122 – Viagem aos Açores: Epílogo
A pergunta foi – e continua a ser – invariável: “Qual foi a tua ilha preferida?”. E eu sempre me abstive de responder, enquanto publicava as crónicas, para não influenciar os leitores. Porque os gostos são variáveis. Existem ilhas mais movimentadas e existem ilhas mais tranquilas. O que é bom para mim, pode não ser bom para outra pessoa. Aliás, até mesmo cada um de nós vai variando de gostos ao longo do tempo. Hoje queremos o bulício de Nova Iorque, amanhã queremos o sossego do Alentejo. E depois de amanhã queremos praia, muita praia, sol e mar.
A minha ilha preferida foi o Corvo. Pelo seu isolamento, por ser tão pequena e grandiosa. Um rochedo no mar. Fustigado pelas ondas e pelo vento. Foi onde me senti em total liberdade, sem restrições, sem receios. Por outro lado foi também onde consegui ter maior aproximação às pessoas – à sua população – precisamente por ser um ambiente tão pequeno. Será a ilha mais segura do arquipélago dos Açores, como me apontaram exatamente os corvinos, e conforme comentei nas crónicas. São cenários tão selvagens, tão à mercê das intempéries da natureza, que remetem uma pessoa ao silêncio, ao pensamento, à introspeção. Não quer isto dizer que amanhã, ou mais exatamente no dia em que eu regressar aos Açores, não vá com outro espírito e porventura procure uma ilha mais cosmopolita e movimentada.
Em segundo lugar gostei da ilha Graciosa. Em terceiro lugar da ilha de Santa Maria. Uma vez mais por serem pequenas e tranquilas. São dois mimos – ambas com belas praias e belos passeios pedestres, ou de carro também.
Muito marcante foi a montanha do Pico, claro. Subir à mais alta montanha de Portugal, sozinha, foi igualmente uma experiência introspetiva, de esforço e de prazer em atingir objetivos.
Nesta viagem de 33 dias ficou a faltar sempre alguma coisa, em cada ilha. Faltou visitar o Barreiro da Faneca, na ilha de Santa Maria. A Fajã da Caldeira de Santo Cristo, na ilha de São Jorge. A Furna do Abel na ilha Graciosa. E uma série de outros lugares, em todas as ilhas, inclusive alguns museus, que seriam importantes na minha formação e no meu conhecimento sobre o arquipélago. Significa isto que não preciso de pretextos para voltar. Tenho reais motivos para regressar, assim a vida o permita.
Gostaria de salientar um pormenor, muito importante: nesta viagem pelos Açores nunca fui ameaçada e muito menos atacada por cães. Eu parti com algum receio. A passar em campos e casas isoladas, sozinha na bicicleta, poderia ser grave. Um turista na Ásia esteve 4 ou 5 dias dentro dum poço, até que finalmente alguém passou e o ouviu gritar. Estava a fugir dum cão que queria atacá-lo e caiu no poço. Numa das ilhas disseram-me que a GNR estava atenta aos cães agressivos e que andava em cima dos proprietários. Isto pelos vistos foi bem conseguido. Em ilhas tranquilas que prezam os caminhantes por trilhos tranquilos, efetivamente não podem haver cães a atacar as pessoas. Já no Alentejo, por exemplo, em Portugal continental, a coisa não corre tão bem: eu passei a ter medo de andar a pé ou de bicicleta no Alentejo após muitas experiências negativas. Os cães andam à solta, os portões das quintas estão abertos, basta passar na estrada e eles saem da propriedade e vêm cá fora atacar. Quem passa de carro nem dá conta. Mas quem passa de bicicleta dá. Uma das minhas perninhas em calções torna-se um bom petisco para um cão grande e agressivo. Não teria forma de defender-me. Um amigo chegou a sugerir-me levar para os Açores um repelente ultrassónico de cães para neutralizar um eventual cão atacante, mas a coisa é pesada e grande para andar carregada todos os dias. Eu nem usei uma única vez uma pequenina e moderna máquina de filmar, ligada ao smartphone, que comprei propositadamente para viajar, só para não andar carregada na bicicleta. E de qualquer forma sempre duvidei daquilo – do repelente ultrassónico. Quando um cão agressivo e forte vem para atacar, quer lá saber de ultrassons.
Não trouxe pedras vulcânicas de recordação. Foi uma decisão que tomei – não acumular mais peso e bagagem. De vez em quando faço colagens nos meus quadros, porém colar pedras num quadro torna a questão logística da sua embalagem, manutenção e transporte uma autêntica dor de cabeça, como muito bem saberão os artistas plásticos que já usaram estes materiais nas suas obras. Então este ano decidi não acumular nada. Não usar colagens nos meus quadros dedicados aos Açores. Mas fiquei a pensar nisto. Acho que para a próxima trarei algo mais plano, talvez terra vulcânica 🙂
Foi uma viagem feliz, correu tudo bem. Os calorosos açorianos receberam-me bem. Inesperadamente à sua porta. Alguns assustaram-se comigo até, conforme contei algures nas crónicas.
Foi uma bela aventura que recordarei para sempre, com momentos de êxtase perante cenários tão grandiosos. Espero ter conseguido transmitir nestas crónicas a aventura e a beleza desta viagem.
E como é hábito ao regressar de uma viagem longa e marcante, durante vários dias seguidos tive sonhos repetidos: constantemente sonhei com cones redondos. Muitos cones seguidos. Eu andava de cone redondo em cone redondo.
Crateras. Seus vulcõezinhos lindos. Um espantoso e mortal fenómeno da natureza.