035 – Eis que sou Chamada… e eu Vou
Avistei-a com o cesto às costas, na montanha. Parei a bicicleta. Fiquei a olhar durante algum tempo. Ela vai subindo lentamente, aos ziguezagues, observando a vegetação à volta. Nem sequer repara em mim. Esta foto foi tirada com o zoom no máximo; a minha bicicleta, ao longe, deve ser um pontinho minúsculo, ela nem me vê. Até que resolvi chamá-la. Gritei “Hellooo!”. Ela finalmente olhou na minha direção e viu-me. Eu fiz-lhe adeus.
E ela chamou-me.
Fez sinal com a mão para eu ir ter com ela, lá acima.
Não posso acreditar. Ela está a chamar-me.
Corri com a bicicleta pela mão, tirei-a da estrada, coloquei-a na berma, na terra, meio escondida após a curva, para que não ma levassem, e corri por ali acima, antes que ela desaparecesse. Cheguei esbaforida lá acima.
Rimo-nos. Eu disse “Nihao” – olá em chinês. Ela fez-me algumas perguntas, mas eu não percebo a língua, encolhi os ombros. A primeira coisa que fiz foi tirar o capacete, pousá-lo no chão, e tirar a camisola de manga comprida que tinha vestida. Aquela correria por ali acima pôs-me a transpirar. E depois tirei a t-shirt que tinha por cima de outra camisola com alças. Ela observava-me, curiosa. (Quantas camisolas terá ela vestidas?, devia estar a pensar). Atei a camisola de manga comprida à cintura, enfiei a t-shirt toda amarfanhada na bolsa da cintura.
E então ofereceu-me aquele ramo de flores, que colheu ali no momento.
Isto não está a acontecer-me.
Como é possível tamanha generosidade. Todas as vivências que esta pessoa terá – tantos anos de idade, uma vida tão dura, carregada com o cesto às costas, a subir montanhas. Com uma resistência invejável. E ela chama-me e oferece-me flores, e diz-me para acompanhá-la.
Segui-a, estive algum tempo com ela, ela foi-me puxando pela mão, e eu tê-la-ia seguido o dia todo. A sua mão áspera e forte, a puxar-me por ali acima. Eu com passo acelerado, a tentar não fazer força nenhuma na sua mão – já basta ela ter de subir tanto, com aquela idade, ainda mais puxar por mim, eu cheia de força, mais nova, posso perfeitamente subir por mim própria. Nós estamos a 3.200 metros de altitude – este lago está a 3.200 metros de altitude – porém ela sobe a montanha com bastante vigor.
Lá em cima encontrou um maciço de vegetação, e parámos.
Respirei o ar puro, olhei à minha volta. O silêncio. A grandiosidade do cenário esmaga-me.
Ela observa-me, também curiosa. Explicou-me que veio da vila à nossa direita. Apontou para as casas lá em baixo e para si própria. Eu percebi – sim, ela mora ali.
Fiquei um pouco com ela, enquanto colhia a vegetação com a sua foice. Mas eu também tenho de continuar o meu percurso. Tenho um dia a percorrer de bicicleta, tenho outras terras a visitar, tenho tantas descobertas pela frente. Pelo que deixei-a a trabalhar, ocupada com o seu ofício, e despedi-me. “Xie Xie” – disse-lhe. Significa “obrigada”.
Repeti-lhe várias vezes – xie xie.
Obrigada – pela simplicidade e generosidade, sem sequer falarmos a mesma língua.