105 – Retidos na Fronteira, Alojada em Casa duma Família

Adormeci na pickup. A noitada na véspera trocou-me os sonos. O Valério e o Sanches pelos vistos perderam-se, pois estamos novamente em Atambua.

E por mais que o Valério acelerasse – hoje atropelámos uma galinha (eu nem quis ver, já bastou o som do impacto, a toda a velocidade) – não conseguimos chegar a horas à fronteira. Fecha às 17h, chegámos às 17.10h. Azar.

Agora temos duas hipóteses: ou tentamos arranjar alojamento aqui, na fronteira de Mota-Ain, ou regressamos à cidade de Atambua, e amanhã de manhã fazemos novamente o caminho até aqui.
Nem pensar, não quero andar mais na pickup. Hoje só fiz 16 km de bicicleta com esta correria de fronteiras. E 165 km na pickup. Isto das fronteiras fecharem às 17h é mesmo um atrofio. Ao menos que fechassem à meia-noite. Vamos tentar arranjar alojamento aqui, portanto.

Esta foto (duma casa de banho, onde eu pedi para ir pois estava aflita) foi tirada em casa dos donos de um hotel (umas casinhas individuais, muito bem pintadinhas). O xixi saiu por aquele buraquinho. Nem quero imaginar o que está nas traseiras da casa.
Então quiseram mostrar-nos as casinhas, mas não encontram a chave. O dono levou a chave consigo. E onde está o dono das casinhas? Nas festas de Atambua. Só volta às 19h. Eu ainda sugeri que esperássemos pelo seu regresso, mas o Valério e o Sanches quiseram ir ver outros alojamentos.

Alojamento seguinte. O Sanches acha que não tem condições. Eu estou tão cansada ainda da noitada da véspera, hoje um dia aborrecido metida dentro da pickup, que eu digo-lhe que é muito bom e que posso ficar aqui. Durmo no chão, não faz mal.
Mas o Sanches não o permite.

Mais uma voltinha na pickup à procura de alojamento. Tirei esta foto da janela, em andamento. Estão a ensaiar para os festejos da independência.

Cá está a placa que já referi na crónica 74. Agora dá para ver melhor. Em frente vai-se para Atapupu. E aparentemente à esquerda vai-se virar para Atambua. Mas não. Quem se meter por aquela estrada só vai dar a Atapupu. Quem for para Atambua não pode sequer entrar naquela estrada, tem sim de passar em frente a esta casa verde.

Ainda fomos visitar uma terceira casa. Esta é a quarta. E é aqui que vou ficar, no piso de cima. Há um quarto livre para mim. O Valério e o Sanches ficarão noutro local, mas vêm cá jantar.

As escadas ao canto que eu tenho de subir para o meu quarto.

O meu quarto.

O piso de cima é totalmente ocupado por mim. E pelas osgas. Ou pequenas lagartixas Tokés, não sei. Há muitas no teto e lá ao fundo na parede vê-se uma. E cantam, alegres.

O dono do meu quarto, temporariamente instalado no andar de baixo enquanto eu cá fico. Quando entrei na casa de banho e fechei a porta, deparei com umas cuecas usadas suas, penduradas na porta. Pu-las em cima do cesto que se vê na foto anterior, de roupa suja, e rapidamente desapareceram. A mãe do rapaz, que anda a tratar de mim, levou-as, ou pô-las dentro do cesto.

Peixe frito e frango. Este jantar é só para mim. O que sobrar (e sobrou muito) ficará para a família.

Jantar só de homens. Os três (para além do Valério e do Sanches) são de Timor-Leste, mais precisamente de Lolotoi, no distrito de Bobonaro. Nos próximos dias lá andarei. Agora vivem na Indonésia e tornaram-se cidadãos indonésios. Efetivamente eu preferia ter comido com a família toda. Mas aqui os hábitos são outros. Em Timor as visitas e os homens comem primeiro (e se a visita é uma mulher, então a visita come sozinha primeiro, está visto) depois as mulheres e as crianças comem em separado. O Valério ainda jantou um bocado de peixe comigo, para fazer-me companhia. Ele e o Sanches acabaram por ficar alojados aqui também, algures, e só dei conta no dia seguinte.

As mulheres comeram em pé na cozinha. Ambas são aqui de Mota-Ain, são indonésias. As crianças nem as vi. “Bonita” – repete-me a mãe do rapaz e dona da casa, de t-shirt cinzenta. Eu rio-me. De facto encanta-me ficar alojada em casa duma família, mas isto de cada qual comer para seu lado entristeceu-me. Não gosto de ver as mulheres a trabalharem e a comerem em pé. Gosto de ver a família unida, com homens, mulheres e crianças, todos sentados à mesa em algazarra. Falei posteriormente com alguns timorenses que me disseram já estarem a tentar contrariar este hábito. Sentar a família em simultâneo à mesa, convidarem as mulheres e crianças ao mesmo tempo. Mudam-se os tempos… mudam-se as vontades.

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