050 – Corvo – Reserva Natural

Estes traços indicam que é preciso saltar por cima desta pedra.

É por aqui, é.

Um carro! E está uma pessoa dentro, ao volante.
São 9h40.

O que é isto?

Um bezerro recém-nascido morto! E a mãe não o deixa, está ali de volta dele!
E agora, o que faço? Vou chamar o condutor daquele carro, se calhar ainda não o viu.

Afinal é o João, com quem me cruzei na crónica 47: explicou-me nessa altura o caminho para o Farolim Canto da Carneira. Agora está ao telefone; fez uma pausa para ouvir o que eu tinha para lhe dizer, saiu do carro, ainda ao telefone, e foi ver. Do local onde o carro está parado não dá para ver a vaca e o bezerro.

O João disse-me que pelo brinco da orelha conseguiria encontrar o dono da vaca, que não é sua. Este é um espaço comunitário e esta vaca não é sua. Irá questionar os serviços responsáveis, indicando o número que está pendurado na orelha da vaca, para o dono ser avisado e vir cá tratar. Explicou-me também que os partos das vacas nem sempre correm bem, e que de vez em quando morre algum recém-nascido.

Fiquei abalada com este episódio tão triste. Toda a sua tristeza: do pequeno bezerro morto, caído no chão, e da mãe que não o larga, totalmente impotente. Mas enfim, não vou pôr-me aqui chorar, a viagem prossegue, são coisas a que um agricultor já estará habituado, certamente já viu várias vezes; mas eu nunca tinha visto. E uma coisa é ver fotografias na internet, outra coisa é ver os animais ali à minha frente. E enfim, os donos de gado também hão de estar habituados às lides do matadouro. Endurecem com o tempo. É assim a vida. Nascer, criar, matar, comer.

O meu caminho é por ali, a subir aquela estrada. Creio que só dá para perceber a vastidão disto pelo tamanho das vacas que ali estão. Parecem mosquitos.

Pelo sim, pelo não, eu passo longe delas, bem encolhida no meu canto da estrada.

Acabou-se o caminho. O GPS manda-me atravessar estas montanhas verdes.

As vaquinhas observam-me. Isto há de estar sempre deserto, só vaquinhas e mais nada. Eu – uma estranha – aparecer por aqui a caminhar, desperta-lhes a curiosidade. Eu já não canto. É melhor passar discreta. Elas já me observam tanto, se eu me ponho para aqui a cantar-lhes ainda levo uma marrada. Isto está tudo deserto, elas andam à solta – ou eu ando à solta no meio delas – é melhor tentar passar discreta. Enfim, como se isso fosse possível – ser discreta no meio deste verde todo – mas pronto.

Começa a haver grandes rajadas de vento, que aqui nesta zona são ainda mais fortes. Estou a entrar na zona noroeste da ilha, e os seus ventos são famosos. Li no panfleto do Ecomuseu que a vila se instalou lá em baixo, no canto oposto, precisamente para se proteger dos ventos de noroeste.

Faz vento e frio. Eu é que vou a caminhar e vou quente.

Estou a aproximar-me do precipício, e as rajadas de vento são muito fortes. Vou desviar-me para a direita, por segurança vou afastar-me da falésia à esquerda.

Cheguei ao meu destino. O GPS aponta-me para aqui. As rajadas de vento são fortíssimas. Efetivamente eu aproximei-me deste ponto deitada no chão. Andar aqui em pé, à beira do precipício, com tamanhas rajadas de vento, seria quase suicida. Vim a rastejar pelo chão para tirar esta foto da falésia. O meu objetivo – o meu segundo destino de hoje – foi cumprido.

Sentei-me um pouco mais para a esquerda, num ponto seguro. Estive aqui sentada algum tempo. O vento é tão violento. Parece tudo tão tranquilo, tão verde, e no entanto a natureza é tão impetuosa e tumultuosa. Como somos pequenos e insignificantes – tomo consciência. Como tudo é tão pequeno perante tamanha magnificência. Aqui estou. Sentada num dos braços do vulcão – Grande Senhor, do Reino dos Pássaros.

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