008 – São Miguel – Desvio Inesperado de Rota até Salto do Cavalo
Lá em baixo é a praia da Maia, que se chama Praia do Calhau da Maia.
São 11h, tenho 23 km feitos e faltam 39.
O que eu não estava à espera é que de repente o caminho desaparecesse na aplicação Maps.me. Todo o trajeto que fotografei na crónica 6, agora já não consta. Desapareceu. Esta nunca me tinha acontecido. O Maps.me mudou de ideias subitamente e agora manda-me para o centro da ilha, em direção às Furnas, em vez de manter o trajeto rente ao mar. Em Janeiro de 2018 eu estive nas Furnas, e no frio de janeiro corri em biquíni para dentro das suas deliciosas águas quentes. Experimentei todas as pequenas piscinas e fiquei dentro de água até a pele ficar engelhada. Agora não vou repetir na bicicleta. Tenho outro destino e quero mantê-lo, na ponta leste da ilha.
A aplicação Maps.me agora indica que para chegar à Cascata da Ribeira da Ponte, por um caminho pedestre, tenho de dar esta volta pelo centro da ilha.
O caminho da bicicleta mantém-se rente ao mar, mas na estrada principal, a linha cor de laranja. Há duas linhas linhas cor de laranja, e tudo o que é cor de laranja é mau. Tem muitos carros. Nesta estrada não quero fazer 36 km nem por sombras. Poderia tolerar meia dúzia de quilómetros, nunca um percurso inteiro.
Então decidi fazer o percurso pedestre.
Mal sabia eu no que ia meter-me. É que eu nem reparei na altitude. Aquilo diz 920 metros de subida acumulada, e eu não reparei nisso.
Por aí não há saída!, disse-me esta senhora. E disse-me mais algumas coisas, que eu não percebi. A pronúncia micaelense pode ser muito cerrada e difícil de perceber. Ela repetiu, paciente, mas eu não percebi nada. O GPS diz-me que é por aqui, respondi-lhe eu, hesitante. Muitas vezes não há caminhos nenhuns e o GPS manda-me seguir em frente, sobretudo sendo um caminho pedestre. Eu não posso desobedecer agora ao GPS, estou a meio caminho. E fui, numa subida de poucos metros, com a bicicleta pela mão.
Pois fui parar às traseiras da sua casa, com certeza.
Eu não disse?! – exclamou ela. Olha agora percebi bem. Ri-me e voltei para trás. A senhora riu-se também. (De onde vem ela, com uma bicicleta, a caminho da minha casa?…) Afinal é para voltar na rua seguinte, não é nesta.
Favas para plantar, explicou-me a senhora, se eu bem percebi.
Eu não sei por onde é que o Maps.me está a mandar-me, que caminhos são estes, mas eu ainda não parei de subir, há vários quilómetros.
Isto não está a acontecer-me. Campos lavrados. O GPS está a mandar-me a direito por campos lavrados. Ainda aparece aí o agricultor e eu a passar por cima das coisas com uma bicicleta. Fui andando com muito cuidado, com a bicicleta pela mão, rente na beira, tentando não pisar nada, nem eu nem os pneus da bicicleta.
Estão a ver o mar lá em baixo? Eu andava ali, nas praias!! São agora 13h33.
E eis que recebo uma chamada no telemóvel. Olha, tenho rede. Quem é que está a ligar-me quando eu ando perdida no meio dos campos?!… É do Centro de Saúde da ilha de Santa Maria! Estão a ligar-me por causa da minha próxima análise à Covid-19! Será em Santa Maria, já não será em São Miguel, porque o sexto dia – dia da análise após a primeira – calha a um domingo. Então fá-la-ei na 2ª feira, já na próxima ilha. Vamos ver se chego lá. Se me desembaraço destes campos de São Miguel!!
Há coelhos por todo o lado, escondem-se à minha passagem. Eu é que não consigo fotografar nenhum, quando agarro na máquina e aponto já eles desapareceram. Na foto abaixo foi o melhor que consegui:
Avistei a estrada e uma carrinha parada, com uma pessoa a pé, junto a ela. Estrada, finalmente! Nunca pensei ansiar por uma estrada de alcatrão. E agora chegar à estrada? Onde é que está o acesso? Vou em linha reta, novamente, pelos campos?
Ainda andei aos ziguezagues, à procura do caminho para a estrada de alcatrão, com o GPS constantemente a mudar de sentido – quando eu ia para a direita ele dizia que o caminho era para a esquerda; eu ia para a esquerda e a seta mudava para a direita… ainda fiz isto duas vezes, para trás e para a frente, com os coelhos todos à minha volta aos saltos, até que desisti de olhar para o GPS e decidi chamar o condutor da carrinha. Dei-lhe sinal de vida. Ele já me viu, mas pode pensar que eu não quero ajuda. Mais vale chamá-lo já antes que se vá embora. Ele poderá ajudar-me a sair daqui. Será que há cercas ou arames farpados ao longo da estrada e eu agora não vou conseguir passar? Só me faltava voltar tudo para trás. Aquele senhor poderá ajudar-me a pular a vedação, eu e a bicicleta, se existir vedação. Porque o GPS aponta na direção da estrada, só estou a tentar perceber qual o caminho até ela.
(Atenção que eu fiquei numa área sem caminho, só ervas. Não é o caminho que se vê aqui nesta foto. Eu já estava tão apreensiva e desejando de sair dali que nem tirei fotos. Antes que o condutor da carrinha se vá embora, deixa-me mas é despachar-me).
Chama-se Alberto, disse-me. E acho que o seu ar nesta foto diz tudo: “O que anda esta aqui a fazer?!… De onde é que ela vem?!…”
A estrada não estava vedada. Tenho 34 km feitos e são 14h. E já não tenho água. Bebi os três cantis de água. Tem água? – perguntei ao Alberto.
O Alberto anda a espalhar nitrato e explicou-me onde há uma fonte de água, a uns 200 ou 300 metros, no meio dumas vacas que não me fazem mal, disse-me. São suas.
Não vejo fonte nenhuma. Mas felizmente o Alberto entretanto veio na sua carrinha ajudar-me.
Aquele é o meu cantil, que o Alberto está a encher. A vaquinha bebe dum lado, eu bebo doutro. “Esta água é boa!”, diz-me o Alberto. É água de nascente! (A água vem de uma mangueira direta da fonte, não está a passar por dentro do tanque).
Enchi dois cantis, descansei um pouco, conversei com o Alberto. Faltam-me 30 km! Mas tem descidas!!
O Alberto tem uma filha de 24 anos que já terminou Direito e vai para juíza, em Coimbra. Esta gente nova a formar-se e a vencer na vida, com sucesso, e já não querem saber dos campos para nada. Deixei o meu website ao Alberto e posteriormente falei com a Ana por email, a sua filha. Ia precisamente viajar para a ilha de Santa Maria, mas em trabalho, para fazer um interrogatório, não deu para nos conhecermos pessoalmente.
Agradeci ao Alberto a ajuda no meu salvamento (porque o Alberto colocou-se no ponto da estrada onde eu deveria sair, e portanto eu consegui orientar-me e dirigir-me no seu sentido, através dos pastos), agradeci-lhe a água também, e prossigo a viagem. São 14h30. Agora ainda tenho que subir aquilo tudo. Sim, o meu caminho é mesmo lá para cima. Hoje nem à meia noite estou em casa.