107 – Graciosa – Almoço & Visita ao Cemitério de Santa Cruz
Eu fiquei com o contacto do taxista João, porém estava desligado. Vim mais tarde a descobrir que eu deveria estar com pouca rede, e que o problema talvez fosse do meu lado. Porém fui à internet ver contactos de táxis na Graciosa, e atendeu-me este outro taxista, que se chama José. Gostaria de ficar num restaurante bom e barato em Santa Cruz, pedi-lhe. Vou aí almoçar, e a seguir visitar o Museu da Graciosa. São 13h18. Tenho que chegar antes das 14h senão os restaurantes fecham.
Aqui na ilha Graciosa fez um temporal esta noite também, com vento e chuva, contou-me o João, o dono do alojamento. Mas dão pouco nublado para os próximos dias. Para a semana é que dão vários dias seguidos de chuva. Estou com sorte!!
O taxista José deixou-me aqui, junto a um restaurante na praça central. Foram 6,4 km e não anotei quanto paguei, já não me lembro quanto foi. Anotei em todas as outras ilhas e aqui na Graciosa esqueci-me. Estou com o sentido no almoço!!
Só fazem o prato do dia: hoje é frango assado com batatas fritas, ou mão de vaca. Escolhi mão de vaca. 5€, pão incluído. Muito bom.
Habituada a não ter sobremesas nos restaurantes, desta vez – dado que vim de táxi direta para aqui, precavi-me. Trouxe comigo uma tangerina e uma das célebres queijadas da ilha Graciosa. Vamos lá provar isto.
Aqui é a Biblioteca Municipal de Santa Cruz da Graciosa.
Eu estou sentada na praça a comer a tangerina e a queijada.
É uma delícia!! Antigamente eram chamadas de “covilhetes de leite”.
Aqui vê-se a Torre da Igreja de Nossa Senhora dos Anjos, também conhecida como Torre de São Francisco. A igreja a que a torre pertencia foi construída entre 1700 e 1708. Incorporava uma capela – de Santa Bárbara – construída em 1670. A igreja era parte do Convento Franciscano de Santa Cruz, também com construção iniciada em 1700 e benzido a 18 de julho de 1724, erguido para substituir outro, fundado em 1609, considerado inadequado. François-René de Chateaubriand, que foi hóspede do convento na sua passagem pela ilha Graciosa em 1791, descreve o imóvel como cómodo e bem iluminado. O convento foi extinto pelo decreto da Regência de Angra de 30 de Maio de 1834, tendo os frades abandonado a Graciosa a 30 de Setembro daquele ano. O imóvel teve vários usos públicos, mas foi progressivamente abandonado, tendo o conjunto sido demolido em 1946, deixando a torre isolada.¹
O que isto? Um cemitério? E está aberto? Pois antes do museu, irei visitar o cemitério da ilha Graciosa. Deve ser o único da ilha. A ilha é tão pequenina, tem 12,5 km de comprimento e 8,5 km de largura máxima.
Este deve ser um dos túmulos mais antigos. Pertence a Francisco Telles Pinto de Leão. Nasceu em 1821 e morreu em 1897, com 76 anos, portanto. O Beethoven morreu em 1827, tinha o Francisco 6 anos de idade.
Houve ali uma indecisão sobre a data da morte da Carlota. Mas aparentemente foi em 1900.
Na zona mais recente a moda é a do mármore negro.
Neste túmulo vê-se uma caixa redonda (pressuponho que seja de alumínio), semelhante às que mostrei na crónica 6, no cemitério na ilha de São Miguel. Dentro destas caixas eram colocadas flores de plástico e fotografias. É um hábito antigo, que está a desaparecer hoje. Só encontrei esta caixa, neste cemitério.
As ossadas exumadas são guardadas nestes pequenos caixões, conforme me explicou o coveiro de São Miguel, na crónica 6.
Este estilo de túmulo destoa do tradicional, aqui nos Açores. Mas este estilo encontra-se também nos cemitérios de Lisboa, onde a Câmara Municipal de Lisboa organiza visitas guiadas, orientadas por um historiador. Este túmulo representa o Monte Gólgota, local onde Jesus Cristo terá sido crucificado – ensinaram-me numa dessas visitas. Eu participei em várias, nos vários cemitérios de Lisboa. Uma delas noturna. São visitas culturalmente riquíssimas, sobretudo sendo acompanhadas por alguém entendido na matéria, com explicações sobre a arquitetura, sobre os hábitos de enterro, sobre as pessoas ali enterradas. Hoje em dia encaramos a morte como se fosse um sacrilégio, e não o inevitável e natural da vida. Todos os que lêem estas crónicas, a maior parte afasta-se com horror dos cemitérios. Esquecem-se que um dia lá estarão, e que os vivos afastar-se-ão com horror também de si. Mas estão lá pais, mães, avós, e infelizmente filhos, que morrem antes de tempo. Não merecem que os encaremos com horror. Pelo contrário, devemos prestar-lhes a nossa homenagem. Deveríamos visitar os cemitérios com atenção e carinho, não desprezá-los. Antigamente não era assim. O ser humano já encarou melhor a morte e os cemitérios, com mais naturalidade. Hoje as pessoas tomam-se por imortais. E têm medo de tudo. Está a fraquejar neste aspeto, atualmente, o ser humano.
Não se consegue perceber quase nada, mas a data da morte é 4 de novembro de 1887.
Há túmulos antigos em abundância, neste cemitério. O João Bettencourt nasceu em 1886 e foi militar, está fardado na foto. Apanhou as duas Guerras Mundiais. Se participou nelas, sobreviveu a ambas.
No cemitério da Ribeira Grande, na ilha de São Miguel (crónica 6), está enterrado Adolfo Coutinho de Medeiros, nascido em 1890 ali na Ribeira Grande, e morto na Primeira Guerra Mundial. Nasceu em São Miguel e foi morrer aos 24 anos em França, numa guerra. Como é triste, uma guerra.
Os Condes de Simas. Quem são os Condes de Simas? Fazendo pesquisa na internet, só existem três informações:
Uma frase no site da Junta de Freguesia de Santa Cruz da Graciosa:
“Manuel Simas, feito Conde de Simas, era um rico comerciante, político e benemérito local, que ofereceu à Câmara Municipal a sua casa, usada desde 21 de Fevereiro de 1940 como paços do concelho”.²
São de poucas palavras, estes rapazes e raparigas da Junta. Queremos mais!
Depois existem dois blogs: um da Rádio Graciosa (2013), e outro de uma senhora chamada Inês (de 2019), que não sabemos quem é, não se apresenta, e que faz exatamente uma cópia do texto da Rádio Graciosa.
E finalmente temos um artigo na Wikipédia, que vai buscar a informação ao blog da Rádio Graciosa, e acrescenta-lhe algumas informações.
Não há mais nada. O que seria da nossa vida sem a Wikipédia? (E sem a Rádio Graciosa?!) Dizem tão mal da Wikipédia, sobretudo os professores, nas escolas. É uma vergonha citar a Wikipédia. Mas o que seria da nossa vida sem a Wikipédia? Onde está a informação sobre os Condes de Simas? Num livro de páginas amarelecidas? Numa biblioteca? É suposto eu apanhar um avião e ir procurar o livro numa biblioteca?
Alguém teve esse trabalho: meteu-se num avião e foi à Biblioteca Pública na ilha Terceira, onde aparentemente está o livro – diz a Wikipédia. Nem é um livro, é um jornal de 1906. Quem terá sido a alma caridosa que foi lá ler o jornal e depois dignou-se a escrever este artigo sobre os Condes de Simas, na internet, para as novas gerações lerem?
É preciso ter cuidado com as críticas feitas à Wikipédia. Antes de atirarem a primeira pedra, pensem bem. Sim, o grande problema é que não sabemos se a informação é fidedigna. Há gente que carrega informação errada na Wikipédia. Ficamos sem saber o que é verdade e o que é mentira. É um risco. Há que fazer a triagem comparando com outras fontes. E a única outra fonte que existe – indicada pela própria Wikipédia – é a Rádio Graciosa! De qualquer forma, a página da Wikipédia continua a estar mais completa: dá mais uma ou duas informações.
Quem terá sido a alma caridosa (e cuidadosa) que se deu ao trabalho de escrever este artigo? Tendo sido na Rádio Graciosa, há fortes probabilidades de ter sido um graciosense. Estará a ler estes parágrafos? Estará vivo? Deve estar vivo, a Wikipédia e a Rádio Graciosa são coisas recentes. Salvou-nos. Poupou-nos o trabalho e a despesa de apanhar um avião e ir caminho da Biblioteca Pública da ilha Terceira, em busca dum jornal de 1906.
Aqui está o Conde. A trabalheira que o Senhor Conde está a dar-nos!!
Segue um resumo do blog da Rádio Graciosa³ e da Wikipédia⁴:
Manuel de Simas nasceu em Santa Cruz da Graciosa em 1827, e recebeu o título de Conde por decreto de 1901, do Rei D. Carlos I de Portugal. Manuel de Simas foi um dos maiores proprietários de terras da ilha Graciosa, tendo vivido alguns anos em São Tomé e Príncipe, onde fez grande fortuna, explorando a roça André Velho, produtora de cacau. Casou com Isabel Maria Forjaz da Silveira Brum, de quem não teve filhos, daí não ter havido a continuidade do título. Manuel de Simas foi o líder do Partido Regenerador na ilha Graciosa.
Faleceu em Santa Cruz da Graciosa em 1906 (com 78 anos) e como não tinha descendentes, legou à Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa o palacete onde atualmente aquela entidade se encontra instalada. Nesta doação havia a condição de nunca funcionar naquele edifício a cadeia, porque era habitual naquela época as prisões ficarem situadas nos edifícios camarários. Em reconhecimento, a Câmara Municipal atribuiu o seu nome ao largo fronteiro.
[Foto retirada do blog da Rádio Graciosa]
A condessa Isabel Maria Forjaz da Silveira Brum. D. Isabel Maria ficou viúva e voltou a casar, desta feita com Francisco de Paula de Barcelos Machado de Bettencourt, também natural da ilha Graciosa.³
[Foto retirada do blog da Rádio Graciosa]
A Casa do Conde de Simas é ainda hoje, uma das muitas casas senhoriais existentes na Zona Classificada, um bom exemplo da sobriedade e equilíbrio da arquitetura da vila de Santa Cruz da Graciosa. Nas suas principais salas podem ser vistos retratos do Conde e da Condessa de Simas.³
[Foto retirada do blog da Rádio Graciosa]
Há de haver mais gente conhecida, com histórias para contar, neste cemitério, mas o coveiro que eventualmente sabe disso não está presente. Ainda perguntei por ele a um funcionário que passou, mas este respondeu-me que o coveiro está de baixa e ele está aqui temporariamente a substituí-lo. E que não sabe nada.
¹ “Arquitetura Religiosa” (s.d.). Junta de Freguesia de Santa Cruz da Graciosa. Página consultada a 17 fevereiro 2021,
<http://www.jf-santacruz.com/index.php?op=textos&codtexto=6>
² “Arquitetura civil e militar” Junta de Freguesia de Santa Cruz da Graciosa. Página consultada a 17 fevereiro 2021,
<http://www.jf-santacruz.com/index.php?op=textos&codtexto=4>
³ “Notável desta Semana é Manuel de Simas” (2013, 21 junho). Rádio Graciosa. Página consultada a 17 fevereiro 2021,
<http://rgraciosa.blogspot.com/2013/06/notavel-desta-semana-e-manuel-de-simas.html>
⁴ “Manuel de Simas” (s.d.) Wikipédia. Página consultada a 17 fevereiro 2021,
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_de_Simas>