067 – Chegada ao Forte de Rohet Garh

Regressemos ao tema da felicidade na Índia (que, descansem, não é a dos turistas, como as imagens do forte de Rohetgarh sugerem).
Na crónica 51 deixei em suspenso um tema muito delicado e por demais conflituoso:

  • As castas na Índia.

Este talvez devesse ter sido um dos primeiros temas a abordar nestas crónicas. De facto tem estado omnipresente desde que cheguei à Índia, apesar de não me ter manifestado sobre ele. Já desde os tempos da universidade, quando tive oportunidade de estudar a divisão social em castas, na Índia, que o tema me causa assombro. E desde que cheguei a este país que olho para as pessoas e pergunto-me, Qual será a sua casta? Pela miséria de alguns, pressuponho de imediato que pertencerão aos funestos “intocáveis”. Estremeço só de pensar nesta famigerada divisão social.

Vamos a isto, então.
Nós, na nossa sociedade liberal, vivemos numa cultura onde qualquer um pode ascender em termos sociais e económicos por livre-iniciativa, através do estudo e/ou da riqueza acumulada. Contudo, na Índia, trabalho e riqueza são parâmetros insuficientes para definir a posição social de um indivíduo. Aqui, o chamado regime de castas utiliza critérios de natureza religiosa e hereditária para formar os seus grupos sociais. Quais são eles?
As quatro castas mais importantes originaram-se da estrutura do corpo do deus Brahma:

  1. Brâmanes: sacerdotes e letrados; nasceram da cabeça de Brahma.
  2. Kshatriyas (ou Rajputs, como são geralmente chamados no noroeste da Índia): guerreiros e governantes, vindos dos braços de Brahma.
  3. Vaishyas: comerciantes, pastores e agricultores, vindos das pernas de Brahma.
  4. Sudras: camponeses, artesãos e operários; vindos dos pés de Brahma.

Com o passar do tempo, ocorreram centenas de subdivisões, que não param de se multiplicar.
Relegados desta civilizada sociedade hindu estão os dalits, que vieram da poeira debaixo dos pés de Brahma e que recebem apenas os serviços considerados impuros ou imundos, geralmente associados com os mortos ou com excrementos: tratam de tarefas como a limpeza de fezes ou urina, lidam com os cadáveres, não podem beber água na mesma corrente de água, não lhes é permitido entrar nos templos, nem mesmo tocar, com sua sombra, um indivíduo pertencente a qualquer casta. Se o fizer, este indivíduo fica poluído e terá de submeter-se a uma série de rituais de purificação de forma a voltar ao estado “normal”.
São os intocáveis, ou como lhes chamava Gandhi, quem muito lutou pela sua emancipação – “harijans” – filhos do deus Hari Vishnu, ou simplesmente “filhos de deus”.

Cada casta é endógama, isto é, os integrantes só podem casar-se com pessoas da sua própria casta. Existem várias maneiras de se identificar a casta de uma pessoa, sendo a mais comum a identificação pelo sobrenome. Porém outros critérios podem ser utilizados: a região geográfica, a indumentária, os dialetos falados ou até mesmo a própria dieta da pessoa.

Em alguns casos, as pessoas ignoram o sistema assumindo todos os riscos. Um exemplo disso foram as mortes de dois adolescentes, enforcados pelos habitantes da vila de Uttar Pradesh (no norte do país) pelo facto de serem de castas diferentes e de namorarem¹. Lembremos os resultados da sondagem apresentada na 40ª crónica: 76% da população considera inaceitável um casamento entre duas castas diferentes.

(Continua na próxima crónica).


¹ BBC Brasil (2001), “Castas da Índia vão a debate na Conferência da ONU sobre Racismo”, 30 de Agosto. Página consultada a 14 de Setembro de 2009, <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2001/010829_racismocastas.shtml>

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