074 – Tarde Livre… E vou subir uma Montanha
À esquerda está a dona da Casa de Hóspedes, uma rapariga muito prática e bastante acessível. Chama-se Lili e gere com descontração e firmeza o seu negócio e o do marido australiano. Disse-lhe que o meu estômago já não estava a aceitar fritos e que gostaria de ter comida grelhada. Não posso continuar a comer só arroz cozido e sopa de legumes. Estou a fazer um esforço grande, com horas de caminhada, e mais horas de bicicleta, desta vez quero comer carne. Perguntei-lhe se tem alguma chapa de ferro onde grelhar a carne. Não tem. O mais perto disso são frigideiras e woks. Mas ela não se atrapalhou: fatiou a carne de iaque que eu pedi, em fatias bem finas, e pô-las a grelhar na frigideira. Sem óleo, sem nada – apenas um pouco de sal. E o puré de batata foi feito pela rapariga à direita, ali no momento. Ela trabalha ali. Descascou as batatas, cortou-as, cozeu-as na panela de pressão, e fez o puré. Levou algum tempo, sim, mas não muito.
E eu devorei aquela carne de iaque grelhada e aquele puré de batata como se não comesse há um mês. Soube-me maravilhosamente bem, depois daquele louco trekking pela Garganta do Salto do Tigre. Recuperei as forças novamente. Porque agora tenho a tarde livre e é desta que vou subir uma montanha a pé, ali à volta da Casa de Hóspedes.
São 15h. Terminei de almoçar. O motorista Nong Bu e a guia foram fazer uma sesta. Eu parti de bicicleta. Quero subir uma montanha a pé. E subir uma montanha começa logo por descobrir um ponto de entrada. Quase que é preciso fazer escalada para começar a subir as montanhas. Mas há de haver algum ponto. Posso trepar por aquela parede à esquerda. Lá à frente é mais baixo, vou lá para a frente.
Acho que este foi o momento em toda a viagem onde mais senti a minha impotência. Como é possível que até um cavalo chegue lá acima, e eu nem consigo sair da estrada. Por onde é que o cavalo subiu?!!
Ainda tentei subir esta parede – e até conseguiria, fiquei pendurada a meio – mas o pior seria descer. Arriscar-me-ia a resvalar por ali abaixo. Não convém partir uma perna no 13º dia de viagem. Ainda faltam 12 dias para a viagem terminar. Não, tem de haver uma entrada menos arriscada.
Voltei para trás na bicicleta.
E agora barraram-me no posto de segurança que existe à entrada desta vila. Passei para lá sem problemas – os guardas viram-me sair, mas quando regressei barraram-me. Não sei o que querem. Um bilhete, uma entrada, aparentemente. Pois, nestas zonas cénicas paga-se bilhete para entrar. E agora explicar-lhes que entrei ontem. Que o motorista e a guia já terão tratado disso com certeza. Que eu só ando a tentar trepar montanhas. Bom, dado que não íamos a lado nenhum com a nossa conversa de surdos, em chinês, e dado que já estavam entretidos com um grupo de turistas chineses (que se aproximaram de mim e me cumprimentaram, claro), eu montei na bicicleta e segui viagem. Tenham lá paciência. E eles deixaram-me ir embora. Os malandros dos guardas estavam a meter-se comigo, pelos vistos.
Segundo take. Vou agora tentar subir uma montanha pelas traseiras das casas. Apanhei este caminho. A bicicleta fica ali, a água passa para a bolsa da cintura; a t-shirt fica na bicicleta, já não tenho espaço para ela. Repete-se o procedimento da crónica 53. E aí vou eu, em exploração.
Este misterioso cacho, que ficou desfocado, só mais tarde, num Museu, virei a descobrir que em princípio se trata de uma planta chamada Arisaema, mas mesmo assim não tenho a certeza. O lixo à volta é que é notório.
Lá em cima fui dar a esta casa. Claro que me meti lá para dentro e fui ver o que se passa.
A senhora explicou-me (por gestos) que eu poderia chegar ao topo da montanha por este caminho. Há ali um caminho, de facto. E ainda por cima vejo cinco cavalos lá em cima, a pastar. Quase que se riem de mim. “Olá Rute… somos cinco cavalinhos, e estamos aqui em cima da montanha… tu estás aí em baixo e nem consegues descobrir o caminho de entrada… Toma, toma…”
Mas isto está cheio de catos. Hesitei muito, ainda a ouvir os relinchares trocistas dos cavalos. Observei e pensei nas hipóteses.
Ainda não é desta. Eu não consigo entrar num caminho cheio de catos!! Eu de sandálias e calções, e camisa de manga à cava!!
A imponência destas montanhas é extrema. Não te consigo subir, montanha grandiosa!!! Mas não vou desistir! Alguém entendido – alguém local – há de levar-me até ao topo!
Acabei por sentar-me ao lado daquela garrafa no chão. Fiquei quase meia hora ali sentada, a observar as montanhas, naquele cenário espantoso. A senhora sentada também, atrás de mim. Eu de capacete na cabeça. Não quis deixar o capacete na bicicleta, nem quero andar carregada com ele, pelo que o deixei na cabeça. Não me incomoda, é leve e tem aberturas para não transpirar. Havia dois rapazes dos seus 20 ou 25 anos a ver televisão, em casa. Já tinham vindo espreitar-me, e não me ligaram mais, continuaram a ver televisão.