119 – Chegada e Hotel em Atsabe

Luta de galos. Hoje é domingo e a população diverte-se assim. Tal como referi na crónica 31, as lutas de galos são proibidas em Timor-Leste. Mas fazem-nas sem qualquer controlo por parte das autoridades. As próprias autoridades têm galos para lutar. Aliás, até uma mota da polícia está ali. Qualquer dia alguém tem de pôr definitivamente mão na barbárie.

Eu já não aguento mais a vontade de fazer xixi (já venho assim desde as montanhas, na crónica anterior!), e não há arbustos nem zonas desertas por aqui. Então o Valério parou a pickup e foi a esta casa perguntar às pessoas se eu podia ir à sua casa de banho. É de um casal de velhotes, muito discretos, nem consegui fotografá-los, e eles deixaram-me ir. A casa de banho fica fora da casa, do lado esquerdo.

O tradicional vaso sanitário de agachamento (ou em inglês “squat toilet”), com o tanque de água ao lado, para encher o recipiente de plástico e vazar a sanita.

Igreja de Nossa Senhora das Dores, em Hauba – é o que está escrito no topo.

Eu venho do Suai (distrito de Cova Lima) e vou para Atsabe (distrito de Ermera). E neste momento estou em Hauba, no distrito de Bobonaro. Passei por três distritos num só dia!

Bananeiras e plantação de milho.

Fotografar estes placards é uma maneira de descobrir onde estou. É que aqui em Timor não existem em placas do “Bem-vindo a Batumano”, por exemplo, ou algo assim. Não há placas nenhumas mesmo, a ajudar no trânsito. Até estou interessada no facto da Comissão Europeia estar aqui a desenvolver um programa, mas assim fico a saber que estou no suco Batumano, na aldeia de Batu Ero! E posso localizar-me no mapa.

Plantação de feijão.

Nas estradas pedregosas, ainda não alcatroadas, apenas estes camiões conseguem desempenhar a função de autocarros e transportar as pessoas. Citando o blog de Augusto Joaquim de Carvalho Lança, o qual foi Professor na Faculdade de Agricultura da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e:

“(…) [Estima-se] que mais de 43% da área de Timor-Leste tenha declives superiores a 20%, limitando-se as zonas planálticas e aluviões a ocupar apenas 12% da área total.
O relevo de Timor-Leste é bastante vigoroso. Ao contrário das restantes ilhas da Insulíndia suas vizinhas, Timor nasceu do choque das placas Australiana e Euro-asiática e não tem origem vulcânica, mas sim tectónica (enrugamento da crosta). Aparentemente a ilha de Timor continua a sua elevação das profundezas do mar.
As consequências deste fenómeno na agricultura são evidentes, pois os fenómenos erosivos são omnipresentes, e a acção do Homem dificilmente não os agrava. Os solos são, de modo geral, derivados de xisto e outras rochas sedimentares e têm forte vocação florestal. Uma notável excepção é constituída pelas ricas planícies aluviais da costa sul.
Outra consequência prática deste relevo acidentado é a dificuldade da manutenção de um sistema viário eficiente. O clima tropical característico de Timor, com as suas fortes chuvadas, torna tudo ainda mais difícil. As estradas existentes são, assim, vítimas fáceis das avalanches, deslizamentos de terreno e cursos de água torrenciais. Trata-se de um entrave importante ao desenvolvimento agrícola e nacional, contribuindo fortemente para o isolamento das comunidades rurais. As culturas do café, na zona montanhosa ocidental de Ermera, e do coqueiro e do arroz, na costa sul, serão certamente beneficiadas uma vez melhorados os acessos à capital.”¹

Já estou em Atsabe, distrito de Ermera, falta pouco para chegar à casa onde vou pernoitar.

Estas árvores são aqui conhecidas como as “Madres do Cacau” (Paraserianthes falcataria) e servem para dar sombra nas plantações de café. Formam uma paisagem espantosa. Citando novamente o blog de Augusto Joaquim de Carvalho Lança:

“A madre do cacau, ou albizia das molucas, com a sua espectacular copa estratificada, contribui para o exotismo da paisagem timorense. São omnipresentes nas zonas montanhosas do café, apesar de estarem a sofrer importantes baixas. Fundamentais para sombrear os rústicos cafezeiros de Timor, torna-se necessário arranjar o que as substitua. Os esforços da Missão Agrícola Portuguesa concentram-se na Leucaena leucocephala. A situação é, contudo, preocupante.
Estes mastodontes vegetais têm um importante papel na conservação dos solos, logo do sistema de produção de café timorense, assim como das estradas. Apesar da grossura dos seus troncos, a Paraserianthes falcataria (ex-Albizia mollucana) parece ter madeira de esferovite, tal a sua leveza. Originária do Sudeste Asiático, também se cultiva na Indonésia para a produção de papel. A sua folhagem possui bom teor azotado e palatabilidade razoável, pelo que pode ser usada como forrageira em agro-florestação. Em Timor entra na dieta dos cavalos. É uma leguminosa e fixa quantidades consideráveis de azoto.¹
(Fim de citação).

A espécie é também amplamente plantada nos trópicos, incluindo Brunei, Camboja, Camarões, Ilhas Cook, Fiji, Polinésia Francesa, Japão, Kiribati, Laos, Malásia, Ilhas Marshall, Myanmar, Nova Caledónia, Ilha Norfolk, Filipinas, Samoa, Tailândia, Tonga, Estados Unidos da América, Vanuatu e Vietname.
A Paraserianthes falcataria pode crescer numa ampla gama de solos. Não requer solo fértil; pode crescer bem em solos secos, solos húmidos e até em solos salinos a ácidos, desde que a drenagem seja suficiente. Sob condições favoráveis, as árvores podem atingir 7 metros num ano, 16 metros em 3 anos e 33 metros em 9 anos.²

Chegada ao hotel (ou guesthouse?) em Atsabe, às 18.30h. Hoje fiz 51 km na bicicleta e 41 na pickup, num total de 92 km.

Fui pedir toalhas (no quarto não havia) e mais um cobertor, que por aqui faz frio. Também não há papel higiénico, só dei conta mais tarde, e acabei por usar um dos meus (que o Valério tem um saco cheio deles no carro e vai-me dando).

O quarto tem apenas uma tomada elétrica, e eu tenho três aparelhos para carregar (GPS, máquina fotográfica, telemóvel). Para a próxima vez não me esquecerei de trazer uma ficha tripla. Então o Valério foi buscar uma extensão na sala, onde está ligada a televisão, e passou-a para o meu quarto. Somos os únicos hóspedes, hoje ninguém vai ver televisão na sala.

Comidinha muito saborosa feita aqui no momento pela senhora que nos recebeu. Enquanto andei ocupada a desempacotar tudo (e desta vez ainda tomei um duche antes de ir jantar, não depois, como tem sido hábito), a senhora esteve na cozinha a preparar tudo: frango frito com molho de tomate. No prato mais pequeno à direita está “ai-manas” – piri-piri com molho de tomate, para o Valério, já que eu não quero picante na comida.

Curiosamente ouvi o Valério a colocar spray anti-mosquitos no seu quarto, no mesmo corredor, antes de irmos jantar. Uma das latas tem um resto. Sim senhor, tanto gozou comigo, que não é preciso, que não faz falta, e afinal rendeu-se às evidências. Trocei e o Valério riu-se, apanhado em flagrante. Claro que faz falta. Pode ser a diferença entre dormir descansado ou não. Eu também pus spray no meu quarto, antes de ir jantar.


¹ Lança, Augusto Joaquim de Carvalho (2006, 4 Maio), “A Agricultura em Timor-Leste ”. Timor Agrícola. Página consultada a 21 Fevereiro 2019,
<https://timor-agricola.blogspot.com/search?q=madre+cacau>

² Krisnawati, Haruni et al (2011) “Paraserianthes falcataria (L.) Nielsen: ecology, silviculture and productivity”. Center for International Forestry Research – CIFOR, Bogor, Indonesia. Página consultada a 21 Fevereiro 2019,
<http://www.cifor.org/publications/pdf_files/Books/BKrisnawati1103.pdf>

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