068 – Almoço e Jeep Safari
Para se ter consciência do que estamos a falar, seguem dois textos sobre os intocáveis e o seu modo de vida. Um retirado da BBC News, o outro de um artigo do Unesco Courier.
Vítimas das cheias enfrentam a descriminação de castas
Centenas de milhares de pessoas continuam desalojadas, depois das cheias terem afetado o estado indiano de Bihar, no mês passado. Algumas das vítimas enfrentam dificuldades adicionais por serem membros da casta inferior dalit. Rajan Khosla, da organização de beneficência Ajuda Cristã, tem-se encontrado com alguns deles na vila de Mirzawaa, onde 500 famílias vivem em abrigos temporários.
“Deixem-me nascer novamente como animal, em vez de harijan (dalit). Nós enfrentamos mais humilhação do que eles”, diz Tetar Rishidev, um dalit da vila de Mirzawaa, no distrito de Supaul.
Após as cheias em Bihar, milhões de pessoas perderam as suas casas, bens e mesmo membros da família. Mas para os dalits de Bihar ainda existe mais miséria: o sistema de castas.
Na vila de Mirzawaa, Sakal Sadah é um dalit. Hoje – fora do que é hábito – está feliz. Há uma distribuição de alimentos e a sua família conseguirá comida. Os seus filhos têm sobrevivido com algumas sobras de arroz uma vez por dia.
Sakal Sadah é um trabalhador agrícola, sem terras próprias, e ganha cerca de 40 rupias (80 cêntimos) por 12h de trabalho diário. Agora ele está preocupado: “Onde vou arranjar trabalho agora? Por todo o lado há água. Ninguém me vai empregar, sou um harijan”.
Centenas de famílias dalit estão na mesma situação que Sakal: foram os mais afetados pelas inundações de Bihar. Nesta emergência, quando devia ser fornecida comida a todos, é negado o acesso a determinados grupos. A grave situação destas comunidades nas áreas rurais, remotas, é muito séria, especialmente no estado feudal de Bihar.
Asdev Sadah, um dalit idoso, ficou para trás para guardar a casa do seu patrão, de classe superior. “Eu costumava trabalhar nos campos”, disse ele. “Eles queriam que eu ficasse a tomar conta da sua casa e dos seus pertences. Eu tenho de fazê-lo. Eles darão comida e trabalho à minha família assim que voltarem”. “Nada restou em minha casa – porque era feita de lama já está destruída. A casa do meu malik (patrão) é forte e eles têm coisas guardadas dentro”.
Parece estranha a sociedade aquela onde um homem idoso fica para trás, sem comida ou abrigo, assumindo inúmeros riscos para guardar a casa do seu senhor feudal. Mas Asdev sabe bem que nesta sociedade segregada, não existe outro sistema de sustento para si e para a sua família.
O campo de auxílio na Escola Sabela em Madhepura é dirigida por uma das organizações parceiras da Ajuda Cristã, que estão a fazer tudo o que podem para ajudar. Foi montado porque os organizadores sabiam da existência de muitas vilas dalit na área.
Conheci Jamuna Devi e Puliya Musamaar aqui. Eles disseram-me que não lhes era permitido usar a bomba de água porque pertencia às pessoas da casta superior.
As mesmas pessoas da casta superior também pediram aos organizadores do campo de auxílio que removessem os desalojados dali pois como dalits iriam contaminar todo o local. O seu pedido foi recusado.
(…)
Perguntei a uma das agências humanitárias que dirigiam outro campo de auxílio se eles teriam um cozinheiro dalit.
A sua resposta foi negativa. Achavam que nem toda a gente comeria alimentos cozinhados por dalits.
A Ajuda Cristã e organizações parceiras estão a incluir dois dalits nas suas equipas de cozinha, nos campos de auxílio que dirigem – assim assegurando que eles não são excluídos. (…)”¹
(Continua nas próximas crónicas).
O almoço hoje é “Lacha Parantha” mais “Jungli Mass”. Carne de borrego muitíssimo tenra e saborosa. E resolvi que não queria comer no restaurante. Uma vez mais era a única hóspede deste bonito forte construído em 1622 (apenas à noite chegou um autocarro pullman com uns 15 ou 20 franceses, que me fixaram insistentemente quando na manhã seguinte me viram sair do forte, sozinha, de bicicleta, enquanto eles esperavam, qual rebanho de ovelhas, pelo autocarro) e comer nestas circunstâncias no restaurante não tem qualquer piada. Aliás, já estou habituada a comer onde bem me apetece, nestes históricos fortes. Nem me colocaram qualquer problema, pelo contrário: incitaram-me a escolher o local onde queria almoçar. Então andei à procura, passei pelo jardim, até finalmente me decidir por este alpendre, frente àquele, que nem condições tem para almoçar, mas lá nos desenrascámos, eu e o empregado que me seguia.
Já basta uma pessoa ter de sujeitar-se quando os hotéis estão atolados de gente. Agora, meus amigos, estou sozinha e faço o que me dá na real gana.
Excrementos secos de vaca, que servem como combustível.
¹ BBC News (2008), “Flood victims face caste discrimination”, 12 de Setembro. Página consultada a 27 de Setembro de 2009, <http://news.bbc.co.uk/2/hi/south_asia/7610999.stm>