004 – Preparativos em Díli

A viagem não está totalmente definida, está tudo em aberto. Há uma ideia do percurso, naturalmente, e o qual aproveitámos para discutir, de mapa aberto, na mesa do restaurante. Eu quero partir já hoje de Díli, quero sair da cidade e deixá-la para os últimos dias. Pelo que, terminado o almoço, fomos tratar de tudo: comprar um novo spray anti-mosquitos, pacotes de leite com chocolate, tratar do cartão de telefone timorense para poder falar com o Valério sempre que precisasse (e vice versa), e também preparar a documentação para passar a fronteira entre Timor-Leste e a parte indonésia da ilha. E, claro está, buscar a bicicleta. Que serão duas. Terei duas bicicletas comigo, uma de reserva para o caso de acontecer algo à primeira. Afinal de contas vamos estar no meio das montanhas, em aldeias remotas, não há oficinas especializadas em bicicletas, muito menos uma toda racing como a que será a minha.

Eis a minha bicicleta. Experimentei as duas (em breve a outra aparecerá nas fotos) e esta é sem dúvida a melhor. Uma excelente bicicleta, muito leve, muito racing. O assento será mudado para o meu, em gel, que trouxe de Portugal. As mudanças não estão afinadas, pelo que pedi ao Orlando, o mecânico da oficina do Benfica, onde nós estamos, para afiná-las. O Orlando faz ciclismo e já ganhou uma prova do Timor Tour em 2011.
As mudanças não ficaram totalmente bem, fiquei sem conseguir meter a última mudança de trás. Vou andar assim durante nove dias; voltarei a Díli dentro de nove dias, e o restante será finalmente afinado e terei acesso a todas as mudanças da bicicleta. (Se pensam que uma mudança não faz falta, desenganem-se. Assim que foi afinada, nove dias depois, usei-a massivamente).

A loja onde se tiram as fotos tipo passe, para tratar da minha documentação para passar a fronteira, dentro de uns dias. Nem sabemos ao certo quantos dias, temos uma ideia.
Comecei a aperceber-me que as pessoas não falam português, falam tétum. Geralmente sabem meia dúzia de palavras em português, e tentam falar em português, mas mudam para o tétum mal podem.

E o fotógrafo a ser fotografado por mim. O rapaz do casaco preto é um cliente, e o casaco é da loja, para os clientes ficarem com um ar mais formal nas fotos. Há vários casacos e camisas brancas pendurados na parede, ao dispor, bem como gravatas.

O Eduardo Massa quer que levemos latas de comida connosco, para o que der e vier. Porque nestas coisas de bicicletas, tudo é incerto. Sabe-se lá se a gente não consegue chegar à terra de destino, onde nos espera uma pousada e uma refeição. Levamos uma tenda na pickup, para mim (o Valério diz que dorme no carro, que se desenrasca) e mais umas latas de comida. Eu tenho um carregamento de bolachas comigo, trazidas de Portugal, e mais os pacotes de leite com chocolate ou com morango comprados agora. Fome não havemos de passar.

Tal como referi anteriormente, a moeda utilizada em Timor-Leste é o dólar dos EUA. Eu ainda nem me dignei a cambiar euros por dólares, ainda me falta essa. O Eduardo Massa desenrascou-me para já cem dólares, para eu ir gastando no que for preciso. Esta viagem tem tudo incluído – tem pensão completa – pelo que em princípio não terei muito onde gastar. Onde é que pensa gastar dinheiro? – perguntou-me o Eduardo. Bom, nas entradas dos monumentos e dos museus, por exemplo… Mas nas montanhas, para onde nós vamos, não há monumentos nem museus. Por acaso até haverão um ou dois, mas têm entrada livre. A comida está incluída. Pois nem sei bem onde é que vou gastar, mas quero ter dinheiro comigo. Coisas tão simples como dar um dólar de gorjeta ao rapaz do hotel, que me carregou as bagagens. Não tenho. O Eduardo deu-me notas de vinte. Ainda vou ter que destrocar isto.

O Valério e a pickup. As minhas duas bicicletas já estão presas no tabuleiro da pickup. Ao fundo, à direita, está o Eduardo Massa. Por esta altura eu e o Valério estamos prontos para partir, mas já são quatro da tarde. O próximo destino está a cerca de três horas de viagem. Mudança de planos. Começa já. Não partimos hoje, até porque cheguei há pouco de dois dias de voos, é melhor descansar. Partimos amanhã de manhã então.

O cartão de telemóvel custou 1 dólar, mais 15 dólares por 4,5 GB de internet e 20 dólares de chamadas incluídos para a mesma rede durante cinco dias. Eu carreguei mais 10 dólares em chamadas durante 21 dias, pois o Valério tem outra rede.

Às 16.30h de Díli entro no quarto do Hotel Timor. São oito e meia da manhã, em Portugal. São oito horas de diferença. Estou um bocado cansada, sim, vou descansar um pouco neste bonito quartinho do hotel, o qual pertence à Fundação Oriente.

A questão é que nem me sentei. O quarto tem uma estrada ao lado. Cheia de motas e de trânsito barulhento. Não tem vidros duplos. Ai ai. Eu não vou dormir aqui. Aliás, mesmo que quisesse dormir, não conseguiria.
Pensavam o Eduardo e o Valério que se tinham visto livres de mim, deixando-me no hotel até ao dia seguinte. Vou já estrear o meu cartão timorense, telefonando para o Eduardo. Venham buscar-me! Não quero ficar aqui… (Isto é embaraçoso, mas há coisas que têm de ser feitas. Cada qual tem a sua… Não há os que têm fobia a andar de avião?… Eu devo ter uma fobia ao trânsito a passar, fico num estado de cansaço extremo).
O Eduardo Massa por seu turno telefonou para a receção do hotel e perguntou se não haveria outro quarto nas traseiras, longe da estrada. A coisa demorou algum tempo, e ainda visitei mais dois quartos do hotel. Lá foi o rapaz do hotel fazer-me uma visita guiada pelo Hotel Timor. Há estrada em todos os lados. Efetivamente há um quarto sem estrada, mas fica por cima da cozinha e tem as máquinas a funcionar até às tantas da manhã. Num zumzum permanente. O próprio funcionário do hotel disse que não era bom, mas em desespero de causa foi-mo mostrar. Pois não pode ser.
O Eduardo Massa, sabendo de antemão desta minha peculiaridade, já me tinha falado dum condomínio fechado onde costuma alugar um apartamento. Vou conhecer esse apartamento, sim, vamos lá.
Toca a carregar as bagagens novamente – tirá-las do quarto do Hotel Timor, metê-las novamente na pickup, e lá vamos nós caminho do apartamento. Por esta altura já se passaram 44 horas desde que saí de casa. Há 44 horas que não vejo uma cama. Ou melhor, até vi a cama do Hotel Timor, mas nem me sentei, quanto mais estender-me nela.

Chegada ao condomínio fechado onde vou ficar num dos apartamentos. Foi sem dúvida a melhor opção. Fiquei em silêncio, em total conforto, e também no centro de Díli, afinal. Eu estava com receio de ser longe, mas fica a uns quatrocentos ou quinhentos metros do Cemitério de Santa Cruz – o qual fica no centro. O apartamento tem vários quartos, os quais vou fechar à chave, e ocuparei um deles, bem como a sala de estar. Ainda bem que não me conformei com o quarto barulhento do hotel. Há mesmo coisas que têm de ser feitas, por mais embaraçosas que sejam.
Voltarei a pernoitar aqui dentro de nove dias, quando passar novamente por Díli, e também no último dia da viagem, antes de partir para Lisboa.

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