender a sua criança porque antevê uma melhor vida para ela? É melhor apagar uma vida do que deixá-la viver na pobreza e misérias abjetas? ¹


¹ Aravamudan, Gita (2001), “Born to Die”, Rediff.com, 24 de Outubro. Página consultada a 2 de Dezembro de 2009, <http://www.rediff.com/news/2001/oct/24spec.htm>.

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