098 – Terceira – Pelos Trilhos dos Biscoitos

Qual a origem do nome, ilha “Terceira”? Na internet há duas informações contraditórias: uns dizem que se deve ao facto de ter sido a terceira ilha do arquipélago a ser descoberta. A Infopédia¹, por exemplo, diz isto. A Infopédia é o dicionário da Porto Editora. Enfim, tenho-o em boa conta. Outros dizem que se deve à ordem pela qual os grupos de ilhas foram descobertos no Oceano Atlântico: primeiro, o arquipélago das Canárias; em segundo lugar, o arquipélago da Madeira; e em terceiro lugar, o arquipélago dos Açores. A ilha Terceira era primitivamente denominada como Ilha de Nosso Senhor Jesus Cristo das Terceiras, e foi em tempos o centro administrativo das Ilhas Terceiras, como era designado o arquipélago dos Açores. Com o avançar dos anos esta ilha passou a ser conhecida apenas por Ilha Terceira. Aparentemente esta é a versão do livro “História dos Açores”, de Artur Teodoro de Matos, Avelino de Freitas de Menezes e José Guilherme Reis, editado pelo Instituto Açoriano de Cultura, em 2008, e transcrito na Wikipédia². Procurei fontes oficiais, mas nada. Andamos à deriva na internet. Alguma fonte oficial terá que socorrer-nos.

Ui, touros bravos… Deixem-se ficar aí quietinhos!… Eu vou passar na bicicleta o mais discretamente possível…

Pelo que percebo, isto são campos de tortura dos animais.

A estes já não cantas, Rute… Aqueles pequenos muros de pedra não me inspiram confiança… É melhor passar caladinha… Se eu me ponho para aqui a cantar-lhes, como faço às outras vaquinhas, ainda se assustam e pulam os muros. Então eu não vi o boi a saltar o muro, na ilha do Corvo, na crónica 55, nas terras do Pedro? Saltou-o cá com uma facilidade… Se estes se assustam ainda saltam também e vêm atrás de mim. Sei lá o que se passa na cabeça de um touro. Caladinha… e passar o mais rapidamente possível!

Agora o GPS manda-me atravessar este portão. Estou frita. Com touros bravos por todo o lado, e manda-me abrir e atravessar este portão.

Ouvi vozes e voltei para trás, para questionar sobre se posso passar o portão sem perigo. Encontrei estas três pessoas, que gentilmente me esclareceram que não há perigo, que ali não há touros, e me ajudaram inclusivamente a passar. Disseram que alguém conhecido (o filho?) já fez este trilho e que efetivamente vai dar à povoação dos Biscoitos.

Seja o que Deus quiser. Se me aparecer um touro, é de maneira que pedalo mais depressa e chego num instante aos Biscoitos. Veremos quem chega primeiro, se eu ou o touro.

Agora manda-me passar este portão. Não quero voltar para trás. Não quero ir pela estrada.

O GPS manda-me subir este caminho. No entanto desorientou-se e mudou de repente. Afinal já não é por aqui. Tenho que passar novamente o portão e seguir por outro caminho lá atrás. Ai!… Toca a abrir e fechar o portão outra vez. Touros, por enquanto, nada.

Mais outra cancela para abrir. Esta tem uma corda presa no chão. Tanta cancela. Foi uma luta desgraçada para abrir e fechar isto, depois de passar. E eis que o GPS de repente dá novo caminho. Não é por aqui, tenho de voltar a abrir o portão, e seguir por outro caminho.

Eu estou a seguir um caminho pedestre no GPS. Agora aguento-me. Está a mandar-me por aqui. Aquelas pedrinhas vulcânicas são os chamados “biscoitos”, porque eram parecidos com os biscoitos torrados duas vezes que os pescadores levavam para o mar, muito duros. Também é chamada de pedra “aa” – pelo que me explicaram porque os pescadores andavam descalços, e ao andar em cima desta pedra, a única coisa que se exclama é “ah… ah” – porque magoa bastante.

Claro que não posso pedalar em cima disto. Por esta altura serei eu a levar a bicicleta ao colo, não será ela a levar-me a mim.

Reparem no grau de humidade que aqui está, para haver este musgo.

O taxista Manuel, da ilha de São Jorge, queria que eu levasse uma pedra como recordação da ilha. Eu não levo pedras das ilhas, eu levo o meu próprio sangue a escorrer.

Esta é a recordação da montanha do Pico. Já está a secar.

Luz à vista!

Há um trilho oficial, o qual termina aqui. Aquela cruz significa que o caminho não é por ali. Mas eu não estou a seguir um trilho oficial. Eu estou a seguir o meu GPS, nomeadamente a aplicação Maps.me. E o GPS diz-me para seguir em frente. Adeus trilho oficial.

Emergi da escuridão! Estou viva! Sem touros!

São 18h39. Faz-se tarde. Ainda nem almocei. Faltam 5,4 km para chegar ao meu alojamento, nos Biscoitos. Ali à frente vou cruzar a estrada. Tenho uma oportunidade de despachar-me: meto-me na estrada de alcatrão e pronto.

Mas isso seria fácil de mais. Meter-me por estradas de alcatrão. Posso lá estragar um passeio lindo como este, com estradas rápidas de alcatrão. Prossigo pelo caminho pedestre indicado pelo GPS, portanto. Alguma vez hei de chegar. Terei que procurar um restaurante nos Biscoitos para comer.

Uma pessoa! Claro que tenho de fotografá-lo. São 18h57. Estivemos uns minutos a falar sobre restaurantes e caminhos. Não fiquei com o seu nome.

O GPS manda-me por aqui. Não consigo, tem picos, é demasiado cerrado. Tenho que voltar para trás e encontrar uma alternativa.

Estou a 1,2 km do meu destino! Quase que já vejo a minha casa!!!

E foi este agricultor quem me explicou um caminho alternativo. Disse que por ali – por onde eu estava a ir – não dá, efetivamente está sem uso e demasiado cerrado. Disse-me para eu virar na primeira à esquerda, que existe aí uma canada que me levará aos Biscoitos. É um caminho largo, até um jipe passa por lá.

É um caminho largo, e de facto até um jipe passa por aqui. No entanto o GPS não o identifica. O tracejado cinzento, em linha reta, significa: “não há caminho, desenrasca-te”. A mapeação dos Açores nos Googles e Maps.me e afins, está ainda muito incipiente, conforme já disse antes.

A chegar à civilização! Alcatrão à vista!…
(Pronto, confesso, de vez em quando sabe bem ver alcatrão).

São 19h28. Abordei estas pessoas sobre o caminho para um restaurante. Há um restaurante do Pedro, disseram-me, que fica aqui perto. É preciso descer muito? – perguntei-lhes. Porque depois tenho de subir tudo.
Quando eu estive cá em dezembro, devo ter almoçado neste restaurante do Pedro. Comi bem, recordo-me.

Ainda fui à estrada principal dos Biscoitos. Mas o meu GPS não identifica a igreja onde me disseram que o restaurante fica – em frente. Tive receio de arriscar. Já é muito tarde, não convém eu encharcar-me também em comida a esta hora, eu costumo estar a dormir dentro de hora e meia. Mais vale comer em casa algo mais leve. E não andar em descidas e subidas à procura dum restaurante.

A bicicleta dorme ali, já pronta para sair amanhã.

O meu espólio alimentar inter-ilhas, conforme o nomeei na crónica 85. É comida que comprei em várias ilhas e anda a viajar comigo. Não posso queixar-me, estou bem servida. Só aquele queijinho do Corvo vale ouro.
Desta vez não comprei pão. Para quê? Já deitei dois pães fora, todos bolorentos. Agora não iria comer pão também. Enche muito e impede-me de comer outras coisas.

Faz silêncio total na casa.
Adormeci a estudar os percursos possíveis de bicicleta aqui na ilha Terceira, eram umas 22h. Nem sequer consegui fazer o trabalho de seleção e backup das fotos de hoje.
Não há trilhos de BTT no site da Visit Azores. Só há estrada. Simulando percursos no Maps.me leva-me sempre pela estrada principal também. Assim não quero.

Veja-se este exemplo de percurso. Não tenciono fazê-lo porque é só estrada. E é um percurso pedestre, ou seja, a opção “peão” está selecionada no topo.
A seta azul mostra a minha localização, nos Biscoitos. Eu estou a simular um percurso entre o Miradouro da Serra de Santa Bárbara e o Miradouro da Serra do Cume. São 30 km a descer e a direito. No fim há uma subida – isto vê-se na linha azul, em baixo. Portanto: é um percurso para peões que segue sempre pela estrada principal, de alcatrão, com carros. Não há trilhos pelo campo ligando os dois pontos, aparentemente.
Sabem que mais? Amanhã vou descansar. Amanhã é dia de descanso. Vou usufruir desta casa silenciosa para descansar, ao 28º dia da viagem. Ainda não descansei um único dia.


¹ “Ilha Terceira”. Infopédia Online. Porto: Porto Editora, 2003-2020. Página consultada a 3 fevereiro 2021,
<https://www.infopedia.pt/$ilha-terceira>

² “Ilha Terceira” (s.d.) Wikipédia. Página consultada a 3 fevereiro 2021,
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Ilha_Terceira>

<< >>