063 – Na Quinta de Thakur Inder Singh (II)
Aproveitemos os últimos momentos de indolência e languidez no cenário bucólico da quinta, para falar de algo igualmente lânguido e que já estava prometido desde a crónica 55: os dois músicos indianos que faltam. Os tais que conheço, e consequentemente posso falar acerca de. Nem quero imaginar quantos génios musicais deixo de fora, nestas nossas crónicas, na minha ignorância, mas repito o que já disse: venham eles. Mostrem-me. Ensinem-me.
Ora nessa crónica 55, se bem se recordam, falei do grande Ravi Shankar, e da sua filha Anoushka Shankar.
Hoje vou falar de Ram Narayan e de Susheela Raman. O primeiro conheci há pouco tempo, já depois de regressar da Índia. Estava a dar na estação de rádio “Antena 2”. Mas que doce som é este?…, e peguei na caneta para anotar o nome, no final.
Ram Narayan nasceu em 1927 em Udaipur. Desta vez conhecemos a sua terra, e não esquecerei a bela viagem de comboio para lá chegar… Ram Narayan é um especialista em sarangi, um instrumento de cordas difícil e antigo, na música clássica indiana. A palavra sarangi deriva de outras duas na língua hindi: “sau” (que significa “cem”) e “rang” (que significa “cores”). Ou seja, pretende dizer que o som do sarangi é tão expressivo e evocativo como cem cores.
Ram Narayan descende igualmente, tal com os Shankars, de uma família ligada às artes, e mais exatamente à música. O seu tetravô era cantor, e juntamente com o filho (bisavô de Narayan) cantavam e tocavam na corte do Marajá de Udaipur. Também o seu avô e o seu pai eram cantores, além de agricultores.
Ao contrário de Ravi Shankar, todavia, Ram Narayan foi casado apenas uma vez (até hoje). A sua mulher, Sheela, dona-de-casa, morreu em 2001. Tiveram quatro filhos, três dos quais também músicos. Ram Narayan deu inclusivamente um concerto com três elementos da sua família: o filho mais velho Brij Narayan, a única filha, Aruna Narayan Kalle, e ainda o filho do primeiro, o seu neto Harsh Narayan. Ram Narayan atingiu o sucesso internacional, tendo sido aliás mais reconhecido no estrangeiro, onde ganhou estabilidade financeira, do que no próprio país de origem.
Enquanto escrevo esta crónica ouço um dos seus discos: “A Arte do Sarangi”, de 1998. Melodioso e lírico – são as palavras que me ocorrem para a doçura e suavidade do sarangi.
Mudemos de ritmos, porém. Mudemos radicalmente.
Vamos para Susheela Raman.
Nasceu em 1973 em Londres, filha de pais indianos que emigraram nos anos 1960. Os pais são do estado de Tamil Nadu, um dos mais desenvolvidos da Índia, e que se localiza no extremo sul do subcontinente. Hei de passar ao lado, no estado vizinho de Kerala, lá mais para a frente nesta viagem.
Susheela Raman transporta assim consigo uma cultura tamil, existente pelo menos desde 1.500 A.C., com uma língua própria – o tamil – utilizado em inscrições e em literatura há 2.500 anos. No início da sua carreira, Susheela Raman cantava música clássica indiana, tendo os pais estimulado a filha no sentido de se dedicar e orgulhar da sua cultura tamil.
Com 4 anos de idade, os pais mudaram-se para a Austrália. Em adolescente formou a sua banda, com ritmos bem diferentes, todavia, virados para o funk e o rock & roll, inicialmente, e depois para o blues e o jazz. Sentindo-se insatisfeita, em 1995 viajou para a Índia com o objetivo de redescobrir as suas raízes, tendo estudado música carnática – a música clássica do sul da Índia, com mestres indianos consagrados.
Em 1997 regressa a Londres, onde vive atualmente, e em 2001 lança o seu primeiro álbum: “Salt Rain”. Nele se verifica uma adaptação das canções carnáticas que Susheela cantava quando era mais nova, particularmente de dois autores do século XVIII, Tyagaraja e Dikshitar, aos novos ritmos ocidentais. A sua originalidade transformou-o de imediato num grande sucesso, tendo sido disco de ouro em França e nomeado para o Mercury Music Prize.
O seu segundo álbum, “Love Trap” mantém a qualidade, mostrando uma criadora firme e talentosa, e o terceiro, em 2005, “Music for Crocodiles” continua a ser parte cantado em inglês, mas gravado na Índia e mantendo os músicos indianos.
Ouçam os seus discos – aconselho vivamente – sobretudo pelos ritmos mais ocidentais que contêm para quem não está habituado à música puramente indiana, e render-se-ão com certeza à sua sensualidade. E desta vez conseguimos perceber algumas letras, as cantadas em inglês: “Your body is a love trap / I can’t say where I end and where you begin / I just want to make love to you night and day” – é uma delas, do álbum “Love Trap”. Só por aí se vê o que a casa gasta. Esta percebemos nós, que está em inglês, seria interessante saber o que dizem as indianas. Não se esqueçam que o Kamasutra teve origem na Índia. A palavra vem do sânscrito.
Kamasutra – temos aqui um tema interessante para uma das próximas crónicas, calculo. Nessa se calhar posso escrever um grande texto, com descrições detalhadas, que ninguém se vai queixar de falta de tempo para o ler; é curiosa, a mente humana…
Fica um website para ambos:
Ram Narayan: https://en.wikipedia.org/wiki/Ram_Narayan
Susheela Raman: http://www.susheelaraman.com/