019 – Santa Maria – Malbusca
Montei a bicicleta (o guiador; os pedais; enchi os pneus; montei os dois suportes – do telemóvel e da água), desfiz algumas bagagens, equipei-me e ainda tive que esperar um pouco que parasse de chover. Às 9h15 arranco. O meu destino é Vila do Porto, a maior povoação da ilha, onde se localiza o centro de saúde, e onde vou fazer a segunda e última análise à Covid-19, às 14h, obrigatória para permanecer nos Açores. Antes disso, conto almoçar na vila.
Como se pode verificar na imagem, eu selecionei novamente o percurso pedestre. Quero trilhos, não quero estrada. É um risco, porque nem sempre estes trilhos dão para a bicicleta, conforme já contei em crónicas anteriores. Mas se eu vir a coisa complicada, sobretudo tendo hoje horários a cumprir, eu volto para a estrada e prossigo daí. A ver vamos.
Indica que são 13 km com uma subida acumulada de 350 metros, mas a maior parte é a direito ou a descer. Tenho ali aquele buraco a meio, na linha azul, que é a praia. Vou ter que subir a seguir.
Comi uma fatia de bolo, uma pequenina sandes de queijo, e uma pequenina sandes de chourição. Sobrou tudo do pequeno-almoço e eu trouxe comigo. Com o perigo da Covid-19 ia tudo fora mesmo, mais vale eu trazer. Se um hóspede se senta à mesa com a comida à frente, tudo o que está na mesa não pode ser aproveitado, é um risco.
É um cão de raça australiana, disse-me o José, o qual aparece na foto abaixo. Não me recordo de alguma vez ter visto esta raça. Tão bonito. Fazendo pesquisa na internet, encontro o seguinte:
“Boiadeiro-australiano (em inglês: Australian Cattle Dog) — também apelidado de blue heeler ou red heeler, de acordo com a pelagem, — é uma raça de cães oriunda da Austrália. A raça é utilizada desde sua origem para auxiliar na lida com gado bovino. É um animal de pastoreio de bovinos, considerado eficiente e rústico. Hoje está a ganhar popularidade como animal de estimação e cão de companhia, apesar de ser em sua origem um cão de trabalho”.¹
Eu não me importava de ter um lobito destes.
Ermida de Nossa Senhora da Piedade, construída em finais do século XVII.
Rute Norte, concebida em finais do século XX.
A Rute tem uma tshirt azul por baixo, a qual constatei – ali mesmo – que está do avesso. Tal era o trambelho a vestir-se hoje às 4 da manhã.
Chama-se Ana Paula Chaves. Eu gritei “Bom dia”, na rua, ao ouvir conversar nas traseiras. E a Ana Paula respondeu, veio ver quem era. Esteve a explicar-me as distâncias para as atrações que vi na placa, à entrada desta povoação que se chama Malbusca. Uma delas fica relativamente longe, vai-se a pé.
A Ana Paula e a sua filha Beatriz. A Ana Paula já esteve no Canadá e em algumas ilhas dos Açores.
Perguntei à Ana Paula o porquê do nome desta terra, “Malbusca”. Respondeu que é uma história elaborada e que não se lembra. Andei à procura na internet (onde anda o Gaspar Frutuoso?! Ou se calhar devo perguntar agora pelo historiador mariense Manuel Arruda!) mas não encontrei nada sobre o assunto; encontrei sim outras coisas:
Conhece Malbusca? Fica nos Açores e é dos melhores sítios da Europa para lançar minissatélites
(Notícia do jornal Expresso, de julho de 2018. Citando):
A conclusão é de um estudo encomendado pela Agência Espacial Europeia: Malbusca, na ilha de Santa Maria, tem melhores condições do que outros potenciais locais na Europa para lançamento de minissatélites.
Malbusca proporciona acesso a órbitas “comercialmente mais atrativas para estes satélites, oferece condições vantajosas para a gestão do espaço aéreo e marítimo, dispõe de clima melhor do que outros possíveis locais na Europa”, assim como “condições de segurança necessárias para operações críticas como estas”, sublinha o estudo. Além disso, existem já antenas de rastreio de lançamentos da ESA na ilha de Santa Maria, “aumentando o retorno sobre estes investimentos públicos já feitos”.
A Europa “precisa de ter rapidamente pequenos lançadores para se manter competitiva face aos EUA e à China”, afirma Nuno Ávila, diretor-geral da empresa espacial Deimos Engenharia. Todos os países querem ter bases espaciais para estes lançadores “porque lhes confere soberania de acesso ao espaço, e Portugal tem uma rara geografia que reúne condições para este tipo de atividade”, havendo mais dois ou três locais na Europa que podem ser considerados. Por isso, “é preciso agir já se queremos estar a voar em três anos”, insiste Nuno Ávila.
Em fevereiro deste ano foi divulgado um primeiro estudo da Universidade do Texas em Austin (UTA) encomendado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que apontava para Malbusca, na freguesia de Espírito Santo, na ilha de Santa Maria, como a melhor localização de uma base espacial para o lançamento de pequenos satélites nos Açores. A UTA, que está interessada em investir no projeto, estimava em 100 a 200 milhões de euros o custo inicial desta base.²
(Fim de citação)
Depois encontro outras notícias mais recentes, nomeadamente de março de 2020, que dizem o seguinte:
“As informações sobre o progresso do spaceport de Malbusca são cada vez mais esparsas. O “andamento do processo” parece ter passado de aparentemente acelerado para progressivamente trôpego, estando agora numa espécie de coma induzido sem procedimento de eutanásia em vista”.³
De qualquer forma a ilha de Santa Maria já se destaca no panorama internacional precisamente pela atividade aeronáutica: aqui existem estações de rastreio de satélites da Agência Espacial Europeia e da NASA², e é aqui que se situa o Centro de Controlo Aéreo do Atlântico, que abrange uma vasta área do Atlântico Norte. É no centro de controlo oceânico em Santa Maria, e nas torres de Ponta Delgada, Horta, Flores e Santa Maria, com um total de 189 pessoas, que cerca de 160.000 voos por ano são controlados em condições adequadas de segurança (voos com destino aos Açores e sobrevoos). Até Agosto de 2018, cerca de 10% do tráfego foi o de entrada/saída com destino aos Açores. Os restantes 90% foram sobrevoos intercontinentais com outros destinos.⁴
Emanuel, funcionário da Câmara Municipal de Vila do Porto.
Caminho d’além – diz a placa. Havemos todos de fazê-lo!
E eu que tenho a tshirt do avesso, aproveito para virá-la aqui nesta paragem, escondida. O movimento é tão grande que dá para despir-me numa paragem de autocarro, ficar em soutien, voltar a vestir-me, e ninguém passa. O meu telemóvel tocou, era do centro de saúde a confirmar a análise hoje às 14h. Estou a caminho de bicicleta!, disse-lhes. E em soutien numa paragem de autocarro!
Agora vou lá abaixo, à praia. A descer todos os santos ajudam. A seguir vou ter que subir isto tudo outra vez, mas ali na estrada da ponta, nas casas do fim.
Não é por aqui!, diz-me o GPS. A seta começou a oscilar para baixo e para cima, como fez em São Miguel, no dia da Lagoa das Sete Cidades. Já não me enganas! Travei imediatamente e voltei para trás.
O GPS está a mandar-me sair da estrada e enveredar por este caminho à esquerda. Vai começar a festa. São 10h51. A análise é às 14h. Tenho 3h, há-de dar tempo para desenvencilhar-me.
¹ “Boiadeiro-australiano” (s.d.). Wikipedia. Página consultada a 7 outubro 2020,
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Boiadeiro-australiano>
² Azevedo, Virgílio (2018, 21 julho) “Conhece Malbusca? Fica nos Açores e é dos melhores sítios da Europa para lançar minissatélites”. Jornal Expresso. Página consultada a 7 outubro 2020,
<https://expresso.pt/sociedade/2018-07-21-Conhece-Malbusca–Fica-nos-Acores-e-e-dos-melhores-sitios-da-Europa-para-lancar-minissatelites>
³ Silves, Diogo (2020, 5 março) “O Spaceport está cegando”. Santa Espaço Maria. Página consultada a 7 outubro 2020,
<https://santaespacomaria.com/2020/03/05/o-spaceport-esta-cegando/#more-2401>
⁴ Gil, Francisco (2018, 26 dezembro) “FIR de Santa Maria”. Cavok.pt, Portal da Aviação de Lazer. Página consultada a 7 outubro 2020,
<https://cavok.pt/2018/12/26/fir-de-santa-maria/>