086 – Entrou-nos um Fantasma Branco pela Casa Adentro

Arranquei de Jodhpur às 9 da manhã. Tarde, para meu gosto. Combinei com o Kailash que doravante partiríamos às 7.
Estou no 13º dia de viagem.

Pagámos quinze rupias de portagem. Com o câmbio a 64,4, foram 23 cêntimos. E tínhamos de ir mostrando o bilhete nas portagens seguintes.

O motorista do camião, um rapaz novo, foi muito devagar e a acenar-me, à espera que eu tirasse as fotos. Está uma luminosidade muito difícil, tive de regular vários parâmetros da câmera. Até ele virar por completo, esta foi a que melhor se aproveitou. Ele ficou contente por eu lhe tirar tantas fotos, fez-me adeus e eu também lhe acenei. O Kailash esperava no carro. (Foi mais uma das vezes em que saí porta fora, a correr; ele já estava habituado).

Apeteceu-me ir de bicicleta, agora. Já saímos de Jodhpur, já deixámos o trânsito infernal. São dez e um quarto da manhã, ainda só fazem 40 graus. (Riam-se, podem-se rir…) Andei assim uma hora de bicicleta, fiz cerca de 15 km, e bebi uma garrafa de água de litro e meio.
Durante esta hora fui fazendo pequenas pausas, tanto mais não fosse para beber água, mas era extremamente difícil encontrar uma sombra. Dá para se aperceberem pelas fotos que não existem grandes sombras. O sol já estava a pique, ademais.

No final dessa hora, onze e um quarto da manhã, eu precisava mesmo de descansar e de sair debaixo do sol ardente. Fui pedalando, pedalando. Tudo deserto. Não há árvores, não há nada. Sempre a andar estrada fora. O Kailash vinha uns minutos depois, atrás de mim. Mas mesmo para guardar a bicicleta – para voltar a pô-la no tejadilho do carro – convinha ter uma sombra.
Nada.
Esta terra não tem sombras.
E eu preciso de parar.
Eu preciso de uma sombra, e preciso de beber água, e preciso de descansar.

A única coisa que me apareceu pela frente foi esta casa.
Estava tudo silencioso e deserto, não pensem que estava esta multidão que se vê na foto.
Meus amigos, ou morro aqui assada, ou entro para dentro de vossa casa.

E entrei. Encostei a bicicleta à parede e entrei, quase a correr.

Estavam dois homens a dormir nas camas já nossas conhecidas (ver crónica 54), logo na primeira divisão da casa, de porta aberta. Nem me detive. Preciso de beber água, não quero saber de mais nada, quero é água. E tirei a garrafa de água da bolsa que trazia à cintura e bebi, bebi sem parar, em pé.
Os homens claro que acordaram e olhavam-me, espantados. Mas quem é esta?…

Felizmente chegou o Kailash, entretanto, que se apercebeu que eu estava ali pela bicicleta encostada à parede. E eles entenderam-se, lá falaram hindi uns com os outros. Não, eu não sou nenhuma extraterrestre branca, aparecida do nada, eu venho de bicicleta em passeio, venho de Portugal… Sou portuguesa!
Como já era hábito, apareceu uma porção de gente vinda não sei de onde. Foi um acontecimento, pois claro. Aqui não acontece nada. É uma estrada deserta com casas dispersas. Entrar-lhes alguém assim, pela casa adentro, deverá ficar na história. No sofá à porta está o Kailash sentado. Puseram-lhe o sofá à porta para ele descansar. Eu não me quis sentar, andei a trocar algumas (poucas) palavras em inglês com a rapaziada nova, que sempre conhecem algum vocabulário.

Fiz mais dois ou três quilómetros, na bicicleta, depois de recuperada, mas rapidamente desisti. Já faz muito calor. O sol queima-me os braços e as pernas.
A bicicleta teve de ser guardada ao sol, no tejadilho do carro, operação que deixou o Kailash todo transpirado. Um autocarro passou nessa altura por nós e atiraram este papel que tenho na mão. Faz publicidade a uma escola toda avançada, com computadores e meios audiovisuais.

<< >>