026 – Santa Maria, 8º dia – Poço da Pedreira

Deixei o despertador para as 5h20, mas acordei às cinco.
O colchão é muito mole, e eu tenho sentido desconforto na coluna durante o dia. O rabo fica enterrado no colchão. A coluna nunca está direita enquanto dorme. São suaves e confortáveis, estes colchões, mas nada ortopédicos.

Hoje vou apontar para o Norte. São 10 km sem grande altitude. Os percursos pedestre e de bicicleta são idênticos. Hoje sigo pelo da bicicleta. A seguir, se der, sigo para o Barreiro da Faneca. Logo se vê como as coisas correm. O almoço é uma preocupação.
Decidi que aqui em Santa Maria não vou subir ao pico. Eleva-se a 587 metros e eu já tive a minha dose em São Miguel, muito mais alto do que este.

O sol está a nascer, são 6h58.

Estes óculos são de plástico, servem para proteção dos olhos enquanto pedalo. Porque entrarem mosquitos, ou terra, para os olhos, em andamento, não é de todo agradável nem aconselhável.

Creio que aqui é uma povoação chamada Cruz de São Mor. Não sei. Se não for, alguma alma caridosa que me corrija, para eu corrigir estas crónicas também.

Ali é a povoação chamada Forno, e desta não tenho dúvidas porque vou fotografar a placa.

Coibi-me de cantar-lhe porque são 7h21 e iria acordar a vila toda, que se encontra em absoluto silêncio. Ou melhor, os pássaros cantam. Como se fosse possível ter silêncio com estes passarinhos todos.

Faço xixi à beira da estrada. Os carros ouvem-se ao longe, dá tempo para terminar antes deles chegarem. Vou lá meter-me dentro do mato, nem vale a pena.

A enveredar pela estrada principal – que não gosto nada. Santa Maria é uma ilha calma, e são 7 da manhã, mas mesmo assim. Carros a rasarem-me com os seus motores barulhentos não é a minha onda.

Esta senhora veio à porta falar comigo. Os cães do outro lado da estrada, da outra casa, ladraram muito à minha passagem e chamaram a atenção. Perguntei-lhe se o Poço da Pedreira é longe, se é preciso andar muito, se posso levar a bicicleta. A senhora respondeu-me que é já aqui, que se calhar levo quatro minutos a lá chegar, ou nem isso. A bicicleta é que não passa.
E escondeu-se, não consegui falar mais nada consigo.

A bicicleta fica aqui presa com o cadeado. Já não tenho paciência para retirar-lhe o suporte do telemóvel, agora não se justifica. Levo apenas um cantil de água comigo.

Afinal é mesmo aqui ao lado, são 20 segundos talvez. Coitadinha da senhora, no seu passo se calhar serão 4 minutos, através daquela passagem tão cerrada.

O Poço da Pedreira é uma antiga zona de extração de pedra, talhado num cone vulcânico, o Pico Vermelho.

Deixo a nota de que Santa Maria é a única ilha dos Açores que não apresenta atividade vulcânica recente, porém está sujeita a uma sismicidade relativamente elevada dada a sua proximidade ao troço final da Falha Glória (na zona de fratura Açores-Gibraltar). Demonstram-no, por exemplo, os fortes sismos de Novembro de 1937 e de Maio de 1939, e a recente crise sísmica de Março de 2007.¹

Sobre a crise sísmica de 2007, leia-se resumo feito nesse ano pelo Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos:

“Desde o passado dia 5 de Abril que a região dos Açores tem estado a ser afetada por uma intensa atividade sísmica (…) Esta atividade sísmica desencadeou-se subitamente às 03:56h do dia 5 de Abril com a ocorrência do sismo principal, o qual teve uma magnitude próxima de 6 na escala de Richter e atingiu as ilhas de São Miguel, Santa Maria e Terceira com intensidades máximas V/VI, V e IV (Escala de Mercalli Modificada), respetivamente. O evento não provocou vítimas nem danos materiais significativos, exceção para a queda de alguns muros de pedra e raras fendas em habitações já fragilizadas. Tratou-se de um dos sismos mais violentos registados no arquipélago desde o terramoto de 1 de Janeiro de 1980 e apenas o facto de ter ocorrido a uma distância significativa das ilhas de São Miguel e Santa Maria evitou consequências drásticas.

A este sismo têm-se sucedido inúmeras réplicas, algumas das quais com magnitudes superiores a 5, bem sentidas nas ilhas de São Miguel e de Santa Maria, e ocasionalmente na ilha Terceira. Tratando-se de uma crise de natureza tectónica, o padrão de atividade sísmica a que presentemente se assiste é o normal nestas situações e pode prolongar-se durante vários dias, semanas ou meses, à semelhança do ocorrido noutros episódios registados na Região. Assiste-se a um decréscimo relativamente lento da sismicidade quer em termos do número de sismos registados, quer em magnitude, mas por vezes tal tendência é interrompida por pequenos períodos de maior libertação de energia. A situação só regressará ao normal quando as diferentes falhas ativas existentes na área se adaptarem às novas condições geológicas, uma vez que a rotura provocada pelo sismo principal foi da ordem dos vários quilómetros. (…)

Na verdade, poderá estar a concluir-se mais um período de grande atividade sísmica nos Açores; mas de que modo o sismo de 5 de Abril influenciará os outros sistemas de fratura existentes na Região? Seja como for, o fim de cada ciclo é o início do ciclo seguinte, pelo que numa zona marcada com as particularidades geológicas que os Açores evidenciam, a atitude mais acertada é a de investir na prevenção”.²

Se hoje em dia temos medo dos vulcões e dos sismos, com toda a tecnologia e meios que temos ao dispor, imaginem há dois, três ou cinco séculos atrás. As populações viviam sob um medo constante. Os fenómenos vulcânicos eram um mistério, e portanto quando ocorriam erupções, eram chamadas de “mistérios”. A grande religiosidade que daí surgiu é uma das consequências desse medo constante – a procura de proteção e ajuda.

Há muitas rãs a saltar para dentro de água à minha passagem. Muitos coaxares.


¹ “Ilha de Santa Maria” (s.d.) Wikipedia. Página consultada a 18 outubro 2020,
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Ilha_de_Santa_Maria>

² Ferreira, Teresa (2007, 16 abril) “Breve nota sobre o sismo de 5 de Abril de 2007”. Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos. Página consultada a 18 outubro 2020,
<http://www.cvarg.azores.gov.pt/noticias/Paginas/cms_53_Breve-nota-sobre-o-sismo-de-5-de-Abril-de-2007.aspx>

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