003 – O Primeiro Dia

É de ambientação e também adaptação ao novo horário. Por enquanto ainda a pé. Lijiang foi aberta aos turistas estrangeiros apenas em 1985. Está a 2400 metros de altitude, e fica no caminho de uma das mais antigas rotas comerciais do mundo: a Antiga Rota do Chá e dos Cavalos. Esta rota partia do Sudoeste da China – onde me encontro, na província de Yunnan – em direção ao Tibete. Foi um caminho percorrido durante séculos por caravanas comerciais que levavam produtos chineses, indianos e nepaleses para o Tibete. O chá, a principal mercadoria, viajava milhares de quilómetros, quer na carga dos cavalos, quer às costas dos carregadores, os quais suportavam cargas bastante pesadas. Em troca, os chineses recebiam cavalos tibetanos, conhecidos pela sua força e robustez e muitas vezes usados na guerra. Lijiang foi considerada pela Unesco em 1997 como Património da Humanidade, e divide-se em três povoações antigas: Shuhe (onde estou alojada no hotel), Dayan e Baisha. As três cheias de história, com longas ruas ladeadas de casas antigas. Hoje visitarei as duas primeiras e farei cerca de 10 km a pé. A terceira visitarei no terceiro dia, já de bicicleta. Há muita gente, muitos turistas chineses, e eu sou a única ocidental. Efetivamente não verei ocidentais durante alguns dias. E desperto nitidamente a curiosidade dos chineses, que me fixam demoradamente, sobretudo o meu cabelo encaracolado. Riem-se.

Faz frio, talvez uns 18 graus de manhã. Choveu toda a noite, e de manhã também. À tarde vai aquecer um pouco, vai deixar de chover, mas não vai passar dos 25 graus. Aqui em Lijiang faz fresco, daqui a uns dias é que vai chegar o calor a sério. Eu acordei às 5 da manhã (que para mim são sete horas a menos, ou seja, 10 da noite em Portugal); (dormir até às 10 da noite é obra, mas consegui) e antes do pequeno almoço, às 8.30h, fui espreitar fora do hotel. Vamos ver o que se passa por aqui. Eu estou em plena fase de ambientação – tudo é estranho. Não conheço nada, cheguei à noite, atordoada com tantas horas de voos e aeroportos. À porta do hotel tenho duas opções: virar à esquerda ou virar à direita. Bom, comecemos pela direita, vejo mais árvores. Eu de chapéu de chuva aberto (disponível na receção do pequeno hotel, onde não se via vivalma) a dar os primeiros passos em Yunnan, terra onde viria a sentir-me tão bem, tão segura. Mas agora ainda a titubear. Vi uma família com uma criança a sair de casa, não sei para onde iriam. Estamos na época de férias escolares. Fixaram-me, curiosos, e eu nem disse adeus. Tantos olás e adeus que vou dizer nesta viagem, mas hoje é o primeiro dia, é a primeira manhã, estou em fase de reconhecimento do terreno. Não falámos, mas eles foram acompanhando com o olhar os meus passos sondadores. Vi um homem a pescar e fotografei-o sem ele dar conta. Vi bastantes pessoas com certeza a caminho do trabalho, pelos caminhos de terra. Fui dar a um restaurante onde vários polícias fardados (ou guardas, não sei) tomavam o pequeno almoço, numa mesa exterior. Meti-me por uma longa rua onde fotografei a casa em construção. Uma casa tradicional chinesa em construção. Andei uns 30 ou 40 minutos a passear.

O pequeno almoço foi o mais estranho de toda a viagem. Tive um começo de rompante. Vai uma senhora ao hotel preparar o pequeno almoço todos os dias, mas neste dia – das duas uma: ou ela teve algum problema e não pôde ir, ou eu era a única hóspede (no dia seguinte vão chegar mais e o hotel vai inclusivamente ficar esgotado) e eles acharam que não valia a pena. Puseram um rapaz a cozinhar para mim, um saído do próprio hotel, de um dos quartos no r/c, o qual me preparou arroz frito com ovo, abriu uma lata de um peixe muito salgado e tirou do frigorífico aquele prato de legumes tão picantes que até deitei fumo pelas narinas, quando os provei. Ok, não vou armar-me em esquisita logo no primeiro dia. Comi tudo menos os legumes, pois comida picante não quero. Ele não fala inglês, somos os únicos na cozinha e sala de jantar. Tomámos os dois o pequeno almoço em silêncio, frente a frente, como se fosse um hábito de muitos anos. A guia e o motorista estão noutro hotel e a primeira vai chegar daí a pouco para levar-me ao centro histórico, a pé, o qual fica a uns 200 metros do hotel. Eu não sabia. No meu passeio de exploração virei para o lado direito, o centro histórico fica para o esquerdo.

O hotel onde eu fiquei alojada. Tem um nome chinês enorme.

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