128 – Mercado Caprino & Tráfico de Noivas
Porquê tanto cuidado com a origem da informação sobre o “aata-saata”, explicado na última crónica, poderão perguntar.
Porque desconfio da notícia. Ou pelo menos desconfio da sua importância – não da fidedignidade, porque sim, o aata-saata existe, mas pela informação que se consegue investigar rapidamente, a maioria das vezes o que existe é a busca de mulheres noutras povoações. E também raptos. Esse simples e benéfico sistema de troca de irmãs e irmãos para casamentos pode ser demasiado simplista. Às vezes as coisas complicam-se. Toma lá a minha irmãzinha, dá cá a tua. Era bom demais. A riqueza mantinha-se com as famílias (leva um dote, mas ganha outro – ou então nem há dotes, ficam em condições iguais) e vivem todos felizes.
Simplesmente existem 30 milhões de mulheres a menos. Não há troca possível, com esta disparidade. O sistema do aata-saata é positivo, sim, dentro de uma muito pequena escala. Sempre estimula o nascimento de mais raparigas, e contorna-se desta forma o sistema dos dotes – proibidos por lei, conforme referido atrás, mas que na prática continuam em vigor. Tal como as castas.
De facto os valores dos vários census já revelaram a mudança, se bem que ligeira: no census de 1991, o sex-ratio era de 927/1000. No de 2001 já era de 933/1000. Sempre são seis milhões de mulheres.
Desta falta de mulheres podia esperar-se que os termos da negociação para um casamento as beneficiassem. Não. Instaurou-se sim um tráfico de mulheres para casamentos forçados. E regressamos então à crónica 59, sobre os índices de criminalidade na Índia. Agora já percebemos melhor o que querem eles dizer (o World Fact Book da CIA) quando dizem “Mulheres são traficadas dentro do país com objetivos de exploração comercial sexual e casamentos forçados”.
Fiquemos com um estudo da Australian Anthropological Society (AAS), escrito pelo professor Ravinder Kau do Instituto Tecnológico Indiano, em Delhi, estudo esse que foi publicado em Viena em 2008:
Com poucas noivas locais à mão, os homens que estão em risco de permanecer solteiros estão a praticar uma terceira solução – casar fora da região, ou “importar” noivas de outras regiões.
[A primeira solução é o casamento com viúvas, o que vai contra o hinduísmo, que proíbe o segundo casamento; e a segunda solução é a poliandria].
(…) numa tentativa desesperada, os homens estão a procurar noivas onde quer que as encontrem.¹
(Continua nas próximas crónicas).
Este há de ir longe, a agarrar os animais desta maneira.
¹ Kaur, Ravinder (2008), “Missing women and brides from faraway: Social consequences of the skewed sex ratio in India”. In AAS Working Papers in Social Anthropology. Viena, Andre Gingrich & Helmut Lukas. Página consultada em 5 de Dezembro de 2009, <http://epub.oeaw.ac.at/0xc1aa500d_0x001a819c.pdf>.