015 – Mercado de Sábado de Manhã & Investimento Chinês

Búfalos dos Pântanos (Bubalus bubalis carabanensis). Estes animais existem um pouco por todo o lado nos países do extremo-oriente tropical, como as Filipinas, a Indonésia e Timor-Leste. O termo “carabanensis” deriva da palavra “carabau”, modo como são conhecidos nas Filipinas, e é semelhante à designação em tétum, “karau”. Contrariamente aos búfalos dos rios (Bubalus bubalis bubalis) que existem na Índia ou no Brasil, estes búfalos destinam-se sobretudo ao trabalho dos campos. Têm ainda uma função social pois dão estatuto aos seus proprietários. O dote que é oferecido aos pais da noiva pela família do rapaz (barlaque) é também formado por búfalos. Usam-se igualmente na religião, pois são abatidos nas cerimónias dedicadas aos antepassados. A carne ou o leite obtido destes animais é assim de pouca monta. Isto não invalida que algumas pessoas ordenhem as búfalas e consumam o seu leite, mas isto é feito de modo pontual.

Estes Búfalos dos Pântanos são animais mais largos e atarracados do que os búfalos do rio, e os cornos atingem maiores dimensões. Apontam para trás e desenvolvem-se quase horizontalmente. Alimentam-se das ervas que encontram, da palha do arroz e dos ramos de certas árvores. Suportam bem o calor e a humidade exigindo, porém, valas com água para se banharem.¹

Sinoma, uma companhia de engenharia chinesa, a trabalhar em Timor-Leste. Irei ver durante esta viagem algumas companhias chinesas a trabalharem cá,  nomeadamente na construção de estradas. E a propósito disto, deixo alguns extratos deste artigo da revista “The Diplomat” sobre o investimento chinês em Timor-Leste. Esta revista é especializada em assuntos da atualidade na região Ásia-Pacífico:

“(…) Desde a independência [em 2002], os dois parceiros estrangeiros mais próximos de Timor-Leste foram a Austrália e a Indonésia. (Permitam-me interromper para comentar que isto da Indonésia ser um dos parceiros mais próximos de Timor-Leste, desde a independência, é discutível… A Indonésia exporta os seus bens, tem atualmente uma relação de parceria, mas daí a ser um “parceiro” desde a independência, à frente de países como o Japão, Portugal, EUA, ou a União Europeia, vai um grande passo. Enviei um email ao jornalista que escreveu este artigo para aprofundar a questão, mas não recebi resposta. Ficará para uma crónica futura, todavia, a análise do relacionamento de Timor-Leste com a Indonésia, bem como com a Austrália, Portugal e outros países. Para já foquemo-nos no relacionamento com a China. Continuando a citação): Contudo, as relações com a Austrália deterioraram-se nos últimos anos, principalmente por causa do tema das fronteiras marítimas no Mar de Timor (…)
(…) De facto, a China forneceu fundos para o movimento de independência de Timor-Leste durante a ocupação indonésia, ao contrário de muitos governos ocidentais, e apoiou o movimento no Conselho de Segurança da ONU no final dos anos 1970, quando muitos países ocidentais se abstiveram em votos importantes até os últimos anos. A China foi também o primeiro país a estabelecer relações diplomáticas com o independente Timor-Leste em 2002.

Nos últimos anos, a China construiu os edifícios de escritórios para o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Timor-Leste, Ministério da Defesa e a Força de Defesa de Timor-Leste, bem como o Palácio Presidencial. Mais de mil funcionários públicos timorenses visitaram a China para formação profissional, enquanto milhares de técnicos chineses ensinaram os seus homólogos sobre os mais recentes métodos agrícolas, planeamento urbano, turismo e assim por diante.

Economicamente, a China significa importações mais baratas e potenciais exportações para Timor-Leste. Segundo estatísticas do governo, em 2014 Timor-Leste gastou 982 milhões de dólares em importações. As suas exportações, excluindo o petróleo, valeram apenas 91 milhões de dólares. Isso deixou um déficit comercial de 891 milhões de dólares, uma quantia considerável, dado que seu PIB foi de apenas 1,37 biliões de dólares naquele ano. A maioria das suas importações ainda chegam da Indonésia e de Singapura, mas, em 2014, a China tornou-se a terceira maior fornecedora de bens de Timor-Leste, no valor de 41 milhões de dólares naquele ano.

(…) No mês seguinte, a marinha chinesa fez sua primeira visita a Timor-Leste quando uma força de intervenção atracou no porto de Díli. Membros do Ministério da Defesa e Segurança reuniram-se com o comodoro chinês, enquanto o governo realizava uma cerimónia para saudar os marinheiros que chegavam. “Não é uma demonstração de força. Está a mostrar a intensidade da amizade entre os países ”, afirmou na altura o primeiro-ministro Xanana Gusmão.

(…) Mas, apesar de toda a conversa sobre amizade, é improvável que Timor-Leste troque por dinheiro fácil a sua soberania, pela qual lutou tão heroicamente. Nem se absteve de criticar as intenções da China no Mar do Sul da China. A 15 de março [de 2016], o presidente Taur Matan Ruak emitiu uma declaração conjunta com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, observando a sua “séria preocupação com a recente situação no Mar do Sul da China”, e prometeu opor-se a “quaisquer ações unilaterais que pudessem mudar o status quo e aumentar as tensões. ” Foi a primeira declaração de um funcionário timorense sobre o assunto.

(…) Na altura da invasão indonésia em 1975, havia cerca de 20.000 chineses a viver em Timor-Leste, principalmente na capital. Mas durante a ocupação muitos emigraram para a Austrália, Filipinas ou China. Em 2002, apenas entre 2.000 e 3.000 permaneceram, embora muitos tenham regressado desde então.

Falei com um dono de uma pequena loja de ferragens em Díli, que, apesar de viver na capital há quase uma década, disse que raramente se mistura socialmente com os timorenses e, em vez disso, prefere passar o tempo nos numerosos grupos comunitários chineses. Na pequena cidade de Maubisse, no alto da floresta, a cerca de 70 quilómetros da capital, falei com vários técnicos chineses que trabalhavam em projetos de desenvolvimento local. “Eu não gosto deste país”, disse um deles. “Eu quero ir para casa”, acrescentou o seu colega, o qual fumava lentamente um cigarro de marca chinesa. Um conhecido meu timorense, que trabalha no setor do desenvolvimento, disse que, exceptuando comer nos restaurantes chineses locais em Díli, raramente fala com os chineses étnicos, que se mantêm sozinhos. Acrescentou que os timorenses são muitas vezes desconfiados e por vezes acreditam que os chineses, em particular os recém-expatriados, estão simplesmente a aproveitar-se de Timor-Leste.

“A relação entre a China e Timor-Leste foi muito benéfica para a China”, disse Charles Scheiner, analista da ONG La’o Hamutuk, com sede em Timor-Leste. Apesar dos níveis cada vez maiores de ajuda e investimento que vêm da China para Timor-Leste, estes tendem a aumentar na direção oposta. A China forneceu 77 milhões de dólares de ajuda a Timor-Leste desde 2011, disse Scheiner, citando estatísticas oficiais, mas desde 2009 o governo concedeu a empresas chinesas contratos de construção no valor de mais de 525 milhões de dólares. As estatísticas de Timor-Leste e da China são frequentemente difíceis de obter e mudam frequentemente dependendo da fonte, mas se as estatísticas acima mencionadas forem suficientes, então para cada dólar que a China investe em Timor-Leste, as suas empresas recebem mais de 6 dólares.

(…) [Mas] o governo de Timor-Leste tem sido cauteloso em relação à China e, apesar de ter aceitado ajuda, também recusou alguns dos seus avanços, tais como direitos petrolíferos offshore e radares supostamente para combater a pesca ilegal”: “Timor-Leste continuará a ter boas relações com a China, mas não permitirá que qualquer potência se torne demasiado importante.”² (Fim de citação).

Deixo também outra versão, desta vez japonesa, e como tal ligeiramente diferente. É como o próprio artigo do “The Diplomat” refere: “As estatísticas de Timor-Leste e da China são difíceis de obter e mudam frequentemente dependendo da fonte”. Vamos buscar várias fontes, portanto, e ouvir várias opiniões, até ao dia em que exista uma única mais fidedigna. Desta vez cito um jornal diário económico japonês, o Nikkei. Verifiquemos para já quem é este Nikkei e porque tem direito a ser ouvido. Segundo o próprio site do Nikkei, o jornal existe há 140 anos e está idealmente posicionado para fornecer notícias e análises asiáticas. O Financial Times, jornal de negócios global, juntou-se ao grupo Nikkei em 2015. Como parceiros de conteúdo, o Nikkei Asian Review e o Financial Times partilham artigos selecionados com os seus respetivos públicos e colaboram em projetos conjuntos.”³. Bom, vamos dar-lhe uma chance. Seguem extratos de um artigo seu:

Timor-Leste conquistou sua independência em 2002 e, desde então, recebeu assistência do Japão, dos EUA e da Austrália  (Mais outra… Este esqueceu-se de Portugal, um dos três principais doadores a par da Austrália e do Japão. Cada tiro, cada melro…). Recentemente, no entanto, tem estado em rota de colisão com a Austrália sobre o desenvolvimento de recursos naturais, e os seus laços com o Japão e os EUA estão a desgastar-se.
A China está a revelar uma atitude de abertura em relação a Timor-Leste através do Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (BAII), um novo banco multinacional liderado por si. Agora, empresas chinesas e timorenses constroem casas, instalações comerciais, escolas e outras estruturas em 10 hectares aqui na capital. O projeto custará 60 milhões de dólares.
(…) O país vê a China como um velho amigo e acolhe a sua ajuda, disse Xanana Gusmão. (…) Timor-Leste passou a confiar na China devido a falhas criadas nas suas relações com os seus tradicionais prestadores de ajuda. Em particular, Timor-Leste e a Austrália estão a tornar-se antagónicos em relação ao desenvolvimento de um grande campo de gás e outros problemas.
(…) Timor Leste depende do petróleo e do gás para 90% da sua receita nacional. Mas como os campos de petróleo existentes devem secar dentro de alguns anos, o país está a intensificar os esforços para desenvolver indústrias alternativas com a ajuda de capital estrangeiro. Está a avançar com melhorias em estradas, portos, aeroportos e outras infraestruturas básicas para atrair investimentos do exterior.
Mesmo que Timor-Leste não possa receber apoio do Japão e dos EUA, “obviamente, existe uma alternativa”, disse o antigo Presidente José Ramos-Horta, agraciado com o Prémio Nobel da Paz. “A alternativa hoje é sempre a China.”
(…) Em troca de dinheiro chinês, Timor Leste está a apoiar o projeto “Belt and Road”, da China, uma reinvenção da antiga rota comercial da Rota da Seda.⁴ (Fim de citação).

E que projeto é este do “Belt and Road”, perguntam vocês. Em português, projeto “Nova Rota da Seda”. É uma estratégia de desenvolvimento proposta pelo governo chinês que tem como objetivo a conectividade e cooperação entre países da Eurásia. O foco inicial tem sido investimentos em infraestruturas, educação, materiais de construção, ferrovias e rodovias, automóveis, imóveis, rede elétrica, ferro e aço. Algumas estimativas já listam esta iniciativa do “Belt and Road” como um dos maiores projetos de infraestrutura e investimento da história, cobrindo mais de 68 países, incluindo 65% da população mundial e 40% do PIB global a partir de 2017.

Um relatório do Conselho Mundial de Pensões (World Pensions Council – WPC) estima que a Ásia, excluindo a China, requer até 900 biliões de dólares de investimento em infraestruturas por ano na próxima década, principalmente em instrumentos de dívida, 50% acima das atuais taxas de gastos em infraestruturas. A grande necessidade de capital de longo prazo explica porque muitos chefes de Estado da Ásia e da Europa Oriental “expressaram com prazer o seu interesse em unirem-se a esta nova instituição financeira internacional, concentrando-se exclusivamente em ‘ativos reais’ e crescimento económico orientado por infraestruturas”.

O Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (BAII), proposto pela primeira vez pela China em outubro de 2013, é um banco de desenvolvimento dedicado a empréstimos para projetos de infraestruturas. A partir de 2015, a China anunciou que mais de um trilião de yuans (160 biliões de dólares) de projetos de infraestruturas estavam em planeamento ou construção. O banco multilateral proposto tem um capital autorizado de 100 biliões de dólares, dos quais 75% virão dos países da Ásia e da Oceania. A China será a maior parte interessada, detendo 26% dos direitos de voto.

E é este o Banco que já está a intervir em Timor-Leste.

Adicionalmente, em 2014, o Presidente chinês, Xi Jinping, anunciou planos para criar um fundo de desenvolvimento de 40 biliões de dólares, que será diferente do Banco BAII. Como fundo, o seu papel será investir em negócios, em vez de emprestar dinheiro para projetos. O Projeto Hidroelétrico Karot no Paquistão foi o primeiro projeto de investimento deste “Fundo da Rota da Seda”. A China já investiu biliões de dólares em vários países do sul da Ásia, como Paquistão, Nepal, Sri Lanka, Bangladesh e Afeganistão, para melhorar as suas infraestruturas básicas, com implicações para o regime comercial da China e a sua influência militar.⁵

Os investimentos parecem gerar influência política, expandir dissimuladamente a presença militar da China e criar um ambiente estratégico vantajoso na região”⁶, indicou o “Center for Advanced Defense Studies” (C4ADS), ou em português, Centro de Estudos de Defesa Avançada, uma organização não-governamental, com sede nos Estados Unidos, que fornece análises baseadas em dados e evidências sobre questões de conflito global e segurança transnacional.

Olha que novidade. Desconfio que daqui a cem ou duzentos anos, todos nós – portugueses e timorenses – se não formos chineses, pelo menos teremos os olhos em bico.


¹ Lança, Augusto Joaquim de Carvalho (2010, 26 Setembro), “Karau: to’os nain belun nian”. Timor Agrícola. Página consultada a 24 Setembro 2018,
<https://timor-agricola.blogspot.com/search?q=karau>

² Hutt, David (2016, 19 Novembro) “Is China’s Influence in Timor-Leste Rising?”. The Diplomat. Página consultada a 24 de Setembro de 2018,
<https://thediplomat.com/2016/11/is-chinas-influence-in-timor-leste-rising>

³ “About Us – Nikkei Asian Review” (s.d). Página consultada a 24 de Setembro de 2018,
<https://asia.nikkei.com/about>

⁴ Suzuki, Jun (2017, 26 Agosto). “China in East Timor; concern in Indonesia and Australia”. Nikkei Asian Review. Página consultada a 24 de Setembro de 2018,
<https://asia.nikkei.com/Politics/China-in-East-Timor-concern-in-Indonesia-and-Australia>

⁵ “Belt and Road Initiative” (s.d.). Wikipedia. Página consultada a 24 de setembro de 2018,
<https://en.wikipedia.org/wiki/Belt_and_Road_Initiative>

⁶ “Estudo indica que Nova Rota da Seda chinesa expande influência de Pequim” (2018, 18 Abril). Agência Lusa, Diário de Notícias. Página consultada a 24 de Setembro de 2018,
<https://www.dn.pt/lusa/interior/estudo-indica-que-nova-rota-da-seda-chinesa-expande-influencia-de-pequim-9267381.html>

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