052 – Corvo – Coleção Etnográfica
À porta do restaurante encontro o Filipe. É a terceira vez que nos encontramos, neste meu terceiro dia aqui na ilha do Corvo. A ilha é pequena, e a vila ainda mais. Em três dias é fácil eu começar a conhecer toda a gente. Ontem o Filipe já me tinha falado na coleção etnográfica que existe no edifício da Delegação da Assembleia, e agora voltou a falar. A porta está aberta, disse-me ontem, basta entrar. Então eu posso ir lá agora?
O Filipe telefonou ao Paulo Estêvão, nesta foto, para abrir a porta da Delegação, e assim eu poder visitar a exposição. Este edifício branco à esquerda é a Delegação. É praticamente ao lado do restaurante.
Esta não é nenhuma exposição pública, ou oficial, é uma coleção privada que procura melhores instalações um dia. O Paulo Estêvão contou-me que andam a envidar esforços nesse sentido.
Nesta foto estão expostos uns metros de lã, feita pelos corvinos. É forte, bem quente. Toquei-lhe. Um cobertor de lã pura, comprado em Lisboa, é um balúrdio. Hoje é tudo feito com fibras baratas, inclusive os cobertores. Nem quero imaginar o valor destes metros todos de lã pura, tão grossa e tão quente. Tem 70 ou 80 anos, explicou-me o Paulo.
O Paulo – de polo azul (ao lado do Filipe) – é de Serpa, no Alentejo, e vive na ilha do Corvo há 29 anos. É deputado do PPM – Partido Popular Monárquico. Mas chegou como professor de História: candidatou-se como professor para todas as ilhas dos Açores por haver falta de professores cá e excesso no continente.
O dente duma baleia. É bastante pesado.
Um remo feito com osso da baleia.
Ali escondido ao centro está um banco feito com o osso da coluna duma baleia.
Esta coleção é uma preciosidade.
O Filipe mostra-me uma foto sua. Aquela criança na foto é o Filipe, com o pai e o avô.
Este tear tem 80 ou 90 anos. A madeira do banco apresenta buracos de cracas e rosão, portanto será de madeira proveniente de naufrágios, explica-me o Paulo. É de um navio encalhado. Houve muitos naufrágios aqui ao largo da ilha do Corvo. Houve um navio do século XVI capturado aqui – talvez pelos ingleses, o Paulo não tem a certeza – cuja réplica se encontra no Museu da Marinha em Lisboa.
Entretanto chega o João, com quem eu já me cruzei três vezes também, agora. Foi o João quem me indicou o caminho para o Farolim Canto da Carneira, na crónica 47, e também quem foi ver o brinco da vaca, para identificar a quem pertence, na crónica 50. Encontramo-nos em sítios bem distantes uns dos outros, que não têm nada a ver. Esta ilha é mesmo pequena. Aproveitei para perguntar se já sabia alguma coisa sobre o bezerro morto, e ele respondeu que sim, que já está identificado o dono. Disse para o Filipe: é do Mendonça.
E estamos todos a rir porque o Filipe perguntou se eu preferia que se apagasse a luz, para fotografar melhor o tear. Ora sem luz é que a máquina não apanha nada. Então o João comentou: “Pensas que é um morcego, que vê no escuro?!…” Risada geral.
Máquina de costura de inícios do século XIX. A lã ao lado tem 50 anos.
Mais de 70% das peças desta coleção etnográfica pertencem ao João, disse o Paulo.
O Paulo está a tentar abrir um Museu de Etnografia. Tem sido muito difícil, mas conta conseguir na próxima legislatura.
Livro com a tese de doutoramento, em francês, de João Saramago. Nunca fez a tradução para português. João Saramago foi professor universitário em Lisboa na área das literaturas e linguística. Nasceu na ilha do Corvo. Agora está reformado. Foi o único natural da ilha do Corvo, até agora, que fez um doutoramento, disse-me o Paulo.