34 – Costumes e mais Curiosidades
Nos muitos quilómetros que fizemos, cruzámo-nos frequentemente com dois tipos de “santuários”, ou “cultos”, à beira da estrada.
O gaúcho Gil, ou gaúchito Gil. No século XIX, quando decorria a guerra civil na Argentina (hoje a Argentina é uma república federal presidencialista – a presidente [Cristina Kirchner, eleita em 2007, e mulher do anterior presidente: Néstor Kirchner] é ao mesmo tempo a chefe de estado e a chefe de governo), como ia a dizer, no século XIX um dos soldados – Antonio Gil – desertou.
O seu amor pela liberdade fê-lo rebelar-se contra os senhores da sua época, e ganhou a simpatia de muitos anónimos e resignados. À semelhança do herói Robin Hood, opôs-se às injustiças sociais e à maldade que o rodeava, numa sociedade violenta, roubando e combatendo os ricos a favor dos pobres. Contou sempre com o apoio dos camponeses, que não só o escondiam da polícia, como dissimuladamente mantinham um cavalo selado “para o caso do Gil precisar”.
Quando foi apanhado pela polícia, nas florestas, levaram-no para a cidade de forma a ser julgado. Contudo, ao estilo da época, no sentido de evitar a esgotante viagem a cavalo, e alegando “tentativa de fuga”, o gaúcho Gil foi morto no caminho pela polícia. Ele ainda pediu que esperassem, pois um mensageiro iria trazer uma carta de libertação. Porém não foi ouvido. E de facto veio a saber-se que um antigo chefe político lhe tinha conseguido o perdão.
Quando o polícia se dispõe novamente a matá-lo, o gaúcho Gil disse-lhe: “O teu filho está gravemente doente. Se rezares por mim e me pedires que salve a criança, prometo-te que ele viverá, senão, morrerá.”. O polícia ignorou-o e cortou-lhe a garganta. Estamos em 1878.
Quando regressou à sua vila, este descobriu que de facto o seu filho estava gravemente doente. Muito assustado, rezou pelo gaúchito Gil. E milagrosamente, a criança salva-se.
A notícia espalha-se como pólvora – o salvador do filho do seu próprio assassino – e ao local do crime chegam os habitantes para pedir graças ao milagroso gaúcho.
Formou-se um mito em seu redor, e ainda hoje lhe é prestada homenagem por toda a Argentina: pequenas casinhas e bandeiras vermelhas bordeiam as estradas.
A Defunta Correa: segundo a lenda, María Antonia Deolinda Correa decidiu seguir o seu marido quando este foi recrutado à força, na década de 1840, para combater na guerra civil entre unionistas e federalistas. O marido encontrava-se doente e, angustiada com a sua doença, levando o bebé recém-nascido nos braços, Deolinda Correa seguiu o exército argentino durante algum tempo. Quando atravessou a zona desértica, os mantimentos e a água que levava esgotaram-se e acabou por morrer de sede e exaustão. Algum tempo depois o seu corpo foi encontrado e, para espanto dos viajantes, o bebé estava ainda vivo, supostamente graças ao leite que o corpo da sua mãe continuou a produzir, mesmo depois da morte. O evento foi considerado como milagre divino e o local foi assinalado com um pequeno altar.
A devoção da Defunta Correa está patente ao longo das estradas, onde se encontram pequenos santuários, mais ou menos elaborados, rodeados de oferendas, sobretudo garrafas cheias de água.
A Defunta Correa é hoje uma figura religiosa argentina que atrai centenas de milhares de devotos. O seu culto não está sancionado pela Igreja Católica, e como tal não é considerada santa, nem a sua existência real está devidamente documentada, o que, no entanto, não impediu a propagação da lenda, nem a construção de um santuário oficial em Vallecito.