014 – E assim se passaram 14 horas
Agora é que fico curada do jetlag. O sono há de ser tanto que dormirei a qualquer hora do dia. Já nem sei a quantas ando. Como é que eu vou dormir ali sentada? Com as bagagens ao meu lado? Arrisco-me a acordar e já não as ter ali. Não durmo, pura e simplesmente. Casa de banho? Qual casa de banho, nem sequer a vi, nem me levantei. Comer? Qual comida, tinha duas bolachas Oreo comigo e foi isso que comi durante 14 horas.
Fui apanhada desprevenida e não torna a acontecer. As coisas exigem planeamento, e eu fiei-me no planeamento prévio, feito ainda em Portugal. Mas para isto nada foi planeado. Claro que existiam muitos vendedores de comida, mas bastou-me a gastroenterite no Vietname, quando comprei fruta na praça, agora mais vale passar fome. Aliás, viram as fotos dos vendedores de comida, quando andei de riquexó nas ruelas da Velha Delhi. Eram assim. É um risco muito grande para os europeus, que, como disse anteriormente, são flores de estufa.
Ainda arranjei uma tática para dormir. O sono era muito, eu cabeceava. Tinha a perna encostada às malas. Se alguma se movia, eu sentia. A certa altura, um homem dos seus cinquenta anos que ia sentado à minha frente apercebeu-se desta minha tática e testou-me. Empurrou duas vezes a mala grande. Eu abria os olhos e fixava-o. Com a cabeça encostada à janela, mas fixava-o. Percebi claramente que ele não queria fazer qualquer mal, que estava mesmo com curiosidade e a testar-me. Sim, sim, estou atenta, veja lá se me deixa dormir…
Depois todo o resto da viagem tive este outro passageiro à minha frente, bastante simpático, apesar de não termos trocado uma palavra. Ele não sabia inglês. Melhor, trocámos uma palavra: ele perguntou-me “Udaipur?” e eu, depois de uns segundos a tentar perceber, respondi afirmativamente. Constatei mais tarde que íamos os dois para Udaipur.
E durante as catorze horas que estive dentro deste comboio, mais as quase duas horas na estação de comboio, ninguém me pediu o bilhete. Ninguém me pediu o bilhete. O fiscal efetivamente veio e pediu os bilhetes a toda a gente que estava dentro do comboio. Mas a mim não me pediu. Eu tinha as folhas A4 na mão, pronta para lhas mostrar, com o eTicket. Se calhar isso foi suficiente para si.
Era nítido que as pessoas se sentiam intimidadas com a minha presença.