059 – Corvo, 17º dia – Pelas Cumeeiras da Caldeira

Hoje é sexta-feira, 17 de julho. Hoje vou subir ao ponto mais alto da ilha do Corvo: o Morro dos Homens, com 718 metros de altitude.

Indo diretamente ao Morro dos Homens, o caminho de bicicleta sugerido pela aplicação Maps.me é este. A minha localização está identificada pela seta azul – eu encontro-me na Vila do Corvo. O destino está identificado pela bandeira axadrezada. O tracejado rosa é o caminho da bicicleta. O tracejado cinzento significa que não há caminho e que tenho que largar a bicicleta e desenrascar-me. São 5,3 km sempre a subir.

O caminho pedestre sugerido pela aplicação Maps.me é bastante diferente. E são 4,8 km.
Todavia eu faço isto num instante.
Eu não vou direta ao Morro dos Homens então. Eu vou fazer as cumeeiras do vulcão, ou seja, vou andar pela crista do Caldeirão, dou a volta por cima e chegarei finalmente ao Morro dos Homens. Ir direta seria fácil de mais. Rápido demais.
Eu já tinha estudado este caminho previamente, e ontem combinei com o João levar-me lá acima ao Caldeirão.

O João combinou comigo na padaria às 8h. Eu deixarei a bicicleta presa no mesmo sítio onde deixei da outra vez, e seguirei a pé pelas cumeeiras.
A Celeste vem aí comprar pão. Agora já conheço a Celeste, digo-lhe, e rio-me. A Celeste sorri também e pergunta-me se está tudo bem. Apercebo-me que ontem fotografei metade da Celeste, na crónica 54, quando pedi boleia ao João e ao Filipe. Ainda não conhecia a Celeste. Já toda a gente me viu por aqui, nestes dias, mas eu vou conhecendo as pessoas aos poucos.

Está a bocejar mesmo. É mansa, não me liga nenhuma de volta dela a tirar-lhe fotos.

O João já chegou. Vai ao pão. São 7h50.

E entretanto chega o Filipe na sua moto4. O Filipe irá tentar arranjar-me um barco, durante o dia de hoje, junto dos seus conhecimentos. Fiquei eu de ligar-lhe quando descesse do Caldeirão, pois lá em cima não há rede.

Por esta altura vou no tabuleiro da pickup, mas está muito frio, e aqui em cima arrefeço muito. Começarei a caminhada lá em cima completamente enregelada. Daqui a pouco passo lá para dentro.

A mesma paragem de ontem, para mudar as vacas de local.

O João está a explicar-me o caminho.

Não me canso de olhar para esta magnificência.

Antes de ir-se embora, o João tirou-me esta fotografia. Não sei o que se passa, nem porque estou a olhar para o lado. Talvez o João estivesse a explicar-me qualquer coisa do caminho, que efetivamente começa naquele lado, e se calhar tirou-me esta foto sem querer. Mas eu achei graça à foto e mantive-a. A seguinte, sim, já é a foto oficial:

E o João foi-se embora na carrinha. E eu começo o meu caminho. A bicicleta ficou presa no placard que mostrei na crónica 48.
Vou de capacete. Em caso de queda protege-me. E as luvas idem.

É ali o Morro dos Homens.

O João explicou-me que eu não vou conseguir passar ali ao centro, onde começam as hortênsias do lado direito. Faz uma espécie de quadrado, com as hortênsias. Nessa zona não há passagem, diz-me. Então eu vou descer e subo depois, onde conseguir.

Ali está o objetivo desta volta: o Morro dos Homens, com 718 metros de altitude. Conforme comentei na crónica 56, a altitude deste Morro não é bem clara. Na internet cada site diz uma altitude diferente: uns dizem 718, outros 719, e outros 720 metros. Procurando uma fonte oficial, nomeadamente do Governo dos Açores, não diz nada. A parte da altitude é omissa: diz simplesmente “A visita ao ex-libris do Parque Natural do Corvo, o Caldeirão, só ficará completa e enriquecida se apreciar a imponência do Morro dos Homens”.¹ Não dizem portanto altitudes de nada, que é para não haver confusões. Talvez não seja um ponto unânime. Alguém – duma fonte oficial – terá que ir medir a coisa. Eu, pelo sim pelo não, uso a medida mais baixa: 718 metros.

São 8h55. Acabaram-se as fotos e as contemplações (porque é difícil não ficar horas especada a olhar para tal cenário) e dou início à caminhada. Está tudo deserto, claro. As hordas de turistas rápidos, vindos nos barcos que partem depois de almoço, irão chegar daqui a pouco. Já não me verão.

A progressão é difícil por causa dos buracos existentes na terra, das patas das vacas. Elas passeiam por aqui também. É preciso ir muito atenta ao chão. Nem sempre estes buracos se vêem, escondidos no meio da vegetação. E os pés caem lá dentro, mal posicionados, sendo meio caminho andado para torcer um pé. Portanto, o avanço é lento e cuidadoso.

O sol ilumina a cratera. Se ela já é grandiosa, com o sol a bater ainda mais grandiosa e brilhante se torna.

Só o homem-aranha consegue passar ali, com ventosas, agarrado à parede. Vou tentar por trás.

Mesmo no topo das cumeeiras é fácil. Muito mais fácil do que andar um metro ou dois abaixo, com o terreno já cheio de buracos das patas das vacas.

Esta gaivota gritou-me imenso. Ela até vai com o bico aberto, nesta foto. É mesmo da gritaria que está a fazer. Não há criatura nenhuma neste caldeirão que não fique a saber que eu estou aqui, alertada por ela.

Esta vaca, que já devia estar assustada com a gritaria da gaivota, mal eu apareci no topo correu espavorida por ali abaixo. Eu nem queria acreditar no que estava a ver, sinceramente. Eu aqui com todos os cuidados a andar tão lentamente, e vejo uma vaca de 200 kg (quanto é que ela pesará?) a correr a toda a velocidade por ali abaixo. Na foto ela parece que está parada, mas não, ela vai a correr.

O primeiro pico está feito. Não me canso de contemplar esta cratera. (Eu já tinha dito isto?)

Certo, o primeiro pico está feito.

– Melro! Também andas aqui a passear?
– Encontramo-nos novamente, Rute. Vieste rever o Grande Senhor, do Reino dos Pássaros?
– Sim. Não consigo resistir-lhe.
– Deverás prestar-lhe reverência. É a segunda vez que te acolhe.
– Sim, presto, sem dúvida.
E coloquei um joelho no chão, virada para o interior da cratera, baixei a cabeça e manifestei-lhe o meu respeito.
– Prossegue o teu caminho, Rute, nas tuas limitações de bípede humana. Faltam-te asas.
– Pois faltam, melro.

Turfa. Os pés afundam-se nela.


¹ “Parque Natural do Corvo – Ilha do Corvo” (s.d.). Secretaria Regional da Agricultura e Ambiente, Governo dos Açores. Página consultada a 3 dezembro 2020,
<http://parquesnaturais.azores.gov.pt/pt/feedcorvo/1506-parque-natural-do-corvo-ilha-do-corvo-reserva-da-biosfera>

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