002 – A Viagem

Uma tortura lenta, claro. Eu já andava a preparar-me psicologicamente há algum tempo. Não só psicologicamente, mas com intenção de aplicar medidas concretas, as quais efetivamente apliquei. Sim, porque viajar de avião – nestas longas viagens – tem uma ciência. Foram 34 horas de viagem. Desde que saí de minha casa, em Lisboa, até que entrei no hotel no sul da China, passaram-se 34 horas. Hoje já existem voos diretos entre Lisboa e Pequim, mas quando comprei a viagem, uns meses antes, não existiam. Pelo que tive um primeiro voo até Viena, pela TAP, com a duração de 3h. Depois tinha 5h de espera. O voo seguinte, para Pequim, foi da Austrian Airlines e durou 9h. Depois tinha 8h de espera para um terceiro voo que me levaria ao sul da China, em Lijiang. Este terceiro e último voo, da Air China, partiu com 2h de atraso, para ajudar à festa. E durou 3,5h. Resultado: saí de casa às 6 da manhã de sábado, entrei no hotel às 4 da tarde de domingo. Hora local: 11 da noite. Vá lá, é chegar ao hotel, tomar banho e dormir. Se bem que dormir às 4 da tarde – até à meia noite… – é um bocado estranho, mas dormi. Começa agora a saga da diferença horária e do ajuste de sonos. O que vale é que eu durmo em qualquer lado e a qualquer hora.

Durante as 34h de viagem, desde movimentar-me o mais possível, até beber muita água e comer fruta, foram algumas das medidas tomadas. Fui com 4 maçãs atrás. Nada de chás, cafés e álcool. Em viagem não é aconselhável. Sumos naturais também fui bebendo – maçã e laranja, que é o que servem nos aviões. Também servem sumo de tomate, mas enfim, esse é mais complicado. Dormir muito, dormir o mais possível. Quanto mais se dorme, menos se sofre. E apanhar ar fresco e sol, sair dos aeroportos e dos ares condicionados sempre que possível. Isto implica passar os controlos todos, inclusive dos raios-x, pois claro. Quem sai de um avião com ligação a outro, normalmente não sai do aeroporto, é imediatamente encaminhado para a porta de embarque do voo seguinte, mesmo que seja daí a dez horas. Toca a contrariar isto. A Rute vai sair, com a mochila com rodinhas, bolsa à cintura, e mala da câmera ao ombro. A mala grande foi direta de Lisboa para Pequim, essa pelo menos não me chateia até lá. Toca a passar nos raios-x todos, nas filas de espera, toca a desapertar a bolsa da cintura, a pô-la juntamente com a câmera num tabuleiro, a levantar a mochila do chão e colocá-la no tapete dos raios-x. Depois existem dúvidas: o que é aquilo no fundo da mochila, perguntou-me a Segurança. É o meu capacete da bicicleta, respondi. Não me digam que tenho de tirar tudo da mala, pois o capacete está mesmo no fundo. Mas não, ela aceitou a explicação e deixou passar. A seguir sou eu própria, tenho de passar na máquina e ser revistada pelos seguranças. Ar fresco e sol, a quanto obrigam.

As bagagens chegaram bem a Pequim. Eu até tremo. Eu e os outros passageiros. Estamos todos de olhos fixos no tapete rolante que traz as bagagens, a ver as malas a passar, com ansiedade. E a minha? Onde está a minha? Porque não vem a minha? Já a perderam, querem ver? Foi para outro continente qualquer? Dadas as más experiências que tive no passado, essa é outra medida a tomar, nas viagens: tudo o que é essencial tem de estar comigo, na mochila. Capacete, dois pares de calções de ciclismo, duas ou três mudas de roupa, algum objeto mais caro ou importante para a viagem. Tudo isso ia comigo, na mochila com rodinhas, tudo apertadíssimo, com o fecho da mala quase a rebentar. Se a Segurança me fizesse tirar tudo para ver o capacete, eu iria levar algum tempo a arrumar tudo outra vez, de forma a caber. E as sandálias – as minhas super-sandálias compradas online nos EUA, que nem se comercializam em Portugal, e que eu quero usar na bicicleta, tão importantes devido à sua resistência e proteção dos dedos – essas então foram logo calçadas. Eu teria de chegar descalçada à China, para perder as sandálias!!

Mas correu tudo bem. Vou ter um carro de apoio aqui no sul, com um motorista e uma guia, e eles lá estavam à minha espera, no aeroporto de Lijiang. Este também é um ponto delicado que me provoca sempre algum nervoso miúdo: tenho desconhecidos à minha espera, vou entrar para um carro desconhecido, e não faço ideia para onde me vão levar. Ainda em Portugal pedi a foto da guia que me ia buscar, ou a identificação no caso de ser outra pessoa.

Cheguei ao hotel um pouco estonteada (ainda fizemos uma hora de carro) porém cheguei bem. Enviei as primeiras mensagens escritas, ligada ao wifi do hotel, a dizer que cheguei, tenho as bagagens comigo, está tudo ok. A primeira parte da aventura – e mais dolorosa – já passou.

Aeroporto de Pequim

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