064 – Passeio Noturno de Bicicleta
Outra aventura. Foi das raras vezes que andei de bicicleta à noite, na Índia. Senti-me perfeitamente protegida: era uma terra pequena e eu era hóspede do Thakur Inder Singh. É algo completamente descabido, imaginar que me fariam mal numa aldeia, e ainda por cima “protégée” do Thakur.
E porque foi então uma aventura? Por dois motivos:
Primeiro, porque não via patavina à minha frente, muitas das vezes. A ponto de uma camioneta que estava estacionada ter acendido as luzes só para eu ver o caminho, senão ainda ia contra eles. Nem sabia onde virava a rua, quanto mais quem estava ali estacionado. O meu receio era atropelar alguém, ou ir contra uma vaca. Ela podia não gostar e uma marrada daqueles cornos enormes não deve ser brincadeira.
Segundo, porque já tomei o gosto a entrar nas casas das pessoas, e aqui mantive a proeza. Também vos digo: não sei quem ficava mais contente, se eu (por ser convidada, e entrar logo, claro) ou se as pessoas (por me convidarem e eu entrar de imediato, sem me fazer rogada). Era uma festa autêntica, reunia-se logo muita gente. Já começo a estar habituada. A bicicleta ficava à porta, e por esta eu receava um pouco, não por ma roubarem, mas por estragarem algo com a curiosidade de experimentá-la. Ah pois, ainda falta essa: não era só eu, como turista, que suscitava a curiosidade, era também a bicicleta. Para nós é um modelo normalíssimo, todavia na Índia muitas pessoas nunca tinham visto sequer uma com mudanças. Por vezes pediam-me para eu andar e mostrar-lhes como mudavam. É que se me estragassem a bicicleta nem teria onde arranjá-la, nem poderia encontrar facilmente outra idêntica. Esta veio de Delhi e pertence à agência de viagens. E andar na Índia sem bicicleta não é a mesma coisa…
Parece que está tudo iluminado, mas não está – foi o flash da máquina que me fez descobrir que estavam ali oito pessoas e uma vaca. Não há iluminação nas ruas, claro, já é uma sorte ter eletricidade dentro de casa, quanto mais exterior.
Aqui estou eu a ser apaparicada por este grupo de mulheres. Queriam que eu comesse com elas. Infelizmente não pude, como já é sabido. E a cara que estou a fazer deve-se ao facto de o rapaz que está a tirar a foto já ir na terceira ou quarta tentativa. Não se entendia com a máquina. A questão é que ele tinha de pressionar o botão durante algum tempo. Se clicasse apenas uma vez, rapidamente, a máquina disparava uma luz, mas era apenas para conseguir ver e focar. Ora convenciam-se todos de que já tinha tirado a foto. Agora vejam bem: como explicar que ele tinha de manter o dedo a pressionar o botão, durante algum tempo? Sim, digam-me lá como se explica isto? Eu não falo hindi, eles não falam inglês. O rapaz, coitado, bem que clicava no botão certo, mas a foto não havia maneira de sair. E depois, também, fazê-los perceber que não há foto. A luz que viram é apenas para focar. Enfim, o que é certo é que a foto saiu. E eu fiquei ensinada a não fazer caretas, mesmo que vá na trigésima tentativa… há que sorrir ou pelo menos pôr um ar mais normal. A senhora ao meu lado ficou a sorrir, ainda aguentou os dez flashes que levou antes daquele… Valente e sempre composta, é assim mesmo.
Fui-me metendo com as pessoas, parei à porta de outras, algumas sabiam algumas palavras em inglês. Bastava eu parar que vinham logo ter comigo. De vez em quando eu repetia a minha brincadeira de imitar as suas palavras, muito rapidamente, às vezes frases inteiras. Olhavam para mim, em silêncio, tentando perceber o que eu disse. E eu a olhar para eles, a ver se me tinha saído bem. Afinal de contas eu devia imitar algumas sílabas bem, não? Eles portanto perceberiam uma palavra ou duas, mas o resto era tudo mal dito, e eles bem que tentavam deslindar a minha estranha pronúncia indiana, até perceberem, uma vez mais, que eu estava a brincar, e desatarmos todos a rir à gargalhada.