096 – Terceira, 27º dia – Chegada
Hoje é 2ª feira, dia 27 de julho de 2020.
Despertador para as 6h30. Mas acordei às seis e deixei-me ficar na cama.
O taxista Manuel vem buscar-me às 9h20 para levar-me ao aeroporto.
Dormi mal esta noite, as sestas fazem-me mal, tive um sono muito ligeiro e acordei várias vezes durante a noite. À 1h30 da manhã fui picada por mosquitos, tive de levantar-me para ir buscar a pomada, bem como o spray anti-mosquitos para pôr no corpo. Vim com um frasco atrás precisamente para estas situações.
Faz muito calor. Dormi com duas janelas abertas (têm rede contra os mosquitos). Chuviscou durante a noite, o chão está molhado.
Mais um pão que vai fora. Já não compro mais pão, não vale a pena.
Arrumei as bagagens e desmontei a bicicleta. Às oito estou despachada. Falta 1h20 para o táxi, deito-me na cama para descansar. Os planos para hoje são visitar a Gruta do Algar durante a tarde, na ilha Terceira. Só abre à tarde, a partir das 14 horas. O táxi terá de levar-me lá acima com a bicicleta. Havendo tempo, sigo para a Gruta do Natal. E depois desço para casa.
Esta foto tirei-a da janela da minha casa (entenda-se: do meu alojamento). São 7h57. Esta – percebi depois – é a fila para o café da Ana Bela! Por causa da Covid-19 não pode estar muita gente ao mesmo tempo lá dentro.
São agora 9h. Já há menos gente no café da Ana Bela. Antes de partir fiz questão de vir provar as queijadas de coco, típicas daqui da ilha de São Jorge, tinha-me dito a Ana Bela no meu segundo dia aqui. E aproveitei para despedir-me de si também.
Muito boas. O taxista Manuel entretanto já chegou e está ali em frente.
Já faz gracinhas e tudo, para as fotos, o Manuel. Está a apontar para as bagagens, só para o cenário. Quem o viu, no primeiro dia, quando eu cheguei no barco, que nem consegui tirar-lhe uma foto, e quem o vê agora. Eu bem que disse que ele levar com tantas fotos que iria habituar-se a estas lides.
Foram 4,7 km, e 5€ “porque sou boa rapariga”, disse-me o Manuel. Despedi-me e agradeci-lhe. Deixei-lhe o meu website para que possa ver estas crónicas.
O aeroporto ainda está vazio porque o voo é só às 11h15. São 9h33. Nestes voos inter-ilhas as pessoas só vêm uma hora antes, ou até menos. Eu quero vir mais cedo por causa da bicicleta. Transportar uma bicicleta nos aviões é uma dor de cabeça. Tudo depende da experiência do funcionário. Se for um funcionário mais velho, mais experiente, em que já lhe passou tudo e mais alguma coisa pelas mãos, a passagem da bicicleta faz-se tranquilamente. Se for um funcionário novo, sem experiência, a bicicleta é um bicho de sete cabeças. O funcionário põe-se a ler as instruções sobre o transporte de bicicletas – lê no computador – e eu em pé à espera. Depois vai olhando para a bicicleta, para ver se está tudo como diz nas instruções.
Ora aqui não me queriam deixar passar a bicicleta. Tem que estar embrulhada. Eu vou para a oitava ilha, e à oitava ilha a bicicleta não pode passar. Passou em todos os outros voos, mas aqui em São Jorge não passa.
Eu já estou precavida contra estes stresses nos aeroportos, e ao pequeno-almoço tomei um comprimido de valeriana de 500 mg. Acho que não tem efeito nenhum, mas pronto. É só para dizer que me esforcei. Não sinto calma nenhuma depois de tomar a valeriana, e aqui então ia tendo um ataque cardíaco.
Bom, mas as coisas lá se resolveram, a pessoa responsável veio avaliar a situação, e excecionalmente lá deixaram a bicicleta viajar comigo para a ilha Terceira.
Em todos os aeroportos – sem exceção – eu tive de assinar um termo de responsabilidade. Se acontecer alguma coisa à bicicleta, a responsabilidade é minha. E eu aceitei o risco. Estava psicologicamente preparada para lhe acontecer alguma coisa durante a viagem. Riscos. Com azar, alguma peça partida. Afinal de contas eu própria rasguei o selim, em Lisboa, em minha casa, ao virar a bicicleta de rodas para o ar. São azares que acontecem. Mas felizmente em todas as viagens correu sempre tudo bem. Nada se amachucou.
Esta parte dos aeroportos e voos é uma angústia permanente perante a arbitrariedade de cada aeroporto. Lisboa e Açores. Ou é a chavinha, ou é o tapete dos raios-x onde não cabe a bicicleta; outros querem que eu tire a máquina fotográfica da bolsa, para passar nos raios-x, outros dizem que não é preciso; outros pedem para retirar os power banks, outros dizem que não é preciso. Não há regras uniformes. Eu vou numa angústia permanente sem saber bem o que é preciso, e do que é que cada um se lembra. Portanto os terroristas além de conseguirem matar não sei quantos milhares de pessoas, conseguiram atazanar também a vida de outros tantos milhões de vivos, com esta paranoia dos aeroportos. Ontem ainda ponderei em perder o bilhete do avião e ir de barco. Mas por mais que investigasse na internet qual a duração da viagem – de barco – não consegui descobrir. Um site fala em 4 horas. Acho muito. E depois desisti. Iria perder o dinheiro do voo, e ainda iria gastar o bilhete de barco.
A sala de espera tem as janelas todas abertas (aleluia!), mas têm três cadeiras seguidas vedadas, pelo que as pessoas começaram a sentar-se naquele parapeito das janelas, pela altura de joelho, e ficámos todos em cima uns dos outros, com as cadeiras vazias. Cada grupo de 4 cadeiras, apenas uma está aberta, as restantes 3 têm uma fita vermelha a vedar.
Pico, querido Pico. Está sempre atento.
Vou deixar de ver-te, agora. Na ilha Terceira já não te verei.
Adeus, magnífico Titã.
A ilha de São Jorge.
Recordo que a ilha de São Jorge tem 53 km de comprimento e 8 km de largura.
Que coisa tão comprida. Podia ser um crocodilo verde.
Olha as Fajãs! À direita é a Fajã dos Cumbres, onde andei ontem, e à esquerda a Fajã da Caldeira de Santo Cristo, onde não cheguei! Malandra!
Parece que estão tão perto, a uns 500 metros. E afinal são 4,3 km. O meu GPS dizia 3,8 km. Vai-se aos altos e baixos por ali afora.
Fajã da Caldeira de Santo Cristo.
Adeus ilha de São Jorge!
Segue o resumo dos quilómetros feitos na ilha de São Jorge:
Dia 24
Piscina Natural da Urzelina
6,67 km bicicleta
10 km táxi
Dia 25
Pico da Esperança / Farol dos Rosais
34,9 km bicicleta
39 km táxi
Dia 26
Fajã do Ouvidor; Fajã do Cumbre
15,9 km bicicleta
55,8 km táxi
Dia 27
Ida para o aeroporto
4,7 km táxi
Total São Jorge
57,5 km bicicleta
109,5 km táxi
Olá ilha Terceira! Esta é redondinha!
Eu estive aqui na ilha Terceira há sete meses atrás, em Dezembro de 2019. Passei aqui 4 dias de férias com um amigo, e corremos a ilha de carro. Aliás, foi a ilha Terceira quem me deu a ideia de regressar no verão e fazer o arquipélago todo em bicicleta. Ao investigar caminhos pedestres, nessa altura, em outubro, dois meses antes de vir, fiquei inspirada, é a verdade. Vi os caminhos no Google Earth. E se eu fizesse as 9 ilhas dos Açores em bicicleta? – foi assim mesmo que surgiu a ideia de fazer estes 33 dias de férias, agora no verão. Tão simples quanto isto.
Se não conseguirmos aterrar naquela mini-pista, continuamos a andar e caímos dentro de água.
O avião prossegue viagem, vai para a ilha de São Miguel. Eu é que me desço aqui na ilha Terceira. É o pára em todas. A filosofia dos açorianos relativamente aos aviões é muito diferente da dos continentais. Quando eu perguntei à minha mãe o que achava ela de ter de apanhar um avião para ir ao médico, ela ficou escandalizada. Aqui nos Açores, apanhar um avião é como apanhar um comboio em Lisboa. Vai-se no direto ou no pára em todas, é o que existir. Por isso os açorianos chegam meia hora antes ao aeroporto, com o seu sentido prático. Já estão habituados a isto. Foram as principais vítimas dos terroristas e da paranoia dos aeroportos, portanto, coitados dos açorianos. Mas eu andei em voos locais no Brasil, na Amazónia, em 2013, e não era nada assim. Deixavam passar garrafas de litro e meio de água, como contei nessas crónicas. Quem é que quer deitar um voo local abaixo? Há algum terrorista do daesh que queira matar ilhéus de ilhas minúsculas? Deveriam ter um grande impacto mundial. Uma ilha? Qual ilha? Onde? É de quem? Está no mapa?
Até me desorientou por momentos, esta publicidade às queijadas da Graciosa. Agora estou na Terceira! Mas está bem, fica registado, a próxima ilha será a Graciosa (e última!) e hei de provar as queijadas. Foram finalistas nas 7 Maravilhas de Portugal, muito bem. E aqui na Terceira, não há doces? Cadê a publicidade aos doces da Terceira?
São agora 11h53 (o voo durou 30 minutos) e tenho o António Alves à minha espera, dono do meu alojamento, que gentilmente veio buscar-me; o transfer está incluído no preço do alojamento. Como tenho uma bicicleta, o António arranjou uma carrinha.
Virei mais tarde a saber que o António é Presidente da Junta de Freguesia de Posto Santo. Faz parte da ANAFRE – Associação Nacional de Freguesias. Neste âmbito vai frequentemente ao continente ter reuniões. Contou-me que no mês passado esteve em Bragança, mas que por causa do vírus andam agora a reunir-se por videoconferência.
Eu estou alojada numa povoação chamada Biscoitos. Estive lá em dezembro, com um frio de rachar. Um vento cortante que me fez usar um impermeável de plástico, calças e casaco, como corta-vento, e que me deu um jeitaço. Mas agora faz calor e sol. Tão bom. E estava de carro. Agora estou de bicicleta. Tudo é completamente diferente.
Recordo o significado de “Biscoitos” – são as rochas vulcânicas pequenitas, que se pareciam com os biscoitos torrados duas vezes que os pescadores levavam para o mar, muito duros. Também é chamada de pedra “aa” – pelo que me explicaram porque os pescadores andavam descalços, e ao andar em cima desta pedra, a única coisa que se exclama é “ah… ah” – porque magoa bastante.
A ilha Terceira tem 55.124 habitantes¹, é a segunda ilha mais habitada do arquipélago dos Açores; e o gentílico é terceirense.
É o primeiro autocarro que vejo! Em oito ilhas! Eu já perguntei a algumas pessoas como é que se deslocam no interior da ilha. Se não há transportes públicos. Se é obrigatório ter carro.
O autocarro diz EVT: Empresa de Viação Terceirense. É uma empresa privada criada em 1952 após a fusão de duas empresas, uma de 1943, outra de 1947. Leio o seguinte no seu website:
As suas atitudes para conseguirem mais clientes eram de uma autêntica perseguição. Por exemplo, se um deles partia dum determinado local às 08H00, o outro marcava para as 07H45. A uma dada altura e porque não havia utentes que sustentassem duas empresas distintas, ambas as partes sentaram-se e discutiram sobre a melhor forma de acabar com aquele jogo do “gato e do rato”, cujos resultados para ambos era maléfico.
Constituiu-se assim a sociedade por quotas designada por Empresa de Viação Terceirence, Lda, vulgarmente conhecida por EVT.
A presença dos Americanos nas Lajes e os serviços que, desde 1958 e durante algumas décadas lhes foram prestados foi o grande impulso e o dinamismo vital para a consolidação desta empresa de transportes. Aquando do primeiro contrato com as FEUZACORES, a empresa E.V.T. comprou 8 novos autocarros para prestar serviço somente a esta entidade Americana.²
O António fez-me o favor de fazer uma paragem para eu comprar as minhas coisas habituais: leite, fruta, água.
E cá estou no meu novo alojamento. Aquela piscina ainda irei estreá-la talvez.
Que é isto? Vinho xerez? Um licor? Quando for apanhar o avião, desta vez se calhar bebo uns copinhos disto, em vez do comprimido de valeriana. Depois ando aos ziguezagues na bicicleta, durante a tarde.
São 13h51. Montei a bicicleta e desfiz as bagagens ao som de pássaros a cantar. Silêncio total. Todas as portas e janelas escancaradas. Vou agora ao restaurante almoçar.
¹ “População residente, estimativas a 2 de Dezembro 2019”. Pordata, Base de Dados de Portugal Contemporâneo. Página consultada a 1 de Fevereiro 2021,
<https://www.pordata.pt/Municipios/Popula%C3%A7%C3%A3o+residente++estimativas+a+31+de+Dezembro-120>
² “Empresa de Viação Terceirence, Lda – A Origem da Empresa” (s.d.). Página consultada a 1 de Fevereiro 2021,
<http://www.evt.pt/empresa/>