099 – Epílogo
30º dia – em Lisboa. Sábado, 3 de agosto de 2019.
Voltar a lavar os dentes com água da torneira. Ainda não me habituei, ainda procuro a garrafa.
Finalmente o backup das fotos na cloud foi feito automaticamente durante a noite, com o meu wifi. Carregou mais 2,5 GB. Fico mais tranquila assim, com um backup. E se perdesse as fotos todas de São Tomé e Príncipe? Seria traumático.
Acordei às 6 da manhã, ou seja, 5 em São Tomé e Príncipe. Este horário está-me entranhado. Será que a aranha voltou à minha casa de banho, lá na mansão de madeira? Agora tem o quarto livre outra vez. Já não há hóspedes.
Está frio em Lisboa, na meteorologia diz 18 graus.
A terra da floresta não me sai das unhas dos pés. Na floresta andar assim é normal, ninguém liga, mas agora estou numa cidade europeia, ninguém vai perceber porque ando eu neste estado. Por mais banhos que tome, por mais que tente tirar a terra com o corta-unhas, continuo com as unhas castanhas. Pintei-as com verniz cor de rosa a ver se tapa. De regresso à civilização.
Já não são necessários pensos de combate nas esfoladelas dos pés, feitas no ilhéu Bom Bom. Um simples penso rápido comprado no supermercado já serve.
Parti com 55 kg de peso e voltei igualmente com 55 kg.
Voltei a ter o prazer de comer uma salada de alface e tomate. Em África e Ásia não se podem comer saladas cruas, conforme indicado na consulta do viajante. (E conforme eu sei de experiência própria). Tantas saladinhas que tive de recusar em São Tomé e Príncipe. Agora irei comer todos os dias uma, como desforra.
Não fiquei com nenhuma tshirt de São Tomé e Príncipe. Não se vendem. Não há lojas de souvernirs. Acho que foi a primeira viagem da minha vida em que não trouxe uma tshirt ou uma camisa de alças. Em Timor-Leste o Valério deu-me uma, que lhe pertencia, da Volta a Timor-Leste em Bicicleta, pois também não há tshirts à venda em Timor-Leste.
Gostaria de ter feito os 70 ou 80 quilómetros de bicicleta entre a cidade de São Tomé e a Praia Inhame, no sul da ilha. Fá-los-ia sem problemas, o pior era o regresso. Se um dia voltar a São Tomé e Príncipe, em férias, tentarei resolver esta questão. Terá de haver um carro lá disponível para trazer-me ao fim do dia. São duas ou três horas de viagem, de carro. De bicicleta, com as minhas mil paragens para fotos e conversas, deveria ser um dia inteiro.
Sou contactada por uma série de santomenses através do Messenger e também do Whatsapp. Mandam-me mensagens, cumprimentam-me. Algumas das pessoas não conheci, pergunto-lhes de onde são. Qual a ilha, qual a povoação.
Têm uma luta tão grande pela frente. A maioria da população santomense ainda tem carência de quase tudo, incluindo energia e saneamento básico. E no último relatório das Nações Unidas, a corrupção é indicada como “um grande problema”: “Os mecanismos de supervisão, a oposição e os media descobriram repetidamente evidências de má conduta oficial, algumas vezes resultando em demissões e outras repercussões, mas, em geral, as leis anticorrupção são mal aplicadas”.¹
Meus amigos, há um grande caminho a percorrer.
Quando cheguei a Lisboa perguntaram-me se estou cansada. Não, efetivamente não me recordo de chegar cansada das minhas viagens. São sempre feitas no modo leve-leve santomense.
Duas semanas depois de regressar a Lisboa, dei uma volta de bicicleta: os meus habituais 45 km em Lisboa à beira Tejo. Matar saudades da minha cidade, do meu berço, da minha casa.
¹ “Freedom in the World 2018 – São Tomé and Príncipe”, UNHCR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Página consultada a 27 janeiro 2020,
<https://www.refworld.org/docid/5bcdce21a.html>